O EMPIRISMO NA GEOGRAFIA FÍSICA: 

Proposta metodológica para interpretar a Natureza

 

Alyson Bueno Francisco

Resumo

Este artigo apresenta as contribuições da filosofia de Francis Bacon para a construção de uma proposta metodológica na Geografia Física, considerando a necessidade da busca pela experiência de campo e criatividade na aplicação dos experimentos pelos geógrafos. A filosofia de Hume contribui no empirismo devido questionamento dos hábitos criados pelos pesquisadores e a importância de buscar dados empíricos. Como apoio ao método empírico na Geografia Física, são apresentadas as considerações sobre os fenômenos, no espaço e no tempo, a partir da filosofia de Kant. Os procedimentos experimentais utilizados em Geografia Física, apoiados na proposta de sucessivas visitas a campo, são elencados nas pesquisas sobre as perdas de solo na Geomorfologia Experimental, monitoramento de fenômenos atmosféricos na Climatologia Urbana e pesquisas sobre os solos. O artigo também apresenta a importância do lugar e da paisagem nas análises das culturas tradicionais que vivem em simbiose com a natureza. A partir dos ídolos propostos por Francis Bacon, são apresentadas críticas a alguns conceitos mencionados no discurso pelos geógrafos físicos (ídolo do foro). Neste sentido, busca-se fundamentar uma proposta metodológica para a Geografia Física através das concepções filosóficas de Francis Bacon para interpretar os fenômenos da natureza.

Palavras-chave: Francis Bacon; método; experimento; fenômenos.

 

Abstract

This article presents the philosophy of Francis Bacon's contributions to the construction of a methodological approach in physical geography, whereas the search for field experience and creativity in the application of experiments by geographers. The philosophy of Hume contributes in empiricism because questioning the habits created by researchers and the importance of seeking empirical data. As support for the empirical method in physical geography, the considerations are presented, phenomena in space and time, from the philosophy of Kant. The experimental procedures used in physical geography, based on proposal for successive visits to the field, are listed in the research on soil losses in Experimental Geomorphology, monitoring atmospheric phenomena in Urban Climatology and research about the soils. The article also presents the importance of place and landscape in the analysis of traditional cultures that live in symbiosis with nature. From of idols proposed by Francis Bacon, the reviews are presented some of the concepts mentioned in the speech by physical Geographers (idol of the venue). In this sense, substantiate a methodological proposal for physical geography through the philosophical conceptions of Francis Bacon to interpret the phenomena of nature.

Key-words: Francis Bacon; method; experiment; phenomena.

 

Resumen

Este artículo presenta la filosofía de las contribuciones de Francis Bacon a la construcción de un enfoque metodológico en geografía física, mientras que la búsqueda de experiencia y creatividad en la aplicación de experimentos por geógrafos. La filosofía de Hume contribuye en empirismo porque cuestionar los hábitos creados por los investigadores y la importancia de la búsqueda de datos empíricos. Como apoyo para el método empírico en geografía física, las consideraciones se presentan fenómenos en espacio y tiempo, de la filosofía de Kant. Los procedimientos experimentales utilizados en geografía física, sobre la base propuesta para las sucesivas visitas al campo, figuran en la investigación sobre las pérdidas de suelo en Geomorfología Experimental, control de fenómenos atmosféricos en Climatología Urbana e investigación sobre los suelos. El artículo también presenta la importancia del lugar y el paisaje en el análisis de las culturas tradicionales que viven en simbiosis con la naturaleza. De los ídolos propuestos por Francis Bacon, los comentarios se presentan algunos de los conceptos mencionados en el discurso por geógrafos físicos (ídolo del lugar del evento). En este sentido, fundamentar una propuesta metodológica para la geografía física a través de los conceptos filosóficos de Francis Bacon para interpretar los fenómenos de la naturaleza.

Palablas-clave: Francis Bacon; método; experimentos; fenómenos.

 

Introdução

 

A natureza foi interpretada de diferentes maneiras ao longo da História. Esta interpretação da natureza foi influenciada pelos contextos culturais e foi representada pelos povos em suas mitologias e filosofias.

Os povos antigos que dependiam das cheias dos grandes rios do Oriente Médio e África, para a fertilidade dos solos e desenvolvimento da agricultura, como os egípcios, possuíam admiração pela natureza, considerando-se parte dela, sendo que representavam suas figuras mitológicas com traços de animais e os astros. Esta situação modificou-se com os gregos, atenienses principalmente, que apresentavam uma mitologia com figuras humanas (antropomorfismo), considerando a espécie humana superior à natureza (LOPES, 2010).

Os romanos adaptaram a mitologia grega à glória imperial e através da política administrativa implantaram a filosofia moral fundamentada nas concepções gregas de superioridade da espécie humana sobre a natureza. Esta filosofia moral é criticada por Francis Bacon (1561-1626), cuja filosofia moral grega foi propagada das ambições do Império Romano (BACON, 1979). Apesar da tecnologia militar e racional, os romanos foram vencidos pelos povos germânicos e nórdicos possuidores de artefatos artesanais.

Na Idade Média, Roger Bacon (1214-1292) fez uma descrição de todas as regiões conhecidas na época, a partir do conhecimento cartográfico e astronômico, sendo um filósofo marcado pelos experimentos de campo e desenvolvimento da ótica e da geometria espacial (BACON, 1900). O conhecimento filosófico medieval sobreviveu às ideologias (fogueiras) dos racionalistas modernos, cujas obras foram guardadas pelos religiosos.

 No período renascentista, a natureza foi analisada a partir de observações e metodologias indutivas (experiências), consolidadas pelas invenções da bússola e do telescópio, cuja evidência dos fatos garantia novas descobertas úteis à sobrevivência humana. Neste período, foi estabelecido o conceito de natureza naturante para considerar a dinâmica da natureza, cuja dinâmica possui seus próprios fenômenos, independentes da ação humana (BACON, 1979).

Os povos modernos e contemporâneos desenvolveram tecnologia para garantirem seu desenvolvimento e sua sobrevivência diante da dinâmica da natureza. Os Países Baixos tornaram-se especialistas em Hidrologia para construírem diques e impedir o avanço das águas do Mar do Norte sob seu território e adaptaram sua agricultura às terras disponíveis.

 Apesar das condições de degradação pelas atividades sociais e econômicas, a natureza não pode ser dominada, sendo que a tecnologia (engenhos) é produzida para garantir a sobrevivência humana diante das condições naturais adversas enfrentadas por nossa espécie. Logo, a tecnologia contribui também como experimentos utilizados pelos cientistas na interpretação dos fenômenos naturais e favorecer a compreensão da dinâmica da natureza.

 

O método empírico e a ciência experimental de Francis Bacon

O método experimental de Francis Bacon para a interpretação da natureza consiste no caminho adequado e seguro para a produção do conhecimento científico. Este caminho é realizado a partir da experiência de fatos particulares e com os resultados na prática pode se constatar a verdade e a interpretação dos “segredos” da natureza. No entender de Bacon (1979, p. 21): “donde ser necessário o recurso aos fatos particulares e às próprias ordens e séries, como depois vamos enunciar, quando se expuser o método e o modo de constituição das noções e dos axiomas”.

A proposta filosófica de Francis Bacon recebeu críticas de outras correntes filosóficas que resumiram sua filosofia natural como um meio de dominação da natureza através de técnicas. No entanto, Bacon (1979, p. 07) considera que: “ciência e poder do homem coincidem, uma vez que, sendo a causa ignorada, frustra-se o efeito. Pois a natureza não se vence, se não quando se lhe obedece”.

Para Bacon (1979), os axiomas precisam ser provados através da experiência empírica, cujo cientista deve evitar demonstrações através do silogismo. O silogismo estabelecido pela dialética mantém os raciocínios num círculo vicioso e estagna a ciência. As demonstrações pautadas apenas em silogismo mantém a ciência em potência, e não garantem de fato, o progresso científico. Bacon (1979) considera:

 

E as que nos ensina a dialética não fazem muito mais que subordinar a natureza ao pensamento humano e o pensamento humano às palavras. As demonstrações, na verdade, são como que filosofias e ciências em potência, porque, conforme sejam estabelecidas mal ou corretamente instituídas, assim também serão as filosofias e as especulações (BACON, 1979, p. 29).

 

A partir da busca dos fatos particulares, através do trabalho de campo no caso da Geografia, Bacon (1979, p. 56) propõe a escala metodológica: “muito se poderá esperar das ciências quando, sem interrupção, ou falhas, se souber caminhar dos fatos particulares aos axiomas menores, destes aos médios, os quais se elevam acima dos outros, e finalmente aos mais gerais”.

Neste sentido, a Geografia Física, a partir da consistência dos dados empíricos, pode apresentar os conceitos, e posteriormente, as teorias, evitando as generalizações dos fatores e os modelos dedutivos e gerais que não contribuem na prática científica.

Logo, o rigor metodológico proposto por Francis Bacon torna a Geografia Física mais reconhecida diante das demais ciências, pois a prática de campo associada aos dados empíricos garante a reconhecimento das diversidades na realidade investigada.

 

A filosofia de Hume: o rompimento com os hábitos teóricos

A realidade empírica nos leva ao rompimento com as concepções estabelecidas por ideias teóricas se as mesmas forem questionadas com os dados empíricos. David Hume (1711-1776) fundamenta suas concepções filosóficas no empirismo ao considerar que as ideias podem ficar restritas às causalidades ocorridas no passado e constatadas pelos teóricos e o cientista pode correr o risco de se apegar aos hábitos e influenciar nas análises empíricas.

No entender de Hume (1995, p. 89): “quando a causa está presente, a mente, pelo hábito, passa imediatamente à concepção e crença por efeito costumeiro”. Logo, a causalidade influencia nossa mente quando visitamos o campo e pode nos levar aos juízos dependentes das ideias costumeiras pelo hábito.

Este apego ao hábito pode nos levar à construir modelos preditivos para o futuro a partir de dados empíricos coletados no passado, sendo necessário evitá-lo. Para Hume (1995, p. 71) ”não é, pois, a razão que conduz a vida, mas o hábito. Apenas ele determina a mente, em todas as circunstâncias, a supor que o futuro é conforme o passado”.

Neste sentido, as previsões meteorológicas podem ser questionadas e possuem suas probabilidades, e torna-se necessário a coleta de dados empíricos para analisarmos nas condições presentes na natureza e fundamentar nossas análises.

 

A filosofia de Kant: os fenômenos naturais no espaço e no tempo

O contato com a realidade empírica nos apresenta fenômenos e nossa percepção é influenciada pela sensibilidade. Immanuel Kant (1724-1804) fez a síntese entre o conhecimento puro (a priori) e o conhecimento empírico (a posteriori).

Kant considera que: “todos os nossos conhecimentos começam com a experiência” (KANT, 2005, p. 03), mas estes conhecimentos sintéticos gerados a partir da experiência necessitam fundar-se num juízo analítico do conhecimento a priori, pois é necessária a razão pura para sintetizar as concepções adquiridas pela intuição empírica. Kant (2005) afirma a respeito de intuição empírica e fenômeno:

 

Chama-se empírica toda intuição que relaciona ao objeto, por meio da sensação. O objeto indeterminado de uma intuição empírica, denomina-se fenômeno. No fenômeno chamo matéria àquilo que corresponde à sensação; aquilo que qual o que ele tem de diverso pode ser ordenado em determinadas relações, denomino ‘forma do fenômeno’ (KANT, 2005, p. 23).

 

Para apresentarmos a síntese dos fenômenos nas análises geográficas são necessários os conceitos a priori para fundamentar nossa ciência. Diante disso, Kant (2005) considera a importância da realidade empírica e da estética transcendental do espaço:

 

Afirmamos, pois, a realidade empírica do espaço em relação a toda experiência externa possível; mas reconhecemos também a idealidade transcendente do mesmo, quer dizer, a sua não existência, desde o momento em que abandonamos as condições de possibilidade de toda experiência e cremos seja ele algo que serve de fundamento às coisas em si (KANT, 2005, p. 31).

 

A representação do espaço geográfico ocorre pela Geometria que, segundo Kant (2005, p. 28) “determina sinteticamente, e, portanto, ‘a priori’, as propriedades do espaço”. Neste sentido, a Cartografia garante nossas representações do espaço através da Geometria necessária ao conhecimento geográfico.  Através das informações empíricas, produzimos nossos documentos cartográficos, para preencher o “vazio” do espaço.

O desenvolvimento das Geotecnologias recentes irá contribuir na redução das generalizações dos documentos cartográficos e numa proximidade maior com os dados empíricos representados.

O tempo é considerado um conceito a priori por Kant, mas ele ressalva: “todas as coisas, como fenômenos (objetos da intuição sensível), existem no tempo” (KANT, 2005, p. 37). Assim como o espaço, “o tempo é um pensamento vazio (nada)” (idem, p. 36).

Diante destas considerações, o tempo é um conceito a priori necessário para a Geografia Física, possuindo simultaneidade e sucessão. No entender de Kant (2005): “os diferentes tempos não são simultâneos, mas sucessivos (enquanto que espaços diferentes não são sucessivos, mas sim simultâneos)” (idem, p. 33). Nesta análise metodológica, considera-se que o tempo é ininterrupto e a intensidade dos fenômenos naturais precisa ser considerada nos estudos em Geografia Física, representados pelos ritmos de dinâmica da natureza.

 

Os procedimentos experimentais na Geografia Física: a criatividade no campo

 

Diante das condições heterogêneas e do acesso ao empírico (campo), o geógrafo precisa buscar a criatividade e a diversidade na aplicação dos experimentos. Bacon (1979) considera que o cientista precisa ser um artesão capaz de produzir experimentos frutíferos, ou seja, instrumentos que se adaptem às condições empíricas e provoque um repensar das ideias e a reformulação dos próprios experimentos.

O monitoramento de perdas de solo e erosão marginal de canais fluviais são exemplos de metodologias aplicadas na Geomorfologia Experimental. Guerra (2005) apresenta experimentos utilizados no monitoramento de boçorocas através do método das estacas, o método dos pinos utilizado no monitoramento temporal da erosão laminar, parcelas de monitoramento do escoamento superficial (runoff) e bandejas de salpicamento de mensuração dos impactos das gotas de água das precipitações. Rocha e Souza Filho (2008) apresentam o monitoramento de erosão marginal em canais fluviais de afluentes do Alto Rio Paraná, através de pinos e estacas, considerando as condições de ausência ou presença de vegetação e a predominância textural de solos das margens dos canais fluviais.

A respeito do monitoramento dos fenômenos atmosféricos, a Climatologia Urbana apresenta avanços na obtenção de dados meteorológicos e suas relações com a espacialidade das edificações e densidades nas cidades. As pesquisas espaciais dos fenômenos atmosféricos nas cidades são conciliadas com informações de sensoriamento remoto pela diferenciação das superfícies urbanas (AMORIM; SANT’ANNA NETO; DUBREIL, 2009).

A Pedologia apresenta pesquisas detalhadas no mapeamento e nas descrições de solos, sendo uma área cada vez mais presente nas pesquisas geográficas. Carvalho (1997) apresenta um mapeamento na escala 1:50.000 dos solos da bacia hidrográfica do Rio Santo Anastácio-SP numa época quando os documentos cartográficos eram produzidos manualmente e exigiam a criatividade e o empenho dos pesquisadores no campo e no gabinete. Castro et al. (2003) apresenta um estudo de micromorfologia de solos a partir da descrição metodológica detalhada os experimentos realizados para análises da porosidade e relações com as estruturas de agregação das partículas dos solos.

 

Lugar e Paisagem: a sobrevivência das tradições e o retrato no presente

A natureza, sendo habitada por comunidades tradicionais, faz parte do lugar natural de vivência, cujas comunidades dependem da natureza para garantirem sua sobrevivência e a relação com a natureza é retratada em suas culturas tradicionais. O Brasil possui, em seu território, inúmeras comunidades caiçaras, indígenas, quilombolas, ribeirinhas e sertanejas que precisam ser investigadas empiricamente pelos geógrafos, cuja relação de “simbiose” destas comunidades com a natureza está presente no lugar como um “espaço vivido” (SANTOS, 2002).

A paisagem possui uma incontestável importância nas pesquisas em Geografia Física, pois representa as condições empíricas que são constatadas pelo cientista.

Ab’Sáber (2003, p. 09) afirma que: “a paisagem é sempre uma herança [...] herança de processos fisiológicos e biológicos, e patrimônio coletivo dos povos que historicamente as herdaram [...] caráter de heranças de processos de atuação antiga, remodelados e modificados por processos de atuação recente”.

Apesar da importância para o conhecimento geográfico destas heranças que representam o passado, o retrato das experiências no tempo presente da paisagem nos leva a pensar no que ocorreu no passado, mas não podemos nos restringir às conclusões obtidas no passado por outros autores. No entender de Kolak e Martin (2004, p. 10): “para saber coisas diretamente, tem que saber com base nas suas experiências do presente”.

A análise da paisagem não pode se restringir apenas na identificação dos erros cometidos pela ação humana no passado, pois torna-se necessária a apresentação de propostas mitigadoras para amenizar os problemas ambientais na prática.

 

Críticas aos forismos na Geografia Física

Ao propor a filosofia dos ídolos, cujo cientista precisa evita-los, Bacon (1979), sistematizador da Ciência Moderna, considera que os ídolos do foro são consequência do discurso dos cientistas através de explicações por vícios de linguagem: “os homens se associam graças ao discurso, e as palavras são cunhadas pelo vulgo. E as palavras, impostas de maneira imprópria e inepta, bloqueiam espantosamente o intelecto" (BACON, 1979, p. 15).

Apresentam-se alguns forismos encontrados nas publicações da Geografia Física:

  1. Adversidades climáticas: expressão difundida principalmente na mídia, para apresentar notícias sobre tornados, tufões e outros fenômenos atmosféricos que são utilizados como exemplos pelos defensores da hipótese do “aquecimento global”. Considera-se que nossa atmosfera sempre apresentou fenômenos dinâmicos e podem provocar espanto em populações que possuem climas diferenciados das regiões onde ocorrem estes fenômenos;
  2. Apropriação do relevo: conceituação apresentada por Casseti (1991) ao considerar as modificações de processos hidrológicos nas vertentes pelas modificações do uso da terra. No entanto, uma vertente é uma morfologia da paisagem que não pode ser “apropriada” porque não pertence a ninguém, e caso for ocupada irregularmente, os movimentos de massa, possuindo suas próprias dinâmicas, destroem as edificações construídas na vertente;
  3. Catástrofe natural: expressão difundida pelos meios midiáticos, semelhante às “adversidades”. No entanto, considera-se que a natureza possui dinâmica própria e fenômenos heterogêneos ao longo da história geológica, cujos eventos ocorridos foram considerados “catastróficos” porque populações ocuparam áreas de risco. A natureza não é “culpada” pela própria dinâmica;
  4. Desequilíbrio natural: a natureza apresenta uma heterogeneidade, cuja dinâmica natural dificilmente atingirá um “equilíbrio natural” na realidade. Neste sentido, ocorreram modificações dos ecossistemas muitas vezes por eventos geológicos e cataclísmicos quando a humanidade não existia, sendo que espécies foram extintas e surgiram outras espécies;
  5. Dominação da natureza: conceito utilizado pelos ideólogos que questionam a proposta de Francis Bacon. Considera-se que a natureza não pode ser dominada, porque a espécie humana depende desta para garantir sua sobrevivência e dominá-la é uma utopia;
  6.  Efeito estufa: expressão utilizada principalmente para fins didáticos para se referir à hipótese de acúmulo de gases (CO2, principalmente) que supostamente impedem a emissão de calor para o espaço sideral. As principais mensurações da concentração de CO2 são realizadas no Estado norte-americano do Havaí, onde estão presentes as erupções vulcânicas que emitem vários gases, incluindo o CO2 (CONTI; FURLAN, 2005). No entender destes autores: “as causas das alterações na circulação atmosférica podem ser encontradas fora do sistema climático, como, por exemplo, nas flutuações do fluxo de energia solar, em decorrência de fenômenos planetários ou de perturbações na órbita da Terra” (idem, p. 79). Na composição atual da atmosfera, o dióxido de carbono representa apenas 0,039%, sendo que o vapor d’água varia entre 1 a 4% da composição e contribui na dinâmica atmosférica (AYOADE, 1986);
  7. Mercadomorfização da natureza: apresentado por Colangelo (1997) ao considerar que o conhecimento científico pode gerar tecnologia para servir aos interesses econômicos. Entretanto, a ciência produz conhecimento para melhorar a vida das pessoas e as indústrias desenvolvem suas próprias tecnologias para transformar os recursos, que se fossem “morfizados” não teriam sido retirados da natureza, pois o produto industrializado deixa de ser natural;
  8. Natureza intocada: a proposta de preservação dos biomas por ecologistas radicais, muitas vezes argumentou a existência de “vazios” demográficos, desconsiderando a realidade de presença de comunidades que sempre viveram nas áreas consideradas “intocadas”. Diegues (1994) aponta o mito moderno de “paraísos naturais intocados”, ao se referir às políticas de criação de parques nacionais que não consideravam as atividades extrativistas das populações tradicionais existentes nas áreas preservadas;
  9. Natureza tecnificada: Suertegaray e Nunes (2001) utilizam o conceito de “técnica” para se referir às transformações ocorridas na natureza pela ação da sociedade. No entanto, a natureza possui suas próprias características e dinâmicas, cujos materiais produzidos pela sociedade são produtos tecnológicos e não podem “tecnificar” a natureza. Quando os produtos tecnológicos são utilizados incorretamente, provocam a degradação da natureza;
  10. Ocupação do solo: o perfil pedológico apresenta profundidades variadas, cujos Latossolos podem ultrapassar 03 m em determinadas regiões. Logo, a retirada da vegetação nativa (matéria orgânica) e mudanças no uso da terra, com a urbanização inclusive, não concretizam a “ocupação” do solo, mas apenas modificam o horizonte superficial do solo;
  11. Reinvenção da natureza: apresentado por Drouin (1991) e possui como principal argumento o desenvolvimento da biotecnologia como possibilidade de “reinventar” a natureza. As modificações genéticas laboratoriais das espécies vegetais contribuem para a adaptação das plantas às condições naturais. As plantas dependem dos nutrientes do solo, de adubação, do controle de pragas e das condições meteorológicas para se desenvolverem, ou seja, as condições ambientais são necessárias para a produção de alimentos e os produtores rurais buscam melhorar a produtividade adequando-se às condições naturais;
  12. Subordinação da natureza: apresentado por Suertegaray (2002) ao argumentar sobre a existência de novos ritmos da natureza e novas tecnologias genéticas. Entretanto, a ciência ainda busca evidenciar as alterações das intensidades dos fenômenos naturais na escala local e o emprego das biotecnologias não garante “subordinar” a natureza, pois depende das próprias condições naturais de desenvolvimento celular dos animais e das plantas.

Logo, os cientistas precisam evitar adotar conceitos novos sem respaldo dos resultados de suas investigações e utilizar uma linguagem mais próxima de suas experiências e vivências.

 

Considerações finais

Na atualidade, a Geografia Física se depara com questões relacionadas à dinâmica da natureza e a produção de conhecimento geográfico precisa buscar, através de dados empíricos, melhor fundamentação de suas pesquisas. A dinâmica da natureza está presente nos fenômenos que percebemos no trabalho de campo e devemos buscar com fidelidade a representação desta realidade no campo, a fim de evitar que nossas ideias e teorias tornem-se ideológicas e comprometam a sociedade.

A intensidade dos fenômenos naturais precisa ser investigada a fundo através de métodos que retratem esta intensidade e contribuam na elaboração de planejamento adequado para a sobrevivência das populações e melhoria da qualidade de vida.

O contexto científico é influenciado pelos dilemas do economismo radical e o ecologismo ingênuo (AB’SÁBER, 2003). Neste contexto, nota-se a necessidade de repensar sobre a restrição das análises econômicas da realidade e do excesso teórico das questões ambientais que não consideram a recuperação das áreas degradadas e a existência de comunidades tradicionais que habitam as áreas preservadas.

Monteiro (2000) considera a importância da ciência geográfica em não manter um paradigma como apresenta Kuhn (1998) e devemos buscar uma revolução permanente, como propõe Feyerabend (1977). Neste sentido, o método é necessário para a ciência geográfica e cada pesquisador opta por sua proposta metodológica.

O empirismo esteve presente na maioria das pesquisas geográficas e este artigo apresenta uma fundamentação filosófica para este método na Geografia Física. Com este método, busca-se auxiliar os geógrafos na elaboração de pesquisas para retratar a realidade no campo e a produção da ciência geográfica.

A Geografia precisa buscar cientificidade em todas as áreas e compartilhar suas experiências com as outras ciências e as engenharias.

 

Referências

 

AB’SÁBER, A. N. Os domínios de natureza no Brasil: potencialidades paisagísticas. São Paulo: Ateliê, 2003.

AMORIM, M. C. C. T.; SANT’ANNA NETO, J. L.; DUBREIL, V. Estrutura térmica identificada por transectos móveis e canal termal do Landsat 7 em cidade tropical. Revista de Geografia Norte Grande, n. 43, p. 65-80, 2009.

AYOADE, J. O. Introdução à Climatologia para os trópicos. São Paulo: DIFEL, 1986, tradução de Maria Juraci Zani dos Santos.

BACON, F. Novum Organum: ou verdadeiras indicações acerca da interpretação da natureza. 2.ed. São Paulo: Abril Cultural, 1979, Tradução de José Aluysio Reis de Andrade.

BACON, R. Opus Majus. Oxford: Williams and Norgate, 1900. Disponível em http://capricorn.bc.edu Acesso em 25 ago. 2017.

CARVALHO, W. A. (coord.) Levantamento semidetalhado dos solos da bacia do Rio Santo Anastácio-SP. Presidente Prudente: Faculdade de Ciências e Tecnologia, Boletim científico n. 02, 1997.

CASSETI, V. Ambiente e apropriação do relevo. São Paulo: Contexto, 1991.

CASTRO, S. S.; COPPER, M.; SANTOS, M. C.; VIDAL-TORRADO, P. Micromorfologia do solo: bases e aplicações. Tópicos em Ciência do Solo, n. 03, p. 107-164, 2003.

COLANGELO, A. C. Metodologia em Geografia Física: ciência, tecnologia e Geomorfologia Experimental. Revista do Departamento de Geografia, São Paulo, n. 11, p. 47-56, 1997.

CONTI, J. B.; FURLAN, S. A. Geoecologia: o clima, os solos e a biota. In: ROSS, J. L. S. (org.) Geografia do Brasil. 5. ed. São Paulo: Edusp, p. 68-208, 2005.

DIEGUES, A. C. S. O mito moderno da natureza intocada. São Paulo: Nupaub, 1994.

DROUIN, J. M. Reinventar a natureza: a ecologia e a sua história. Lisboa: Instituto Piaget, 1991.

FEYERABEND, P. Contra o método. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1977, tradução de Leonidas Hegenberg.

HUME, D. Um tratado da natureza humana. São Paulo: Paraula, 1995, tradução de Rachel Gutierrez e José Sotero Caio.

GUERRA, A. J. T. Experimentos e monitoramentos em erosão de solos. Revista do Departamento de Geografia, São Paulo, n. 16, p. 32-37, 2005.

KANT, I. Crítica da razão pura. São Paulo: Nova Cultural, 1999, Tradução de Valério Rohden.

KOLAK, D.; MARTIN, R. Sabedoria sem respostas: uma breve introdução à Filosofia. Lisboa: Temas e Debates, 2004.

KUHN, T. S. A estrutura das revoluções científicas. 5.ed. São Paulo: Perspectiva, 1998, tradução de Beatriz Viana Boeira.

LOPES, A. O. D. Natureza dos deuses e divindade da natureza: reflexões sobre a recepção antiga e moderna do antropomorfismo divino grego. Kriterion, Belo Horizonte, v. 51, n. 122, p. 377-397, 2010.

MONTEIRO, C. A. F. Geossistemas: a história de uma procura. São Paulo: Contexto, 2000.

ROCHA, P. C.; SOUZA FILHO, E. Erosão marginal e evolução hidrodinâmica no sistema rio-planície fluvial no Alto Paraná-Centro Sul do Brasil. In: NUNES, J. O. R.; ROCHA, P. C. (org.) Geomorfologia: aplicação e metodologias. São Paulo: Expressão Popular, p. 133-154, 2008.

SANTOS, M. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. 5.ed. São Paulo: Edusp, 2002.

SUERTEGARAY, D. M. A. Novos ritmos da natureza. In: ENCONTRO DE GEOGRAFIA DA ASSOCIAÇÃO DOS GEÓGRAFOS BRASILEIROS, Palestra... Santa Cruz do Sul, 2002.

SUERTEGARAY, D. M. A.; NUNES, J. O. R. A natureza da Geografia Física na Geografia. Terra Livre, São Paulo, n. 17, p. 11-24, 2001.