A longa construção geográfica de Guaratiba remonta a 1579, ano em que Manuel Veloso recebeu da Coroa Portuguesa uma gleba de aproximadamente 52 Km² para fixar residência. Falamos da antiga sesmaria de Guaratiba, criada 14 anos após a fundação da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro. Seus domínios atuais coincidem com os limites estabelecidos por meio do decreto 3158 de 1881 – documento que instituiu a R. A. de Guaratiba – sendo esta composta por três bairros oficiais (Guaratiba, Barra de Guaratiba e Pedra de Guaratiba). Além dos três bairros citados acima, no interior de Guaratiba (o mais extenso bairro da cidade), há um outro bairro eleito por seus moradores, o qual a prefeitura não reconhece como tal, cujos limites são fluidos e existencialmente demarcados: Ilha de Guaratiba. As “Guaratibas”, portanto, são representadas por uma região ampla no bojo do território carioca.

Guaratiba é um lugar que pode ser utilizado como exemplo para traduzir o processo de expansão da nossa cidade. A porção periférica da zona oeste do Rio de Janeiro passa, 2 atualmente, por uma verdadeira marcha urbanizadora, uma vez que sua pretérita configuração rural-agrícola vem sendo substituída pela hodierna tendência urbanoresidencial. A crescente especulação imobiliária em voga na localidade teve seu início na década de 1970, intensificando-se nos últimos anos da década de 1990. Este processo tem metamorfoseado Guaratiba em um dos veios do espraiamento da urbe carioca nos últimos anos. O evento em questão tem estimulado uma considerável mobilidade em direção ao lugar. O local bucólico, visitado esporadicamente por proprietários de residências secundárias – tradicional produtor agrícola – passa por um constante processo de valorização fundiária/imobiliária e por um aumento considerável em sua população residente. A localidade em tela há anos é apresentada como o mais provável alvo sobre o qual incidirá o volátil capital especulativo imobiliário. Muitos especialistas apontam que a cidade do Rio de Janeiro crescerá em direção à Guaratiba. 

Na atual corrida para o oeste, a aludida marcha urbanizadora continua incorporando novas áreas ao seu valorizado espaço. Nesse sentido, com vistas às Olimpíadas de 2016, o Túnel da Grota Funda, inaugurado em 2012, que faz parte do corredor Transoeste, integra Guaratiba, definitivamente, à malha urbana carioca. O topônimo “Guaratiba” derivou-se do grande número de aves pernaltas que povoavam o local – os guarás. Como o vocábulo “tiba”, em tupi-guarani, significa fartura, Guaratiba, etimologicamente, quer dizer “abundância de guarás”. Nestes termos, o topônimo Guaratiba surge a partir vocábulos indígenas. 

Domínios, limites, fronteiras e obstáculos são questões frequentemente focalizadas nos estudos geográficos. Como já foi falado nesse texto, os limites de Guaratiba dizem respeito a diferentes espaços e/ou lugares. Estes, por sua vez, possuem características que se assemelham – principalmente aquelas relacionadas à sua história em comum, ao que eu denomino ‘Guaratiba original’ – e singularidades que diferenciam as ‘distintas Guaratibas’ que foram se consolidando no transcurso de suas respectivas histórias e geografias. Assim, não é apropriado falar de Guaratiba como se a mesma representasse uma unidade homogênea. Na verdade, coexistem “Guaratibas” dissemelhantes: Guaratiba, Barra de Guaratiba, Pedra de Guaratiba e Ilha de Guaratiba. 

Nesse diapasão, quando são abordadas questões relacionadas à valorização imobiliária e a marcha urbanizadora, Ilha de Guaratiba é o foco de análise. Da mesma forma, quando é salientada a relação de Burle Marx sobre o local, além de Ilha de Guaratiba (o maior produtor de plantas ornamentais do estado), podemos incluir Barra de Guaratiba – localidade onde está o Sítio Roberto Burle Marx e lugar onde o paisagista morou por décadas. O mesmo pode-se dizer em relação aos demais bairros guaratibanos: Guaratiba – o mais extenso bairro da municipalidade – embora seja marcado pelo adensamento populacional, ainda possui grandes propriedades agrárias como a Fazenda Mato Alto. Pedra de Guaratiba, por sua vez, é um bairro fortemente influenciado pela Baía de Sepetiba, que deveria se chamar Baía de Guaratiba, uma vez que se forma pela junção entre a Restinga da Marambaia (que começa a se formar em Barra de Guaratiba) e as terras de Pedra de Guaratiba, bairro cercado pelas águas da aludida baía. 

O que une esses bairros? O que os diferencia? Quais são as características que distinguem as diferentes localidades guaratibanas? Quais são os símbolos e/ou as geografias simbólicas destes espaços e/ou lugares no entendimento de seus moradores? Estas e outras questões são pertinentes e podem ser respondidas por aquele que se interessam por este importante domínio carioca em futuros desdobramento. Vimos que os registros de Guaratiba remontam a 1579, ano de inauguração da sesmaria do mesmo nome. Seus domínios atuais coincidem com os limites estabelecidos por meio do decreto 3158 de 1881 – documento que instituiu a R. A. de Guaratiba – sendo esta composta por três bairros oficiais (Guaratiba, Barra de Guaratiba e Pedra de Guaratiba). Além dos três bairros citados acima, no interior de Guaratiba (o mais extenso bairro da cidade), há um outro bairro eleito por seus moradores, o qual a prefeitura não reconhece como tal, cujos limites são fluidos e existencialmente demarcados: Ilha de Guaratiba. Neste diapasão, podemos dizer que os domínios de Guaratiba não dizem respeito apenas aos limites impostos por decretos. Na verdade, no transcurso de sua história e geografia, 6 guaratibanos de longa tradição têm forjado por meio de sua intensa relação com o lugar uma geografia memorável, baseada em domínios de bem-querência. 

Sendo assim, podemos dizer que há bem querência dos pescadores de Pedra de Guaratiba em sua relação diária com a baia de Guaratiba/Sepetiba. Neste contexto, artefatos centenários como o mercado do peixe e a sede da colônia de pescadores são alçados à condição de lugar ou lar, uma vez que são vivenciados por trabalhadores que deles dependem em sua lida cotidiana. Há, igualmente, bem querência dos moradores tradicionais de Ilha de Guaratiba em seu trato com a terra. A grande produção agrícola de outrora fez de Guaratiba uma das mais prósperas freguesias do Rio antigo nos séculos XVIII e XIX. A aptidão agrícola do lugar prevaleceu até a década de 1980, quando a produção de alimentos começou a decair. O fim desta atividade, no entanto, não freou o ímpeto dos tradicionais agricultores que, sob influência de Roberto Burle Marx, substituíram as roças de outrora pelos hortos hodiernos. Assim, por meio do amor dos guaratibanos à terra, Ilha de Guaratiba migrou da agricultura tradicional para a atividade paisagística, tornando-se um dos jardins do Rio. 7 Guaratiba, assim como outros points da cidade, extrapola seus limites por meio de uma geografia pulsante trançada por seus moradores, tendo um alcance extraordinário, sobretudo quando se lembra que atrai indivíduos de diferentes lugares. Este afluxo de pessoas é provisório (atrelado às visitas a monumentos, ao sítio Roberto Burle Marx, aos restaurantes, aos hortos...) e permanente, ligado à migração de população residente de outros perímetros para os domínios de Guaratiba, o último lugar da fronteira da urbe carioca. 

No ano em que completa seu 442º aniversário (05/03/2021), Guaratiba segue sua marcha urbanizadora, sem - no entanto - perder seus encantos. Marcio Luis Fernandes (professor de geografia)