Imagine-se sendo perseguido e preso pela inquisição, como foi um certo “Bento Teixeira” em Olinda, conforme nos relata Caesar Sobreira em seu livro “Nordeste Semita”. Agora, pense nas razões mais torpes, como o fato de estar discutindo “filosofia e teologia com leigos e clérigos”, ou, por exemplo, de você portar uma biblia que não seja a cristã, no caso do nosso amigo Bento o fato dele ter “Traduzido a bíblia ao português”, enfim, ser perseguido e preso, apenas e tão somente, em função de “práticas [tidas como] judaizantes”.

Agora, mude o foco e se imagine em um contexto em que o seu valor, como ser humano, político e social é colocado em xeque em função de suas raízes genealógicas, dito de outra forma, como escreveu Caesar Sobreira, você ter como “obrigação a fraude genealógica”, pois a pureza, ou impureza, no caso, poderia significar uma vida no ostracismo.

Conseguiu visualizar essas duas situações que, só aparentemente, parecem hipotéticas? Pois bem, então, o que você faria se você  tivesse alguns filhos(as) em idade de casamento? Você acharia seguro casa-los(as) com alguém que, hipoteticamente, pudesse ter “o sangue infecto”? Neste caso, o casamento intrafamiliar era uma saída mais segura, tendo em vista, por outro lado, da “carência demográfica não apenas do belo sexo, mas do belo sexo de origem européia e cristã-velha”, leia-se não judeus.

É envolvido nestes elementos de perseguição etnicoreligiosa e endogamia que Caesar Sobreira vai defender a tese de um “Nordeste [infecto pelo sangue?] Semita”, onde “é possível [perceber] reconhecer e afirmar a herança do sangue e cultura judaica” no nordeste.

Voltando à questão da perseguição etnicoreligiosa, podemos analisar no fragmento “muitos judeus aceitaram a religião imposta”, no caso o cristianismo, “embora forçados uns, e outros por conveniência, mas nenhum por convicção”, que houve uma intensa pressão sobre o povo semita que não tinham alternativa, além da prática “criptojudaica”.

Assim, embora se mostrassem socialmente cristãos, colocavam em prática sua convicções judaicas sob quatro paredes, às portas travadas, sempre com medo de ser denunciados por vizinhos e, até mesmo, por empregados da casa.

Já a endogamia, prática da “cultura semita”, pode ser observada nas práticas do “senhor de engenho pernambucano [que] estimula a endogamia”, assim, “as sobrinhas são as verdadeiras mulheres dos tios”.

Neste sentido, podemos analisar como a tentativa de evitar que o sangue judeu pudesse infectar o sangue da aristocracia Pernambucana, como também tentando evitar as dispersões de bens da família, tínhamos, sob determinado aspecto, uma repressão sexual, no qual o casamento com desconhecidos (potenciais judeus) era evitado até as últimas conseqüências.

Por outro lado, podemos ver na prática da endogamia no Nordeste como um indicador cultural judaico, pois “o casamento entre judeus e não judeus é proibido” na religião judaica, assim, provavelmente, muitos judeus que, fazendo parte da aristocracia pernambucana, mas não se colocando como judeu explicitamente, exteriorizava traços de sua cultura com, por exemplo, a preocupação de não casar seus filhos com não judeus, que era proibido por sua religião.

Por fim, em última análise, voltando ao relato do primeiro parágrafo no qual apresentamos um certo “Bento Teixeira” perseguido e preso pela inquisição em Olinda, por ter práticas judaizantes, certamente, incitou em vocês um sentimento de revolta pela perseguição fortuita e desrespeito étnicoreligioso, porém, o fato mais contraditório e que demonstra uma inversão profunda de valores, é que este mesmo “Bento Teixeira”, matou sua mulher por causa de “infidelidade”, assim, é engraçado observar que a perseguição e prisão do mesmo só foi motivada pelas suas convicções religiosas e condições étnicas, mas, em nenhum momento, em função do assassinato de sua esposa que o traiu: é ou não é uma [re]inversão de valores?

Referências Bibliográficas

SOBREIRA, Caesar. 2010. A cana e o homem mais que semita. In: Nordeste Semita: ensaio sobre um certo Nordeste que em Gilberto Freyre também  é semita. São Paulo: Global editora, p.53-103.