A (sobre) vivência dos movimentos sociais mediante o “ataque” da mídia

 Natália Justem Freire

Carla Cristina Portela de Jesus*

     Mídia e movimentos sociais! Estes são os elementos bastantes presentes na história de nosso país. Mas afinal, qual é a relação entre eles? Os movimentos sociais são “(...) ações coletivas criadas na perspectiva de caminhar para um processo de mudanças (...) no campo individual e coletivo, conjuntural e estrutural, dependendo necessariamente de sua força e organização”. (FELICIANO, 2006: Não paginado). Já o termo mídia “(...) refere-se a qualquer meio para divulgar idéias e não somente ao espaço jornalístico” (PINHEIRO, [s.d.]: Não paginado).

     Quando nos referimos no título sobre a (sobre)vivência dos movimentos sociais mediante o “ataque” da mídia, estamos nos referindo que a mídia tenta associar esses fatos com “coisas ruins”, bagunças e que as pessoas que participam desses movimentos são “baderneiros”. Algo irreal, pois “um movimento social se organiza em função de buscar melhorias para as condições mínimas da vida humana” (ROSSATO, 2006: 3-4).

     E mais,

Os principais fatores de mobilização são a privação, a opressão e a justiça, mas cada organização social não luta somente contra a privação, pois ao fazê-lo, também (re)afirma a identidade das pessoas atingidas. (...) A sociedade percebe a importância desta organização para a diminuição da injustiça social e, assim, inicia o processo de legitimação e valorização. Esta valorização do poder social por parte da sociedade continua até que não exista um contraponto. Se este contraponto tem força já legitimada para desconstituir a imagem que os movimentos tentam construir, usará seu poder para tal. Isso é perceptível quando os movimentos sociais contrariam interesses que há séculos estão intactos (ROSSATO, 2006:3).

     É a partir daí que entra em cena a mídia para transmitir e informar a população sobre esses movimentos. Ainda mais se nas imagens demonstrarem “depredações de prédios públicos e ocupações” (FELICIANO, 2006), pois o importante e ter algo que de audiência. É como nos mostra Bodieu apud Arrais (2005: 27):

Os jornalistas, grosso modo, interessam-se pelo excepcional, (...). Eles se interessam (...), pelo o que rompe com o ordinário, pelo que não é cotidiano. Daí o lugar que conferem a extraordinário, (...) isto é, todas as noticias previstas pelas expectativas ordinárias, incêndios, inundações, assassinatos e variedades.

     Podemos dizer, também, que toda essa “manipulação” pode se dar, pela mídia se sentir ameaçada em perder o seu poder, por esses movimentos que tentam organizar o povo, tirando-os da situação de acomodação e de ouvintes para se tornarem sujeitos ativos e críticos (ROSSATO, 2006).

     Vale destacar que para a mídia, há dois tipos de manifestações sociais: aquelas realizadas pelas camadas pobres e médias e que para podermos compreender como a mesma divulga esses fatos, iremos comprovar através de duas reportagens com praticamente a mesma temática, porém com discursos diferentes:

REPORTAGEM 1:

RJ: Moradores fazem manifestação na Linha Vermelha.

Publicado em 01 de outubro 2006

Moradores do Complexo da Maré tentaram fechar o trânsito na Linha Vermelha e na Avenida Brasil para protestar contra a morte de um menino de três anos, baleado durante tiroteio entre traficantes e policiais do 22º BPM (Maré).

Os moradores reclamam também da presença do Caveirão, veículo blindado da polícia, na favela. O trânsito está complicado nas vias. Na Linha Vermelha, um ônibus parado na pista lateral, sentido Baixada, causa retenções no tráfego.[1] 

REPORTAGEM 2:

Manifestação pela morte de Juíza reúne 100 pessoas em Niterói

Publicada em 20/08/2011

RIO - Cerca de 100 pessoas participaram de uma manifestação na Praia de Icaraí, em Niterói, e pediram justiça no caso do assassinato da juíza Patrícia Acioli, de 47 anos, morta em Niterói no dia 11. Organizada pela ONG Rio de Paz, a manifestação reuniu familiares e amigos da magistrada. Um grupo permaneceu sentado na areia da praia com mordaças pretas. A manifestação também cobrou a investigação de outros casos de homicídio que permanecem impunes. A resposta para o assassinato da juíza está nos processos que a magistrada tinha acabado de julgar ou ainda julgaria, como titular da 4ª Vara Criminal de São Gonçalo. Essa é a aposta dos investigadores da Divisão de Homicídios (DH), que concentram esforços em três processos contra grupos de extermínio e milícias. Também estão na mira dos agentes dez dos 50 PMs processados em casos de autos de resistência (mortes em confrontos com a polícia). Entre os suspeitos, há três cabos da PM que se destacam. Parentes de Patrícia também acreditam que os assassinos sejam do 7º BPM (São Gonçalo) e do 12º BPM (Niterói). Os 21 tiros de pistolas 40 e 45, calibres usados pela polícia, que atingiram a juíza reforçam a tese de crime cometido por PMs - ou seja, as balas teriam sido pagas pelo próprio estado.[2]

     As duas notícias falam sobre manifestações de pessoas reivindicando a respeito da morte de algum cidadão.

     Quem são os sujeitos que sofreram as ações nos textos? Na reportagem 1 foi um menino de três anos, sem nome, ou seja, trataram como se fosse uma “pessoa qualquer”, sem identidade. Mais um para entrar nas estatísticas. Já na reportagem 2 foi a “digníssima, excelentíssima, senhora” Juíza Patrícia Acioli. Uma pessoa “importante”, de nome e carreira.

     O motivo da morte no caso 1 foi bala perdida durante um tiroteio entre traficantes e policiais. No caso 2 foi assassinato por motivo de enfrentamento as ações de milícias, ou seja, morreu “em serviço”, protegendo a sociedade das ameaças desses “policiais”.

     O objetivo que causou a morte do menino de três anos não foi divulgado. A reportagem só diz que este foi baleado. Mas para que saber com que tipo de arma ele morreu não é mesmo? Não é alguém “importante”... Já Acioli, como mostra a reportagem, morreu com “21 tiros de pistola 40 e 45, calibres usados pela polícia (...)”.

     E por último, o que consideramos mais importante (no que diz respeito ao objetivo do texto) é como foram feitas as manifestações.

     Na reportagem1 amídia nos mostra que os moradores causaram muitos transtornos, por exemplo, para o trânsito da cidade. Contudo no segundo caso, as pessoas envolvidas no movimento permaneceram organizadas “(...) sentadas na areia da praia [de Icaraí] com mordaças pretas”, ou seja, não trouxeram nenhum inconveniente aos demais cidadãos.

     A partir dessa descrição e interpretação das reportagens, devemos frisar o que Gohn apud Feliciano (2006: 3) quando nos diz, que “(...) a notícia é construída como mensagem para formar uma opinião pública sobre o acontecimento (...) e não para informar este mesmo público.”

     Com isso, concluímos este artigo com duas questões a serem meditadas: você acha que a mídia vê os movimentos sociais feitos pelas classes mais pauperizadas e da classe média da mesma forma? E como o papel da mídia não é necessariamente, apenas, o de informar, mas sim de criar opiniões, que tipo de opinião você acha que a mídia tenta colocar em nossas mentes a respeito dos movimentos sociais populares? Uma visão de cidadãos que buscam ter suas reivindicações atendidas ou uma visão “satanista” onde ameaçam a paz social?

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FELICIANO, Carlos Alberto. Para entender as ações dos movimentos sociais no campo brasileiro. Presidente Prudente: 2006. Disponível em: <www.editoracontexto.com.br/produtos/artigos/Carlos%20Alberto.pdf>. Acesso em: 8/9/2011 21:09:52

PINHEIRO, Roseane Arcanjo. Qual o lugar da mídia nos movimentos sociais e o espaço das questões sociais na mídia? [s.d.]. Disponível em: <www2.metodista.br/.../pmc_acervo_pingos_cohn_qual_o_lugar_da_midia>. Acesso em: 8/9/2011 19:15:32.

ROSSATO, Alexania. Juventude, mídia e movimentos sociais camponeses: encontros e desencontros. UNIrevista . São Paulo. - Vol. 1, n° 3. p. 1-10, julho 2006. Disponível em: <www.unirevista.unisinos.br/_pdf/UNIrev_Rossato.PDF>. Acesso em: 8/9/2011 21:11:29.

 

Sites Consultados:

http://noticias.terra.com.br/brasil/noticias/0,,OI1168624-EI316,00 RJ+moradores+fazem+manifestacao+na+Linha+Vermelha.html. acesso em: 8/9/2011 22:54:15

http://oglobo.globo.com/rio/mat/2011/08/20/manifestacao-pela-morte-de-juiza-reune-100-pessoas-em-niteroi-925171667.asp acesso em 8/9/2011 22:35:03

Como referenciar este artigo:

FREIRE, Natália Justem; JESUS, Carla Cristina Portela de. A (sobre) vivência dos movimentos sociais mediante o “ataque” da mídia. Niterói, Abr. 2012.

 *  Assistentes sociais graduadas pelo Centro Universitário Plínio Leite


[1]Disponível em: http://noticias.terra.com.br/brasil/noticias/0,,OI1168624-EI316,00-RJ+moradores+fazem+manifestacao+na+Linha+Vermelha.html. Acesso em: 8/9/2011 22:54:15.

[2]  Disponível em: http://oglobo.globo.com/rio/mat/2011/08/20/manifestacao-pela-morte-de-juiza-reune-100-pessoas-em-niteroi-925171667.asp. Acesso em 8/9/2011 22:35:03.