Frequentemente nos deparamos com pessoas saudosistas e as ouvimos proferir frases como "Antigamente não era assim" ou "o mundo hoje está perdido". É muito comum encontrar este sentimento principalmente em pessoas de mais idade, alegando saudade aos tempo de outrora nos quais o mundo era mais "correto". Estas sentenças são comuns ao ver notícias que mostram do que o ser humano é realmente capaz de fazer, as atrocidades que cometem para com seus pares, ou a ascendência de movimentos LGBTs, feministas, que em tese ferem a família tradicional e as construções dogmáticas da sociedade cristã provida de grande carga axiológica, alegando que tais correntes de cunho mais esquerdistas tendem a fragilizar as instituições sociais, como a igreja que é eminentemente patriarcal e tradicional.

Não há nada de errado com o tradicionalismo, os indivíduos em sua maioria até o preferem. Porém, quando há um choque de realidade e se expõem versões alternativas a algo causa espanto na sociedade, que geralmente a repele, alegando ser prejudicial a anomalia comportamental, necessitando retornar ao status quo. E estes mesmos serem voltam a demonstrar sua indignação alegando que antigamente o mundo não era assim.

Afinal, o mundo realmente está perdido?

É preciso realizar uma análise crítica antes de proferir uma resposta concreta. A frase de que o mundo está perdido é verbalizada principalmente quando se deparam com crueldade do ser humano ou comportamentos anômalos. Como por exemplo ao assistir ao noticiário e ver crimes bárbaros, estupros, rebeliões em presídios, entre outros. Temos a sensação de estarmos vivendo em um caos completo. Entretanto a alma humana recentemente começou a ser maléfica?

Obviamente que não, a crueldade e as facetas mais escuras da humanidade sempre existiram desde a concepção do ser como um todo. Há inúmeros casos de atrocidades, como o incêndio de Nero na Antiguidade Clássica, os tratamentos desumanos para aqueles que não eram católicos na Idade Média, ou eram meramente acusados de bruxaria e penas cruéis, severas, levando a morte eram aplicadas prontamente sem o menor processo envolvendo contraditório e garantias.

Remetendo à Idade Moderna observamos a tirania dos monarcas absolutistas e a satisfação de opressão de outros povos simplesmente para garantir sua hegemonia no mundo e acumular riquezas. Mas a ganância em crimes de furto, roubo, latrocínio "demonstram uma sociedade contemporânea bárbara, desprovidas de valores éticos e morais", como dizem.

As pessoas saudosas supracitadas querem o retorno dos valores predominantes do século passado, principalmente na primeira metade do século XX, no qual havia o patriarcalismo, rigidez na ordem social e exacerbação das máscaras sociais. Mas realmente naquele tempo havia melhor qualidade de vida? Sem contar os avanços medicinais proveniente de intensa pesquisa e investimento, as pessoas viviam melhor?

Ora, outrora a liberdade era restringida em detrimento da sociedade e atualmente justamente o oposto, há relevância aos direitos individuais de liberdade (atualmente previstos no art. 5º da Carta Magna, proveniente de um processo de redemocratização a partir de 1985), ou seja, atualmente há mais liberdade. É inegável que esta seja salutar, e os países que se dizem democráticos tem ela como seu pilar fundamental.

Enquanto outrora não havia liberdade, hoje há de sobra. Antigamente as pessoas eram especialmente adstritas às convenções sociais, sendo marginalizada facilmente caso não as cumprisse. Atualmente as pessoas têm liberdade, não só de locomoção, pensamento, expressão, como também de ser o que querem e buscar sua felicidade. Como um casal gay, que outrora precisava se encontrar às escondidas, hoje pode demonstrar seu afeto livremente, e os indivíduos saudosistas querem o retorno dos tempos porque não estão acostumados a desconstruir paradigmas sociais e ideias estereotipadas.

O que há hoje é a quebra de tabus, desconstrução de ideias que eram consideradas absolutas, causando estranheza social, como homossexualidade, identidade de gênero, feminismo. Os grupos marginalizados socialmente buscam sua ascensão, potencializadas pelos veículos midiáticos, atingindo uma grande massa de uma vez só. Portanto, podemos resumir á frase da perdição do mundo em duas etapas "a barbariedade e a excentricidade" que são veiculados na mídia, espalhados em um segundo, sendo que antigamente não era visto, porém existia basicamente nas mesmas proporções.

Com isso, o mundo se globaliza, as pessoas ganham mais liberdade para serem o querem ser, o que é salutar, porém às vezes levam a caminhos desviantes, como a prática delitiva, entre outros. Além disso, a nova geração também busca originalidade, não querem simplesmente mais um grão de areia, querem se destacar, e um bom método de se fazer isso é quebrando convenções sociais, pensar fora da caixinha. E assim caminhamos, buscando cada vez mais a busca pela felicidade sem se preocupar com o mundo externo, sendo justamente o oposto antigamente, a aparência, solenidades e máscaras sociais com o Eu interno definhando por dentro. Ou seja, o mundo sempre foi "perdido", sempre houve crueldade, comportamentos diferentes, promiscuidade, ideias distintas, apenas hoje é muito mais exposto e debatido do que nos tempos de outrora.