As tradicionais enchentes em nossa região, não são acontecimentos recentes da natureza. Há mais de cem anos, uma das primeiras pessoas a se preocupar com as cheias do Rio Itabapoana foi o Padre Mello, que aqui viveu por mais de meio século, vindo a falecer em 13/08/1947. Provavelmente, suas preocupações surgiram a partir de 1906, quando ocorreu a maior enchente, tendo inclusive derrubado a única ponte, de madeira, que existia na época, conforme relata o escritor e historiador Pedro Teixeira.
A causa primeira das enchentes, sem dúvida alguma, são as chuvas intensas e prolongadas em toda a região da Bacia Hidrográfica do Rio Itabapoana. Entretanto, a intervenção humana e acidentes topográficos locais , agravam ainda mais os efeitos danosos das inundações.
Os desmatamentos, em toda a Bacia ao longo de muitos anos, deram origem às grandes áreas de pastagens. Estas áreas vêm se tornando, no decorrer do tempo, cada vez mais compactadas pelo pisoteio constante do gado, reduzindo a infiltração da água no solo e gerando, por conseguinte, um maior escoamento das águas de chuvas sobre a superfície do solo (enxurradas). Paralelamente, o crescimento das áreas urbanas, modernizadas pelo calçamento e asfaltamento de ruas e avenidas, em todos os municípios , cria também grandes áreas impermeabilizadas que favorecem o escoamento rápido das águas de chuvas para as calhas do Rio Itabapoana e seus afluentes. Por conseguinte, as chuvas intensas, aliadas às enxurradas no meio rural e a drenagem rápida das águas pluviais no meio urbano, dão origem ao que chamamos de pique de cheia instantâneo e, como produto final, as enchentes, que tão bem conhecemos.
Desafortunadamente, existem ainda cinco acidentes hidrogeográficos locais, que certamente são os principais agentes causadores das enchentes, talvez até muito mais importantes do que estes que acabamos de mencionar.
1º) em nossa região o Rio Itabapoana possui duas declividades diferentes . De um certo ponto para cima, onde estão situadas as atuais usinas hidrelétricas, a declividade é muito alta, originando velocidade rápida de escoamento da água naquele trecho;
2º) Bom Jesus do Norte situa-se em uma planície aluvial, de baixa declividade dos terrenos e, isto leva a uma pequena declividade do rio e velocidade lenta de escoamento da água , ao contrario do que ocorre no trecho anterior;
3º) nestas áreas de planície aluvial é comum a ocorrência de meandros (sinuosidades) nos rios. Aqui temos dois meandros, é como se fosse uma ferradura, com Bom Jesus do Norte situado dentro dela e Bom Jesus do Itabapoana em toda a sua periferia, principalmente em um destes meandros;
4º) a cem metros, acima da ponte nova, existe um afloramento rochoso que vai de um lado ao outro do Itabapoana funcionando como uma verdadeira barragem natural, estabilizando o nível do rio sempre numa mesma altura, qualquer que seja a época do ano;
5º)as barrancas do rio em Bom Jesus do Itabapoana situam-se em cotas um pouco superiores às que se verificam do lado de Bom Jesus do Norte.
Imaginemos agora um cenário em que temos uma onda de cheia que se origina nas cabeceiras do Rio Itabapoana. Nas proximidades de Calheiros, esta onda de cheia atinge uma velocidade muito grande e, aqui chegando, encontra uma massa de água praticamente parada, devido à baixa velocidade de escoamento. As presenças dos meandros e do maciço rochoso, retardam ainda mais a velocidade da água e, assim, o nível do rio sobe rapidamente,ultrapassa sua calha, alagando completamente as áreas ribeirinhas. O problema se agrava ainda mais pela diferença de cotas. As barrancas do rio sendo mais altas do lado de Bom Jesus do Itabapoana, forçam as águas a se espraiarem para o lado de Bom Jesus do Norte. A maior severidade das enchentes no final do Bairro Beira Linha, explica-se pela presença do segundo meandro e também pela proximidade do maciço rochoso.
Vamos analisar a enchente que ocorreu em 1906. Naquela época, com toda a certeza, a Bacia Hidrográfica do Rio Itabapoana ainda tinha uma vegetação quase intacta, o que nos leva a afirmar que havia pouco escoamento superficial(enxurradas), as ruas das vilas existentes não eram pavimentadas, sendo lenta a drenagem das águas pluviais. São situações que não contribuíam para um aumento instantâneo do pique de cheia. Isto reforça ainda mais a nossa tese de que os acidentes hidrogeográficos, que já existiam naquela época, foram e continuarão sendo os principais agentes causadores das enchentes.
Estes estudos conclusivos a que chegamos, tiveram como suporte técnico imagens de satélite do Programa Google Earth e, observações de campo.
Resta-nos tão somente criar alternativas para a nossa convivência com as futuras enchentes. A instalação de um sistema de alerta contra enchente é necessária e urgente para a transmissão de informações em tempo real a todas as unidades da Defesa Civil . Trata-se de um sistema de monitoramento com informações permanentes sobre o índice de chuvas e o nível do rio. Assim, a população de um modo geral, poderia, de antemão, se programar para uma possível enchente. Uma medida a ser providenciada pela prefeitura, seria a aquisição de barcos motorizados para socorrer pessoas que estivessem precisando de atendimentos urgentes. Enfim, são algumas idéias, mas é preciso uma mobilização maior da sociedade bom-jesuense para discutir seriamente este problema de nossa região e, poder contribuir para uma melhor qualidade de vida de nossos descendentes.