A igualdade de gêneros na construção da dignidade da pessoa humana

                   Amanda Larissa de Oliveira Santos – Colégio Complexo Educacional Contemporâneo – RN

Professora Orientadora: Fátima Fonseca

         Em meio a tantas idealizações e conquistas populares, caminha a humanidade. O Ser humano deixa, ultimamente, de vivenciar o tempo natural para viver o tempo social. Isto é, o sistema capitalista e desumano exige tanto do indivíduo, que consegue transformá-lo em um espírito burguês e cego pelo vício reprodutivo na escala do poder; a busca incessante por capital aniquila os valores-princípios inerentes à perpetuação da vida na Terra, na qual o respeito ao próximo, a igualdade de gêneros e a consciência de contribuição para uma sociedade mais justa ficam em segundo plano e, até mesmo, tornam-se utopia.

         Esse calvário não é moderno e tortura, lenta e gradualmente, milhões de pessoas em todos os locais. Seja por etnia, raça, sexo, religião ou classe social, elas são, muitas vezes, humilhadas em público e discriminadas enquanto a própria Constituição Federal admite exatamente o contrário. No Art. 5º, é admitido que: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: I – Homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações”. O visto mostra que, independente de qual seja a justificativa para tal ato, é inconstitucional a diferenciação de, por exemplo, salários para homens e mulheres.

         Durante anos o salário feminino foi inferior e aceito assim mesmo, porque a ignorância predominava e a falta de iniciativa – até mesmo por medo – silenciava as mulheres, as quais se conduziam de maneira omissa e destinavam-se a aceitar a superioridade do homem e a sua liderança em casa. Formaram-se, então, as “Amélias”. Conhecidas assim, elas dedicam seu tempo e sua vida a lavar pratos e passar roupas, mantêm a “faxina” em dia e guardam seu corpo como um mero instrumento de prazer e de reprodução. A liberdade de direito e de expressão era escondida pelo estereótipo machista e covarde, característico de uma era cuja plutocracia exercia o poder das classes ricas (controle político, jurídico, econômico etc.) sobre as classes pobres e trabalhadoras.

         Exemplo disso é o que nos conta Carlos Drummond de Andrade, no poema “Caso do Vestido”, do livro “A Rosa do Povo”. Retratando a sociedade brasileira da década de 40 e utilizando uma linguagem arcaica, o autor relata um acontecimento na vida de uma mãe vítima de violência doméstica, humilhação e omissão, além de ser traída e desprezada por um esposo autoritário. Um dos versos demonstra a sua insatisfação com a realidade a qual se submete e a turbulência emocional sentida ao não desejar que suas filhas repitam o seu erro: “Minhas filhas, escutai palavras de minha boca”. A angústia foi tamanha que a depressão contaminou sua mente e o pensamento de suicídio fez-se presente: “Saí pensando na morte, mas a morte não chegava”. Esse é o retrato infeliz e lamentável de mães as quais anulam o seu amor próprio e abstraem-se da sua autoestima em prol do bem-estar do marido, porque se sentem inferiores e incapazes de seguirem sua vida sustentando-se do próprio “suor” e de quebrarem todo um regime hierárquico, no qual a mulher deve suportar os mais variados tipos de sofrimento, porque é “ruim com ele e pior sem ele”, como diz o ditado. Não obstante, a escritora e jornalista ítalo-brasileira, Marina Colasanti, por meio de “A Moça Tecelã”, manifesta sua opinião e valoriza o feminino, deixando-nos a esperança de igualdade de gêneros e rompendo com a postura da mulher obrigada ao trabalho doméstico. O equilíbrio, a autonomia e a determinação presentes na Moça Tecelã orientam a sua escolha em separar-se de um marido invasivo, ambicioso, impositivo e egoísta.

         Por meio de um conto de fadas moderno, de um teor mágico e de metáforas, Colasanti esclarece que as pessoas fazem conosco aquilo permitido por nós mesmos e exalta a mulher como senhora da própria vida. E, com o passar das décadas e da ditadura psicótica, o sexo feminino reconhece o seu devido lugar e coloca-se à altura daquele o qual antes era visto como superior e incontestável. Assume, agora, cargos políticos nunca antes imaginados e é reconhecido por todos devido à sua igualdade de capacitação e de inteligência. Como exemplo, façamos menção à ministra do Supremo Tribunal Federal (STF), Cármen Lúcia Antunes Rocha. Juíza atuante no julgamento do mensalão, ela orgulhou a população e fez juízo à Constituição por meio de seus discursos.

         Cármen Lúcia, assim como tantas outras brasileiras, é exemplo de seriedade, honestidade e comprometimento com toda a nação. Ela obteve destaque e fez a diferença porque hoje as mulheres têm vez e voz, merecendo sua liberdade de opinião, cujas conquistas foram feitas há muitos anos por diferentes personalidades. Citando um caso análogo, temos Maria Quitéria. Ela, vestida com roupa de homem e com os cabelos cortados, alistou-se como soldado Medeiros e teve a honra de defender a independência do Brasil. Em 1953, cem anos após sua morte, o governo brasileiro ordenou que em todos os estabelecimentos, repartições e unidades do Exército, fosse inaugurado o retrato da ilustre patriota. Assim como Quitéria, Auta de Souza foi uma insigne brasileira digna de reconhecimento, considerada a poetisa norte-rio-grandense mais conhecida fora do Estado. Sua poesia, de um romantismo ultrapassado e com certos traços simbolistas, difundiu-se nas rodas literárias do país e despertou emoção e interesse em muitos jornais da época, como o Paiz, do Rio de Janeiro, e a Gazetinha, de Recife. Seu único livro de poemas, O Horto, com prefácio de Olavo Bilac, ganhou repercussão na crítica nacional. Fatos como esses encorajam outras brasileiras a quebrantarem o silêncio e revelarem-se para si e para o mundo, pois, desse modo, desenvolvem seu potencial intelectual, sendo mais transparentes e menos condescendentes. Esse poder de direito e de ousadia deve ser administrado, logo cedo, com as crianças, para crescerem com a consciência do escrito na Declaração Universal sobre a Democracia: “O êxito da democracia supõe uma autêntica associação entre homens e mulheres para o bom andamento dos assuntos públicos, de modo que tantos os homens quando as mulheres atuem em igualdade e complementariedade, obtendo um reconhecimento mútuo a partir de suas diferenças”.

         Dessa forma, visando o respeito ao próximo como prioridade para o resultado próspero da democracia, a creche pré-escola Oeste da USP, por exemplo, estruturou-se como um local onde crianças aprendem a conviver com deficientes, estrangeiros recém-chegados ao país e crianças das diversas classes sociais sem preconceito. Lá, o ambiente foi configurado para que o diferente seja aceito e tolerado e a diversidade é parte da rotina. Segundo uma pesquisa realizada pelo Instituto de Psicologia da USP, com os alunos da creche, vivenciar a experiência da educação inclusiva na pré-escola pode evitar diversos tipos de preconceito de forma duradoura. Os pequenos aprendem juntos e, independentemente das dificuldades apresentadas, relacionam-se normalmente, porque a aquisição de conhecimento e de descobertas é mais importante do que qualquer outra justificativa de discriminação e, além disso, imprescindível para a sensibilidade de compreender que a igualdade de gêneros constrói a dignidade humana. É triste a realidade dos fatos narrados por diferentes pessoas no vídeo “Onde você guarda o seu Racismo?”, encontrado no site Youtube, postado no ano de 2007. Em pleno século XXI, uma mãe depõe, ao lado do esposo, que levaram o afilhado, de três anos, a uma festa e uma criança da mesma idade disse para ele: “Minha mãe detesta gente preta e eu também”. Outro depoimento indignante é visto: “Eu estava num ônibus com meu ex-marido, que é branco, teve uma blitz e eu, a única mulher negra, fui a única a ser revistada”.

         Diante do exposto, revoltemo-nos: Com qual direito se julga um indivíduo para tamanha mediocridade? Será que estamos na Alemanha de Hitler, num processo de discriminação racial e segregação social? Não, não estamos. É necessário pôr um fim nessa humilhação maquiavélica ofensora de inocentes e de oprimidos, pois, como muito bem colocou Leonardo da Vinci, aquele que não pune o mal ordena que se faça. Estamos em uma época de globalização, cujo fenômeno trouxe profundas transformações à economia, à cultura e à organização geopolítica internacional. Porém, em que adianta tanto avanço se não estabelecemos a transformação psíquica? O homem tem explorado um universo de criatividade e de invenções, mas despreza, cada vez mais, seu maior bem natural: o raciocínio humanitário. Em meio às grandes navegações, à revolução tecnocientífica e à expansão econômica, criou um sistema de inclusão e, ao mesmo tempo, exclusão social. A padronização do consumo, de valores e de ideias o colocou em uma masmorra psíquica, bem traduzida por Augusto Cury, em “A Ditadura da Beleza e a Revolução das Mulheres”: os homens produziram uma sociedade de consumo inumana, que usa o corpo da mulher, e não sua inteligência, para divulgar seus produtos e serviços, gerando um consumismo erótico. Esse sistema não tem por objetivo produzir pessoas resolvidas, saudáveis e felizes; a ele interessam as insatisfeitas consigo mesmas, pois quanto mais ansiosas, mais consumistas se tornam.

         Destarte, para fomentarmos e pertencermos, efetivamente, a uma sociedade mais justa, igualitária e evoluída mentalmente, precisamos de indivíduos mais atuantes com visões críticas e cônscios de seus direitos e deveres. Para isso, temos posse de um avanço tecnológico diferencial: as mídias sociais. A partir delas como meio de comunicação a favor da propagação informacional, torna-se possível e célere o acesso de notícias e de ideias para pessoas leigas e desinformadas. Dessa forma, a modernidade registrará, principalmente para as próximas gerações, a importância da consciência de igualdade de gêneros para a construção do respeito mútuo entre cidadãos; e, como diria Pierre Dac, o futuro é o passado em preparação. Ele já começou faz tempo e as nossas ações sábias, hoje, o solidificará como um exemplo a ser seguido.