O PAPEL DA FORMAÇÃO CONTÍNUA DE RH NO CONTEXTO DA NOVA GESTÃO PÚBLICA EM MOÇAMBIQUE

THE ROLE OF CONTINUOUS HR TRAINING IN THE CONTEXT OF NEW PUBLIC MANAGEMENT IN MOZAMBIQUE

 

Canifai Ângelo Corneta

Mestrando em Administração Pública

[email protected]/[email protected]

Contactos: 842544737/878944737

Resumo

O presente artigo intitulado” o papel da formação contínua de Rh no contexto da nova gestão pública em Moçambique” teve como objectivo principal compreender o papel da formação contínua de Rh no contexto da nova gestão pública em Moçambique. O argumento central deste estudo é de que desde a independência, Moçambique vem enfrentando graves problemas na componente de recursos humanos, estes problemas na sua maior parte estão relacionados com a ausência de quadros qualificados no sector público, o que dificulta a implementação dos princípios da NGP introduzidos no âmbito da reforma do sector público. Assim, a questão norteadora desse estudo foi: até que ponto a formação contínua de Rh ajuda na implementação dos fundamentos da nova gestão publica em Moçambique?. Em termos metodológicos, o trabalho resultou da simbiose entre pesquisa qualitativa, descritiva, bibliográfica e documental. Os resultados da pesquisa demonstraram que as formações contínuas no sector público seriam/é o único meio de profissionalizar os funcionários e agentes do Estado, de modo a habilita-los, prepara-los e aperfeiçoa-los para que possam responder os desafios que a NGP impõe. Assim, o Estado na qualidade de empregador deve assumir dois principais papeis neste processo, por um lado criar mecanismos eficazes de diagnosticar as necessidades de formação, por outro lado fiscalizar o processo de formação dos funcionários públicos. Portanto, o artigo conclui que a formação contínua de Rh ajudaria em grande medida na implementação dos fundamentos da nova gestão pública em Moçambique.

Palavras-Chave: Formação Contínua, Recursos Humanos, Administração Pública, Nova Gestão Pública.

Abstract

This article entitled “the role of continuous Rh training in the context of new public management in Mozambique” had as its main objective to understand the role of continuous Rh training in the context of new public management in Mozambique. The central argument of this study is that since independence, Mozambique has been facing serious problems in the human resources component, these problems are mostly related to the lack of qualified staff in the public sector, which makes it difficult to implement the principles of NPM introduced as part of public sector reform. Thus, the guiding question of this study was: to what extent does continuous HR training help in implementing the foundations of new public management in Mozambique? In methodological terms, the work resulted from the symbiosis between qualitative, descriptive, bibliographic and documentary research. The research results demonstrated that continuous training in the public sector would be/is the only way to professionalize State employees and agents, in order to qualify, prepare and improve them so that they can respond to the challenges that NGP imposes. Therefore, the State as employer must assume two main roles in this process, on the one hand creating effective mechanisms for diagnosing training needs, on the other hand supervising the training process of public servants. Therefore, the article concludes that continuous HR training would greatly help in implementing the foundations of new public management in Mozambique.

Keywords: Continuing Training, Human Resources, Public Administration, New Public Management

1.Introdução 

O primeiro modelo de gestão pública a vigorar no mundo foi o tradicional, e se caracterizava pela impossibilidade de separação da coisa pública da particular. Este modelo foi considerado inadequado depois de certo tempo por se afigurar como uma ditadura. Como resposta as fragilidades do patrimonialismo, Weber trouxe o modelo burocrático, que de forma temporária permitiu que administração pública resolvesse o problema de divisão de tarefas e corrupção, no entanto, apesar deste avanço a administração pública continuava enfrentando grandes problemas ligados ao alcance de resultados, falta de flexibilidade nos procedimentos e uma administração centralizada.

A partir dos anos 80, países como Dinamarca, Austrália e Canadá optaram por dar inicio a uma série de transformações, motivadas pela necessidade de melhorar a qualidade dos serviços públicos. Estás transformações culminaram com um novo modelo de gestão, cuja a ênfase é a descentralização de atribuições na administração e competitividade entre instituições do Estado, mediante aplicação na esfera pública de conceitos e técnicas de gestão utilizados no sector privado, a New Public Management (Monteiro et al,2014).

A New public management tem sido actualmente uma tendência dos governos ao nível do mundo, de forma particular Moçambique. Este modelo começou a ser visível com as metamorfoses da década de 80 e inicio da década 90, sendo, portanto, amplamente fortificado com a reforma do sector público em 2001, como um modelo de gestão que permitiria a administração pública aumentar a eficiência, eficácia e qualidade na prestação de serviços públicos.

Entretanto, a adopção deste modelo em Moçambique não levou em conta que desde a independência em 1975, o país enfrenta sérios problemas em termos de recursos humanos (Cosme, 2016), e que apesar do avanço que o país deu com a introdução das universidades e institutos de formação, muitos problemas ainda continuam a ser constatados nas instituições públicas.

A questão dos recursos humanos no sector público é tratada pela literatura nacional como sendo um verdadeiro calcanhar de aquiles, pois há ausência nas instituições públicas de funcionários qualificados e com capacidade de proporcionar competitividade e flexibilidade na prestação de serviços (Sitoe, 2006). Esta situação tem sido influenciada pelos fracos mecanismos de avaliação de desempenho, falta de formações contínuas e pelas estruturas burocráticas que dificultam a possibilidade de dispensar os funcionários com baixo desempenho para formações.

Nesse sentido, embora nas últimas décadas tenha se articulado intervenções críticas na área de recursos humanos como aponta Sitoe (2006), uma percentagem elevada de funcionários do Estado em Moçambique continua desatualizada, tendo em conta as transformações que administração pública vem sofrendo.

Deste modo, o novo modelo de gestão pública traz consigo um conjunto de pressupostos, sendo, portanto, o seu sucesso dependente da existência de funcionários ágeis, com capacidade de elevar a qualidade e melhorar o desempenho das instituições (Simione, 2019).

É nesta perspectiva, que partindo da tese de que maior parte dos funcionários públicos em Moçambique têm grandes défices de formação, que não lhes permitem responder os desafios modernos do sector público, que surge a seguinte questão problemática deste artigo: até que ponto a formação contínua de Rh ajuda na implementação dos fundamentos da nova gestão pública em Moçambique

Com base nesse questionamento, este artigo tem como principal objectivo compreender o papel da formação contínua de Rh no contexto da nova gestão pública em Moçambique, e apresenta os seguintes objectivos específicos: Descrever os desafios que a administração pública moçambicana enfrenta ligada aos Rh; Analisar as implicações da formação contínua de Rh na NGP em Moçambique e Perceber o papel do Estado no processo de formação de Rh.

Neste sentido, tendo em conta o alcance dos objectivos de estudo, foram formuladas as seguintes perguntas de investigação: quais são os desafios que a administração pública moçambicana enfrenta ligada aos Rh?quais sãs as implicações da formação contínua de Rh na NGP em Moçambique? qual é o papel do Estado no processo de formação de Rh?

A importância deste estudo, deriva do facto de que as transformações que Moçambique vem fazendo com as reformas, só terão um impacto significativo caso haja recursos humanos habilidosos e capazes de implementar os princípios da NPM, aliás, como argumenta Andifoi (2010) funcionários em contínuo aprendizado é uma exigência e condição emergente para responder as necessidades actuais, num modelo que exige cada vez mais responsabilidade e acção da administração pública.

No que tange a metodologia, o presente artigo é de caráter qualitativo e descritivo, e resulta da simbiose entre pesquisas bibliográficas e documental. Para o alcance dos objectivos propostos neste artigo, foi também utilizado o método indutivo que permitiu através de premissas particulares, tirar ilações sobre o papel da formação contínua de Rh no contexto da nova gestão pública em Moçambique.

Este artigo esta organizado em 4 partes além da introdução e conclusão. Na primeira parte apresentamos um breve debate teórico sobre o contexto histórico dos recursos humanos e as reformas administrativas em Moçambique. A segunda parte dedica-se a apresentação dos desafios que a administração pública moçambicana enfrenta ligada aos Rh. Na terceira parte são analisadas as implicações da formação contínua de Rh na NGP em Moçambique. Finalmente, na quarta e última parte debruçamos sobre o papel do Estado no processo de formação de Rh.

2. O Contexto Histórico dos Recursos Humanos e as Reformas Administrativas em Moçambique

A génese histórica dos recursos humanos no sector público em Moçambique, esta extremamente relacionada com a história do país. Moçambique foi uma colónia Portuguesa, e antes da independência os recursos humanos que compunham o Estado, quase na sua totalidade eram de origem portuguesa, nesse sentido, eram os únicos que possuíam preparação técnica e profissional (Simione, 2019).

Com a independência em 1975, houve necessidade de romper com a forma de organização administrativa colonial, facto que afectou os recursos humanos no país, pois muitos quadros que o Estado tinha, abandonaram o país em virtude da independência. Nestes moldes, com a saída dos quadros portugueses, Awortwi (2010, citado por Simione, 2019) afirma que a prestação de serviços públicos deveria ser assegurada por funcionários moçambicanos.

Assim, de acordo com o autor acima citado, nos finais do ano 1977 o governo decide integrar jovens nos sectores da educação, saúde e administração civil, no entanto, maior parte destes jovens não tinham formação e muito menos especialização para actuar nas áreas referidas.

Vários estudos a nível nacional, partilham a ideia de que o Estado moçambicano naquele período vivia uma época de transição, e ainda não tinha definido mecanismos claros de recrutamento e selecção, carreiras profissionais e regulamentos, aliás, os jovens selecionados naquela época, não tinham experiência profissional. Por isso, a decisão do governo de integrar jovens sem experiência de trabalho, começou a apresentar consequências em pouco tempo, muitas destas estavam ligadas a forma de prestação de serviços públicos a população (falta de qualidade nos serviços públicos).

Desta forma, foi necessário dotar os novos funcionários de habilidades e competências para o bom desempenho das suas funções. Assim, a partir do ano 1978 o Estado começa a se preocupar com a criação de centros e institutos de formação, voltados essencialmente para a formação de funcionários públicos.

Dentre muitos centros e institutos de formação criados pelo Estado durante aquele período, Cosme (2016) aponta o centro de formação 1° de Maio, Escola de Estado e Direito,  o Instituto médio em administração, Instituto de formação em administração pública e autárquica, e recentemente o Sistema de formação em administração pública, Com estes institutos e centros de formação, o governo  pretendia melhorar a capacidade profissional dos funcionários e agentes da administração pública, de modo a prestar serviços públicos com eficiência e eficácia.

Importa salientar que neste período de transição, Moçambique era dirigido por um regime de governo monopartidário, que do ponto de vista administrativo era um Estado caracterizado por uma administração pública altamente burocrática, em que o partido no poder dominava o executivo, através do controlo absoluto da produção de leis (Simione, 2015).

O modelo burocrático em vigor após a independência, começa a apresentar sinais de fracasso com os conflitos armados protagonizados pela Frelimo e Renamo em 1977. Assim, com estes conflitos o modelo socialista começa a ser visto como problema, precipitando desta forma, o nascimento de um novo modelo de Estado, alicerçado nos fundamentos da democracia e descentralização.

A pressão por um país democrático e descentralizado, fortificou-se com a drástica queda da qualidade dos serviços, causada pela recessão económica, que obrigou o governo moçambicano a aderir as instituições internacionais (Breton Woods, Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional). Mas tarde, Moçambique aprovou uma nova constituição em 1990, e materializou a descentralização politica com aprovação da lei 2/97 e realização das primeiras eleições autárquicas em 1998.

Durante este percurso, a máquina administrativa do Estado cresceu junto com os seus recursos humanos, não obstante disso, as necessidades colectivas também aumentaram com o aumento populacional. Com os factores acima referenciados, as transformações realizadas pelo Estado, não estavam a dar resultados, pois a sociedade ainda não estava satisfeita com a administração pública, que em termos práticos não conseguia prestar com eficiência e eficácia os serviços públicos.

Assim, com a elevada pressão por parte da sociedade por mais e melhores serviços, cresceu uma necessidade de o Estado modernizar ainda mais a administração pública, sendo desta maneira o governo obrigado a realizar reformas administrativas. Estas reformas implicariam a adopção de novas práticas de gestão pública consideradas fundamentais para resolver os problemas de eficiência e eficácia (Baloi & Nhacule, 2022).

Dessa forma, em 2001 o governo lançou a estratégia global da reforma do sector público, que em termos gerais fortificou a construção do sector público em Moçambique, dando inicio a aplicação das propostas da NPM. Um dos pilares desta estratégia da reforma do sector público, foi profissionalizar os funcionários públicos.

De acordo com Macuane (2006) os princípios orientadores da estratégia global da reforma do sector público, foram construídos tendo em conta os preceitos da NGP. A agenda da reforma comportou um conjunto de aspectos relacionados com a NPM, tais como os programas de impacto imediato (quick wins), análise funcional, reestruturação de ministérios, governo eletrónico, e alguns elementos de gestão do desempenho ligados à reforma salarial e a gestão da mudança, em outras palavras, com a estratégia global da reforma do sector público, o governo moçambicano começa com a criação de bases para implementação completa das ideias da NPM, criando desta maneira a necessidade de aplicação dos novos padrões de gestão pública.

 

3. Os Desafios que a Administração Pública Moçambicana enfrenta ligada aos Recursos Humanos

A nível nacional quando se debate sobre reformas e modernização da administração pública, maior parte dos discursos giram em torno da temática de recursos humanos e dos problemas relacionados com os funcionários públicos. De acordo com Andifoi (2010) estes debates são consequências das mudanças sociais, culturais e tecnológicas que Moçambique vive, e que têm vindo a provocar transformações profundas na administração pública. Assim, os pressupostos da NPM que surgiram no âmbito da reforma do sector público, pressionam as instituições públicas a proverem serviços flexíveis e de qualidade (Forquilha, 2013).

Nestes moldes, os pilares apresentados pela estratégia global apresentam vários desafios a administração pública, ligada a componente recursos humanos O primeiro desafio é a qualificação de funcionários para desempenhar as tarefas normais na administração pública, e o segundo diz respeito a exoneração se existir, de funcionários que ocupam cargos de gestão sem, no entanto, possuir qualificações superiores (Macuane,2006).

Concordando com o pensamento do autor acima, Sitoe (2006) em seu estudo sobre a trajectória histórica da modernização do Estado moçambicanoafirma que o sector público tem sido afectado pela ausência de formações, resultantes dos orçamentais limitados, facto que impacta negativamente na qualidade dos serviços públicos.

Neste sentido, olhando para a realidade que o país vive, podemos afirmar que os problemas que afectam a administração pública na componente de recursos humanos, são os fracos mecanismos de recrutamento e selecção, que na sua maior parte são fraudulentos e caracterizados por muita corrupção. Estes processos culminam com a escolha de candidatos sem qualificações profissionais, muito menos habilidades. Além disso, a administração pública é desafiada a encontrar mecanismos de retenção do pessoal qualificado, de modo a eliminar o abandono destes, visto que existe uma forte competição por parte das organizações privadas.

Nessa ordem de ideia, os funcionários do Estado em todos os níveis da administração, lhes falta o conhecimento de informática, assim, este facto constitui um desafio. A nossa posição explica-se pelo fundamento de que, estamos vivendo uma era de transformações com o surgimento das TICs, e estas transformações estão impactando nas formas de prestação de serviços públicos. Portanto, numa era em que vigora o modelo da NPM, o conhecimento da informática constitui um elemento chave para boa execução das actividades públicas, dai que, com a informática o Estado tem a possibilidade de aproximar os serviços aos cidadãos, e fortificar a relação Estado-utente através da comunicação online.

No que concerne a forma de prestação de serviços públicos, o estudo realizado por Utresp (2009) demonstrou que os funcionários e agentes do Estado, não se preocupam com a qualidade na prestação de serviços, assim sendo, um dos desafios nesta componente, refere-se ao alcance de condições (melhoramento) que lhes permita eliminar as formas tradicionais de atendimento, possibilitando deste modo, a diminuição das longas filas de espera nas instituições públicas.

De forma geral, a literatura sobre administração pública ao nível nacional e internacional, revela alto grau de coincidência nos desafios dos recursos humanos, portanto:

Os recursos humanos na administração pública, impõem-lhes dentre vários desafios, a eliminação do excessivo grau de padronização das práticas medíocres, para tal feito, o Estado deve eliminar o excesso de estabilidade no emprego, se quiser ter pessoas comprometidas com o trabalho, para além de juntar esforços de modo a criar mecanismos para elevar a capacidade de produção de competências e de perfis directivos (Longo,2007, p.132).

Um dos problemas com que o sector público moçambicano convive actualmente, é o excesso nível de absentismo laboral por parte dos funcionários. Nesse contexto, muitos são os problemas criados pelo absentismo, quer em termos internos, quer para os utentes, mais grave ainda são os custos económicos que o Estado ficado obrigado a arcar com pagamento de salários de funcionários que não produzem na sua totalidade.

Em síntese a administração pública moçambicana enfrenta vários problemas na componente de recursos humanos: Dificuldades em recrutar e manter bons funcionários, fracos mecanismos de gestão de funcionários públicos e ausências de formações contínuas.

Muitos destes problemas-desafios aqui expostos, caracterizam as instituições públicas da maioria dos países, especialmente os menos desenvolvidos como Moçambique. Contudo, com estes problemas verifica-se que maior parte das instituições públicas moçambicanas não apresentam condições (em termos de recursos humanos) para implementar com sucesso a NGP, isso porque a NGP é um modelo que se alicerça nas pessoas, isto é, funciona por meio de pessoas e elas constituem um dos pré-requisitos para o seu sucesso, aliás, a prática nos ensina que as pessoas são o recurso mais valioso que as organizações possuem.

4. As Implicações da Formação Contínua de Rh na NGP em Moçambique

Nos tópicos anteriores foram relatadas as principais transformações que Moçambique passou desde a independência aos tempos actuais, relacionados a componente recursos humanos. Das abordagens discutidas, destacou-se a estratégia global da reforma do sector público, que em termos teóricos mudou os paradigmas da administração pública, alterando os fundamentos da gestão burocrática pela nova gestão pública. Assim, foi constatado que ao nível da função pública há graves problemas que tornam difícil a implementação definitiva desde modelo.

De acordo com Notiço (2018) a mudança de paradigma burocrático para a nova gestão pública envolve uma mudança nas coordenadas básicas de projecto das organizações do sector público, que devem se tornar menos distintas do sector privado. Assim sendo, a NGP defende a flexibilidade, qualidade, eficiência e eficácia das instituições do Estado.

Com base no que tem sido discutido ao nível das académias, e no que foi exposto nos tópicos anteriores deste artigo, ao nível do sector público as propostas da NGP não são visíveis, por causa dos vários problemas ligados aos recursos humanos, com particular destaque para a ausência de quadros qualificados, que saibam ser, estar e sobretudo fazer.

Nestes termos, o grande dilema com que o Estado se separa actualmente, é o facto de que muitos funcionários e agentes do Estado aderem aos centros, institutos e programas de formação, mas estes se interessam pelos graus e títulos académicos, visando a mudança de carreira e aumento salarial. Muitos destes, terminam os seus estudos através de mecanismos fraudulentos, sem aquisição de nenhum conhecimento prático.

É nessa perspectiva, que neste tópico nos propomos a analisar as implicações da formação continua de Rh em Moçambique, não no sentido de aquisição de graus académicos para mudança salarial ( não que não seja importante), mas sim no sentido de aquisição de competências, normas, conceitos e atitudes que originam um desempenho melhorado em contexto profissional (Levieque, 2007), As formações que devem ser promovidas no sector público são aquelas que tal como argumenta Chiavenato (1997) se destinam a alterar o comportamento dos empregados na direcção do alcance dos objectivos organizacionais, através da melhoria das habilidades e capacidades exigidas para o  cargo.

Assim, diante dos desafios impostos a administração pública pela NGP, exige-se funcionários não apenas com níveis académicos, mas com conhecimentos práticos, capazes de formular ideias e aplicar mudanças no sector público. É nesta abordagem que se mostram relevantes as formações contínuas.

As formações contínuas consistem na repetição da aprendizagem quando a qualidade do desempenho diminui ou quando se torna necessário que o colaborador mude de função ou tenha de aprender novas tarefas. É o ensino constante, repetitivo de competências voltada à criação de novos quadros que promovam a competitividade e qualidade na administração pública, num mundo em constante mudanças (Nhamoneque, 2018).

A principal finalidade das formações no sector público deve ser adquirir conhecimentos e aperfeiçoar as competências profissionais permitindo uma melhoria de desempenho das funções exercidas. A experiência prática em instituições públicas, demonstra que o principal objectivo que leva os funcionários a se formar são os salários, sendo as habilidades e competências questões secundárias. O exemplo claro desta posição, nota-se se repararmos pelos mecanismos como os funcionários e agentes do Estado se formam actualmente, por meio de instituições de ensino denominados a “distância”, em que a qualidade de ensino destas instituições é duvidosa.

Para Andifoi (2010) no sector público moçambicano, existem ainda muitas lacunas de formação de recursos humanos, e ainda dentro da função pública, registam-se algumas inconsistências no que se reporta à elaboração de políticas de formação e sua respectiva maturação. Nesse sentido, a necessidade de formar continuamente os funcionários é pertinente, caso se pretenda serviços de qualidade, principio defendido pela NGP, aliás:

A adesão de Moçambique a um conjunto de organismos internacionais, a par da sua necessidade de uma maior integração, e o novo modelo de gestão pública, exigem uma Administração mais moderna, desburocratizada e actuante. Portanto é neste contexto que as organizações públicas deveriam passar a entender a formação, não como um instrumento de uso susceptível de gerar resultados no curto prazo, mas antes como uma componente de desenvolvimento de uma cultura de aprendizagem que permita reflectir estrategicamente a inovação organizacional, incentivando os funcionários a partilharem as suas experiências, a sugerirem melhorias, e a criarem espaços comuns de dialogo para resolução e análise crítica dos problemas (p.6).

Nhamoneque (2018) explica que a actual política de formação de recursos humanos na administração pública moçambicana, procura promover a eficácia e eficiência na gestão pública, passando do processo de formação através dos programas de formação. Entretanto, a formação que o Estado preconiza só será possível se os funcionários durante as formações desenvolverem conhecimentos, capacidades, competências técnicas e profissionais para o bom desempenho das suas funções. 

Em termos gerais, o sucesso dos fundamentos da NGP exigem funcionários habilidosos, assim sendo, os impactos que a formação contínua de Rh proporcionará na NGP em Moçambique podem ser descritos em concordância com o que foi preconizado no artigo 3 do decreto nº 55/2009, isto é, as formações contínuas de recursos humanos na função pública, irão ajudar os funcionários públicos a actualizar as suas capacidades, aumentando as possibilidades de:

  • Excelência e melhoria contínua dos serviços prestados aos cidadãos;
  • Melhorar o desempenho individual, o que impactará na qualidade dos serviços prestados pela administração;
  • Elevar o comprometimento e o desenvolvimento das competências dos funcionários e agentes do Estado.

A formação contínua no sector público, tem um papel preponderante nos dias actuais, principalmente no contexto da NGP. A NGP como um modelo dinâmico de gestão, vai exigir uma administração pública proactiva em termos de recursos humanos, sendo, portanto, importante ter funcionários em constante capacitação.

Awortwi (2006) explica que a formação dos funcionários públicos deve ser direcionada de maneira contínua em áreas que permitam o desenvolvimento de habilidades de reflexão e gestão da mudança, planos estratégicos de desempenho anual e desenvolvimento de capacidades. A NGP exige transformação e uma certa mentalidade, por isso, as pessoas envolvidas na transformação do sector público devem ser formadas continuamente.

O autor acima referenciado argumenta ainda que a NGP em Moçambique, veio para ficar, apesar das críticas e desafios que enfrenta. Por isso, ao nível do sector público precisam ser revistos os processos de formação tradicional, que objectivavam ascendência na carreira e títulos profissionais. O foco agora deve centrar-se na produção de servidores públicos com capacidades de trazer mudanças nas instituições.

O estudo realizado por Omar (2006) constatou que num ambiente de mudanças e desafios institucionais, onde reinam as TICS, leva à necessidade de uma aprendizagem contínua. Segundo este autor, o princípio da continuidade nos processos de formação, estabelece que a mesma, deve proporcionar a elevação da capacitação específica e o desenvolvimento de habilidades e atitudes, é um processo permanente e sem terminalidade definida.

Nesse sentido, podemos aqui afirmar que a formação contínua de Rh permite o aperfeiçoamento permanente e a renovação de competências, o que leva a promoção das capacidades e melhoramento do desempenho profissional. Assim sendo, olhando para os fundamentos e princípios propostos pela NGP, as formações contínuas na administração pública se mostram importantes pelo facto de que permitem criar condições psicológicas e técnicas, para que os funcionários consigam resolver diversas situações, por vezes em ambientes e circunstâncias complexas e sensíveis, nem sempre esperadas, que exigem respostas adequadas.

A profissionalização no sector público será possível apenas se o governo apostar nas formações contínuas, estas irão garantir o aperfeiçoamento e reciclagem dos quadros da administração pública. Contudo, estas formações devem ser especificas e voltadas para questões e matérias relevantes da função pública.

Deste modo, com base nas abordagens expostas ao longo deste tópico, podemos perceber que a formação contínua joga um papel importante no contexto da NGP em Moçambique, ela possibilita a capacitação institucional da administração pública, na medida que arrasta a necessidade de mudanças estruturais, e serve não somente como instrumento, mas também como indutor do processo da reforma do sector público (Omar, 2006),

5. O Papel do Estado no Processo de Formação de Rh 

A administração pública de um país constitui um dos factores importantes para a governação democrática, por isso, precisa de profissionais qualificados para garantir o sucesso das transformações que a NGP impõe na esfera económica, social e política. Assim, o novo modelo de gestão requer funcionários com capacidade de gerir expediente e operar de forma efectiva e eficiente as tecnologias de informação e comunicação.

Nesse contexto, Nogueira (2011) entende que a formação no Estado dever ter a finalidade sobretudo de beneficiar a população com serviços públicos de qualidade, deste modo, é dever dos servidores públicos aperfeiçoar continuamente as suas habilidades/competências.

Assim, o Estado representado pelo governo, na qualidade de empregador tem um papel importante na formação dos recursos humanos, na medida em que deve diagnosticar as necessidades de formação nas instituições públicas. Ao longo deste processo, o governo deve ter a capacidade tal como explica Lucas (2003) de perceber as necessidades formativas dos funcionários, a nível de conhecimentos profissionais.

De acordo com o autor acima citado, o Estado no processo formativo, cabe-lhe a função de criar critérios para avaliação da qualidade e da adequação dos recursos humanos nos seus lugares de serviço, por isso:

Para que as formações promovidas pela administração pública tenham sucesso, o Estado deve estabelecer critérios de verificação dos resultados das formações. Para tal feito, é necessário rever os mecanismos actuais de avaliação de desempenho na função pública, porque o resultado que estas apresentam não espelham a realidade das instituições, porque maior parte da classificação proveniente destas avaliações é atribuída mediante disposição do chefe, e simpatia que ele nutre pelo funcionário(pp.18-20).

Portanto, no processo de formação dos funcionários o Estado deve ser ao mesmo tempo facilitador, concedendo bolsas de estudo, promovendo seminários, palestras e troca de experiência com outros agentes económicos (empresas privadas), mas também fiscalizador no processo de formação dos funcionários e agentes públicos, de modo a garantir que estas capacitações alcancem os resultados desejados.

A NGP necessita de funcionários modernos, que dominam questões práticas, nesse sentido, o governo não deve criar restrições orçamentais desnecessárias quando se trata de formações que visem capacitar os seus quadros, ademais, para além desta componente o estado deve investir em infraestruturas modernas, porque não importa apenas formar os funcionários para responder as exigências da NGP, é necessário também que os instrumentos de trabalho se adequem as exigências actuais.

Conclusão 

Este artigo teve como finalidade compreender o papel da formação contínua de Rh no contexto da nova gestão pública em Moçambique. Primeiramente o artigo buscou debater sobre os aspectos históricos dos recursos humanos e das reformas administrativas no país, de seguida procurou responder em vários tópicos as principais questões levantadas na introdução.

Tendo em conta as análises feitas neste artigo, constatou-se que a anuência de funcionários públicos qualificados é uma realidade no contexto moçambicano, e este problema já vem sendo enfrentando desde a independência nacional. Com a reforma do sector público e adopção da NPM estes problemas têm sido mais visíveis. 

Deste modo, no contexto actual de mudança de paradigma burocrático para a NGP, a administração pública moçambicana se encontra despreparada para responder os desafios impostos pelo novo modelo de gestão. Assim, um dos principais problemas com que a administração se depara é a falta de recursos humanos capazes de implementar as mudanças exigidas pela NGP.  Muitos funcionários no sector público moçambicano apresentam lacunas formativas graves, e os que já possuem formação, apenas possuem títulos académicos, que lhes permitiu aumentar o salário e ascender na carreira, mas em termos técnicos não possuem nenhuma habilidade. 

Verificamos igualmente neste estudo, que as formações contínuas no sector público seriam/é o único meio de profissionalizar os funcionários e agentes do Estado, de modo a habilita-los, prepara-los e aperfeiçoa-los para que possam responder os desafios que a NGP impõe. Desta forma, o Estado na qualidade de empregador deve assumir dois principais papeis neste processo, por um lado criar mecanismos eficazes de diagnosticar as necessidades de formação, por outro lado fiscalizar o processo de formação dos funcionários públicos, de modo a garantir o sucesso destas formações.

Nesse sentido, respondendo a nossa questão de partida: até que ponto a formação contínua de Rh ajuda na implementação dos fundamentos da nova gestão publica em Moçambique? e com base na revisão bibliográfica e documental realizada, podemos concluir que em Moçambique as formações contínuas ajudariam em grande medida na implementação dos fundamentos da nova gestão pública.

Nestes moldes, devido a relevância do tema, recomenda-se que mais estudos sejam realizados ao nível das académias, voltados a análise do contributo das formações contínuas de recursos humanos em Moçambique, tendo em conta as dinâmicas e as transformações que decorrem na administração pública, com maior ênfase na NGP.

Referências Bibliográficas 

  • Leis Administrativas 

Decreto n°55/2009 de 12 de Outubro- Cria o Sistema de Gestão de Desempenho na Administração Pública, abreviadamente designado por SIGEDAP e aprova o respectivo regulamento.

  • Livros e Manuais 

Andifoi, I (2010). Formação profissional contínua como uma perspectiva estratégica para o desenvolvimento da melhoria do desempenho na função pública Moçambicana. Rio de Janeiro

Awortwi, N (2006). Criando Novas Competências para Administradores e Gestores numa Era de Reformas do Sector Público In Perspetivas Africanas sobre a Nova Gestão Publica: Implicações para a formação de Recursos Humanos; Awortwi & Sitoe (ogrs).

Baloi, J & Nhacule, A (2022). Implicações Práticas, Teóricas e Éticas da Estratégia Global para a Reforma do Sector Público na Governação em Moçambique. Assuntos Internacionais e Públicos

Chiavenato, I (1997). Princípios de Administração. São Paulo. Editora Elsevier

Cosme, A (2016). Papel da formação na melhoria de desempenho profissional dos recursos humanos da Administração Pública: o caso do Ministério para a Coordenação da Acção Ambiental, 2011-2014. Maputo. Universidade Eduardo Mondlane

Forquilha, S (2013). Não Basta Introduzir Reformas para se ter Melhores Serviços Públicos: Subsídios para uma análise de resultados das reformas no subsector de água rural em Moçambique. In: Desafios para Moçambique. Maputo: IESE

Levieque, A (2007). Gerir Recursos Humanos é gerir Mudança. Maputo.Ndjira

Longo, F (2007). Mérito e Flexibilidade. A Gestão das Pessoas no Sector Público. São Paulo. Fundap

Lucas, M (2003). Influência da Formação para o Desempenho Organizacional: Caso do Ministério da Administração Estatal. Maputo. Universidade Eduardo Mondlane

Macuane, J (2006). Gestão da Reforma do Sector Público: Política, Capacitação Institucional e Nova Gestão Pública em Moçambique, 2001-05 In Perspetivas Africanas sobre a Nova Gestão Publica: Implicações para a formação de Recursos Humanos; Awortwi & Sitoe (ogrs).

Monteiro, R et al (2014). As reformas da administração pública no Brasil: do patrimonialismo à nova gestão pública. Revista Onis e Ciência.

Nhamoneque, T (2018). Análise da formação contínua como mecanismo para a melhoria do desempenho dos recursos humanos na Administração Pública: o caso da Direcção dos Serviços de Documentação da UEM, 2011-2016. Maputo. Universidade Eduardo Mondlane

Nogueira, M (2011). Um Estado para a Sociedade Civil: Temas éticos e políticos da gestão democrática. (3ª ed). São Paulo: Cortez

Notiço, A (2018). O Plano Estratégico Como um Instrumento para a Mudança Institucional: Uma contribuição para a implementação do Plano Estratégico da Universidade Eduardo Mondlane 2018-2028. Maputo. Universidade Eduardo Mondlane

Omar, M (2006). Os Desafios Formativos na Administração Pública Moçambicana. Universidade de Aveiro  

Simione, A (2015). Dinâmicas do contexto político e administrativo na construção a administração pública em Moçambique. Revista Foco

Simione, A (2019). Gestão Estratégica de Recursos Humanos: já se pode falar dela na Administração Pública em Moçambique?. Revista Foco

Sitoe, E (2006). Trajectória Histórica da Modernização do Estado Através do Desenvolvimento de Recursos Humanos em Moçambique in Perspetivas Africanas sobre a Nova Gestão Publica: Implicações para a formação de Recursos Humanos.; Awortwi & Sitoe (ogrs).

Utresp (2009). Pesquisa de avaliação de satisfação de serviços públicos. Maputo, GSC Research.