Rosimeire Santos[*]

Uma teoria é uma caixa de ferramentas. Nada a ver com o significante... É preciso que sirva. É preciso que funcione.

Gillis Deleuze

 

O presente projeto, intitulado "Investigação sobre o fazer e o pensar o ensino através das TICs (Tecnologias da Informação e Comunicação), é fruto de minhas inquietações pessoais com a permanente pesquisa da prática de ensino de História". Considerando-me uma educadora-pesquisadora da difícil, complexa e sempre aberta arte de ser partícipe do processo de ensino-aprendizagem, nos últimos cinco anos, fui instigada por problemas e desafios pedagógicos que emergiram no exercício cotidiano da sala de aula. Percebi que o ensino de História há anos está marcado por uma série de condicionamentos e mitos, sendo na minha avaliação, o pior deles, o rótulo de uma disciplina decoreba, que trata de coisas de um passado distante, cheia de conteúdos complicados, organizados numa estrutura positivista e apresentados quase que exclusivamente num enfoque político-econômico, o que vem produzindo como "efeito-pedagógico-colateral" mais comum, o desinteresse dos alunos e a convicção destes que essa disciplina é um amontoado de informações chatas e sem conexão com a realidade em que vivem.

Procurando encontrar novas estratégias pedagógicas que modificassem esse quadro em que está enredada a disciplina (já que individualmente não posso mudar a configuração da escola tradicional, mas "nas quatro paredes da sala de aula" posso transformar a minha prática de ensino), compreendi que pequenas mais valiosíssimas alterações na abordagem de conteúdos (diálogo aberto com outras concepções historiográficas, a Nova História, o Marxismo a História Cultural) e a adoção efetiva de estratégias e recursos pedagógicos que não são nenhuma novidade, mas fogem da cartilha tradicional (dinâmicas individuais e grupais que valorizam o aluno como produtor de conhecimento, utilização de recursos técnicos audiovisuais como mapas, músicas, filmes e aulas produzidas em Power Point, jogos educativos, aulas de campo e em laboratório de informática etc.) além de ampliarem os canais de aprendizado por excitarem múltiplos meios de percepção e atenção, tornavam as aulas mais interessantes, dinâmicas e próximas da linguagem e cotidiano dos alunos.

Ao longo da minha investigação pude observar que um dos maiores problemas enfrentados pelo profissional de ensino de História, principalmente quando o trabalho é desenvolvido no ensino fundamental, reside na dificuldade de materialização dos conceitos, fatos e acontecimentos tratados pela disciplina. Compreendendo a História como um tipo de conhecimento quer requer ao seu processo de aprendizado um alto grau de abstração e imaginação, e tendo a criança um desenvolvimento cognitivo muito ligado ao concreto, ao vivido, ao mesmo tempo em que, possui uma imaginação e criatividade muito fértil, encontrei nesse aparente paradoxo o insight do instrumento metodológico que procurava e que fosse capaz de fazer a grande deusa História descer do Olimpo e materializar-se no mundo dos mortais: a utilização das TICs como metodologia de ensino da disciplina, o que passei a chamar de "práxis-técnico-imagética". Tenho consciência que não estou propondo nenhuma novidade e tão pouco quero assumir a maternidade do procedimento. Tenho a clareza que o caminho metodológico que aqui vai ser exposto é apenas mais uma voz que se soma ao coro dos muitos pesquisadores e educadores que estão convencidos que a escola contemporânea, não pode ficar indiferente e se furtar a, pelo menos examinar as possibilidades de uso da imagem e das novas tecnologias digitais no espaço pedagógico, enquanto instrumento especial de mediação do conhecimento. O que sugiro não é a mera adequação do ensino de História aos novos tempos de linguagem virtual, nem tampouco a celebração da linguagem audiovisual como superior à escrita tradicional, mas uma compreensão que essa linguagem tão importante quanto outras, constitui na "Sociedade da Imagem" uma ferramenta indispensável da comunicação humana, de leitura do mundo, da conquista e construção de uma sociedade mais democrática e cidadã.

JUSTIFICATIVA

Uma civilização democrática só se salvará se fizer da linguagem da imagem uma provocação à reflexão, e não um convite à hipnose.

Humberto Eco

Vivemos na era da imagem. Essa é uma constatação quase óbvia no atual modelo de produção capitalista. Por todos os lados que se ande nos grandes centros urbanos do mundo globalizado, somos a todos os momentos bombardeados por uma avalanche de informações visuais: outdoors, displays, transdoors, bancas de revistas, panfletos, anúncios televisivos e virtuais, painéis eletrônicos que atordoam nossa percepção e poluem visualmente nossas cabeças e cidades.Qualquer que seja o tema, há sempre o apelo emocional de uma imagem cuidadosamente concebida e leiautada para despertar nosso potencial interesse comprador ou convencimento ideológico. E não podemos ignorar que esse "big-bem imagético" já está presente no cotidiano de nossas escolas. Mas como a escola vem se posicionando e utilizando esse recurso da comunicação cada vez mais hegemônico no mundo atual? As escolas e os professores de um modo geral estão convencidos que precisam investir nas possibilidades do uso do computador no espaço pedagógico. Estão os professores familiarizados e preparados para o uso consciente e crítico das chamadas novas tecnologias? Parece-me que as questões de uso imagético-tecnológicas deveriam ser objeto de maior atenção e reflexão por parte das escolas. A intimidade com o mundo cibernético é tão premente na sociedade contemporânea que chegamos a cunhar uma expressão de analogia ao processo de aprendizado virtual com o da leitura e escrita, o que denota a importância que o domínio dessa linguagem possui de inserção ou exclusão no mundo do trabalho, estudos, negócios e lazer contemporâneos: "analfabeto digital". Mesmo diante de toda pressão da sociedade-imagético-tecnológica a maioria das escolas e professores ainda se encontram sem uma definição clara de um uso consciente, eficaz e crítico dos novos meios tecnológicos e audiovisuais.

O presente trabalho partiu da idéia de que é possível aos professores e em particular ao professor de História, um conhecimento mais aprofundado sobre o universo de uso dos meios de comunicação contemporâneos, através da adoção uma pedagogia imagético-tecnológica investigativa, continuamente auto-reflexiva, na perspectiva de construção de uma prática docente atualizada, seminal e frutífera, que se proponha refletir e acompanhar as possibilidades e efeitos que o desenvolvimento tecnológico pode engendrar na relação ensino-aprendizagem numa sociedade que caminha cada vez mais a se tornar virtual.

OBJETIVOS

Sem a curiosidade que me move, que me inquieta, que me insere na busca, não aprendo nem ensino. A educação necessita tanto de formação técnica e científica como de sonhos e utopias.

Paulo Freire

Gerais

  • Aproximar a escola da vida da criança repletas de informações audiovisuais dos meios de comunicação contemporâneos.
  • Levar os alunos a decodificar e entender o funcionamento dos meios de comunicação de massa a partir da compreensão das intenções e artifícios psicológicos que se faz ao receptor através de uma análise critica de leitura das imagens.
  • Ampliar a eficiência das possibilidades de ensino-aprendizado atraindo e mantendo o interesse dos alunos com a linguagem audiovisual.
  • Acompanhar a familiarização e desenvolvimento de uso das novas tecnologias, com vista a corrigir distorções comportamentais que o uso indiscriminado desses recursos vem causando as novas gerações, tais como: absorção acrítica dos conteúdos comerciais e ideológicos veiculados, individualismo exacerbado, dificuldade de convívio grupal, escapismo da realidade, vícios lingüísticos e ortográficos, cópia de trabalhos escolares na rede sem o mínimo esforço de leitura e produção textual própria.
  • Atender a demanda premente da sociedade virtual e imagética que cada vez mais exige dos indivíduos formação adequada de leitura e manipulação dos novos signos de comunicação.
  • Preparar os educandos desde o ensino fundamental para uma leitura e uso consciente, crítico e responsável dos diversos meios de comunicação audiovisuais disponíveis na sociedade da imagem.
  • Fusão do uso das TICs a proposta filosófico-pedagógica transdiciplinar.

Específicos

  • Estimular nas atividades pedagógicas propostas para os alunos o constante manuseio de produtos audiovisuais: apresentações em power point, produção de vídeos, painéis fotográficos, diário de bordo, blogs, jornal eletrônico etc.
  • Produção de relatórios de observação e acompanhamento dos efeitos produzidos na relação ensino-aprendizagem do uso dos recursos técnico-imagéticos no cotidiano pedagógico.
  • Construir com os alunos um espaço virtual para intercâmbio de informações, acompanhamento dos professores e estímulo à produção própria de conhecimento.
  • Estimular no ambiente virtual o hábito da leitura e da escrita com vista à produção de conhecimento através de trabalhos orientados pelos professores.

METODOLOGIA

Ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo; os homens educam-se entre si, mediados pelo mundo.

Paulo Freire

O exercício docente é um laboratório de pesquisa permanente. Portanto, sem mensurações fixas e determinadas. Toda escolha de um caminho metodológico requer um tempo de atenção e observação de seus efeitos e resultados. No que concerne à utilização das TICs, estamos desbravando um novo mundo imagético-virtual já hegemônico no mundo globalizado, mas ainda estranho à escola, aos conhecimentos técnicos dos professores e a utilização destes como ferramenta pedagógica. É consenso que a escola competitiva e atualizada não pode fugir da utilização desses recursos. Mas qual a dosagem correta dessa utilização? Há essa dosagem? Ela não seria variável as peculiaridades e necessidades de cada disciplina? Sua utilização abriria campo para a adoção de uma perspectiva transdiciplinar? Sua aplicação pode revestir-se de diferentes dinâmicas? Parece-me que questões como essas só poderão ser equacionadas na práxis auto-reflexiva, com todos os riscos de erros e acertos inerentes à pesquisa do processo de ensino-aprendizagem. Propor o desenvolvimento de uma nova experimentação metodológica não se trata de descrever regras fixas, antes de tudo, é uma conjugação das muitas vozes e teorias que debatem a questão, um compartilhamento dos êxitos e erros que vem sendo alcançados no laboratório da própria experiência, e um compromisso de reavaliação e aprimoramento contínuo dos educadores que estão implicados com a responsabilidade da experimentação.

Como a proposta de ensino-aprendizagem fundamentado no uso nas TICs se trata de um campo metodológico em investigação, não podemos ainda delimitar os passos seguros a serem percorridos (se é que em matéria de formação humana se possa mensurar tais procedimentos), no entanto, as reflexões que já algum tempo vem sendo elaboradas por diversos pesquisadores da área nos ajudam a intuir princípios pedagógicos norteadores que permitem corrigir erros e distorções sobre algumas formas de uso já experimentadas.

Clareza das possibilidades e limites dos recursos 

Não podemos esperar que as redes eletrônicas e/ou a utilização dos recursos audiovisuais sejam a "panacéia de todos os males" ou a solução mágica que irá modificar profundamente os problemas já detectados na prática educativa regida pelas concepções e procedimentos tecnicistas, tradicionais, mercadológicos. Estes recursos, desde que bem utilizados podem ser excelentes ferramentas facilitadoras ao processo de ensino-aprendizagem, indispensáveis à formação dos indivíduos numa sociedade que caminha cada vez mais a se tornar hegemonicamente virtual. A análise dessa questão nos permite entender que o uso inteligente do computador e dos recursos audiovisuais não é um atributo inerente aos mesmos, mas está vinculada à maneira de como nós concebemos a tarefa na qual eles serão utilizados.

O papel da escola

Amplia-se cada vez mais o coro de especialistas e educadores que compreendem as novas tecnologias como ferramentas essenciais da comunicação e produção de conhecimentos na sociedade pós-moderna. Neste cenário, cabe a escola que lida diretamente com a formação humana, uma parcela de responsabilidade tanto da compreensão crítica do significado dessas transformações, quanto à criação de sistemas educativos que humanizem os valores de uso impostos pela lógica pragmática, excludente e meramente consumista do mercado. A educação para as novas tecnologias não deve ser confundida e/ou reduzida a uma nova reedição de uma prática de ensino tecnicista destinada somente à formação de mão-de-obra qualificada ao mercado de trabalho, mas compreendida como uma ampliação das possibilidades de ensino-aprendizagem, aplicada a serviço do desenvolvimento humano na sua instância primacial de aprender a aprender, aprender a pensar, aprender a fazer.

O papel do professor 

As tecnologias da comunicação estão se firmando vertiginosamente comoinstrumentos complementares cada vez mais eficazes ao trabalho do professor. A Internet pode ajudá-lo a preparar melhor suas aulas, a ampliar as formas de lecionar, a modificar o processo de avaliação e de comunicação com os alunos e com os seus colegas. Através desse recurso ele pode ter acesso aos últimos artigos publicados, às notícias mais recentes sobre o tema que vai tratar, pode pedir ajuda a outros colegas - conhecidos e desconhecidos - sobre a melhor maneira de trabalhar aquele assunto com os seus estudantes. Mas todas essas inúmeras benesses advindas do mundo virtual só adquirem uma expressão vívida, encarnada e não instrumental-diretivo, quando valorizamos o professor como definidor da qualidade do ensino. A utilização dos recursos tecnológicos não substitui ou minimizam o papel primordial do professor no processo de ensino-aprendizagem, leva-o a uma nova dinâmica de interação. O professor não é mais o "informador" dos conteúdos e o manipulador isolado dos recursos, mas o coordenador do processo pedagógico. Estimula, acompanha a pesquisa, debate os resultados. O papel do professor não é o de somente coletar a informação e retransmiti-la, mas trabalhá-la, escolhê-la, confrontando visões, metodologias e resultados conjuntamente com seus alunos. Nesta dimensão compreensiva, não há espaço para hierarquia ou autoritarismo na relação entre o sersendo-estudante-educador (tradicionalmente reconhecido como professor) e o sersendo-estudante-educando (tradicionalmente reconhecido como a-luno), pois ambos são vistos como partícipes co-responsáveis do ato mútuo de educar-se. Chamamos a atenção, que essa mudança radical na compreensão do papel do professor no processo de ensino-aprendizagem é o ponto nevrálgico a qualquer tentativa de aplicação de novas estratégias pedagógicas que realmente estejam implicadas com uma educação mais humana, criativo-criadora de seres autônomos e cidadãos.

Modificação do papel do educando 

Já é lugar comum a epistemologia do educar a compreensão que o aprendizado humano não se resolve por maquinação e repetição. A escola, apesar da "realidade im-posta" testemunhar diversamente, é o espaço onde o estudante deve ser educado não somente para vivenciar a aquisição-acúmulo de conhecimentos, mas também, e principalmente, aprender a arte de aprender ou a arte de autoconhecer-se. Portanto, deve ser preocupação primordial da escola a vivêrncia da arte de aprender tanto quanto se ocupa com o processo de aquisição-assimilação-memorização dos conhecimentos teóricos e técnicos. A pedagogia do aprender a prender ou do autoconhecimento pressupõe uma ruptura radical do papel passivo historicamente construído ao educando: deixar a estática categoria de a-luno para vivenciar seu apelo primacial de serluzente. Nesse intuito, as TICs podem ser importanres aliadas dos professores na construção de situações pedagógicas que estimulem o auto-produção de conhecimento. As novas gerações filhos da era imagético-virtual estão prontas para o uso da tecnologia, já nasceram sob seus signos e representações. Quando podem acessá-la vão longe. Nossos jovens não querem nem deveriam ser levados a aulas de informática apenas para aprender informações básicas dos programas. Normalmente isso eles já sabem, ninguém precisa ensiná-los. Por esse motivo estas aulas acabam se tornando chatas e desprazeroras. Os estudantes querem e deveriam ser instigados a utilizar a tecnologia para criar, re-significar e intercambiar saberes. Os alunos podem fazer suas pesquisas antes da aula, preparar apresentações - individualmente e em grupo. Podem consultar colegas conhecidos ou desconhecidos, da mesma ou de outras escolas, da mesma cidade, país ou de outro país. O professor está percebendo que, aos poucos, a Internet e os recursos audiovisuais estão passando de palavras da moda a realidades em alguns colégios e nas famílias. Cabe a escola e aos professores transformarem as ferramentas atuais de comunicação que em si mesmas já requerem dos sujeitos que a utilizam um comportamento ativo e investigador, em instrumentos apropriados a auto-produção de conhecimento.

Mudança do conceito de espaço-tempo no processo de ensino-aprendizagem 

Um dos aspectos mais surpreendentes do mundo globalizado são as ressignificações dos conceitos de espaço-tempo. O mundo conectado em redes rompeu a concepção moderna que tínhamos do tempo e das distâncias. Hoje, ao mesmo tempo em que escrevo este projeto, posso estar conversando a respeito do Império Romano com um Japonês que literalmente está no amanhã, a meio planeta de distância do meu escritório. Na chamada Aldeia Global, temos a sensação que tudo está acontecendo on line, ou seja, em tempo real. Muitos já chegam a falar em aceleração do tempo. Mas como essa revolução tempo-tecnológica afeta o cotidiano da sala de aula? Dentre as modificações que estamos descobrindo, uma das mais importantes, sem dúvida, é a ruptura do espaço-físico-temporal da sala de aula como foro privilegiado da aprendizagem. O tempo de aprender não está mais restrito aos horários das aulas e aos estudos nos livros e cadernos. Todo o contato audiovisual que a cada momento bombardeia o cotidiano dos alunos (TV, vídeo-game, músicas, filmes, revistas, jornais, internet), pode ser utilizado como fonte de pesquisa, atualização de dados, desenvolvimento da capacidade de leitura crítica da realidade e provocação ao conhecimento. O professor e o seu trabalho pedagógico podem ampliar-se, mesmo quando não está fisicamente presente. Se quiser, pode ser localizado, em qualquer lugar e em qualquer momento para um maior acompanhamento dos trabalhos propostos. As aulas, antes patrimônio exclusivo dos professores, podem agora ser enriquecidas pelas contribuições dos alunos, desde a incorporação dos materiais que estes trazem para serem apresentados, como principalmente, o acolhimento das temáticas que perpassam seu cotidiano, despertam seu interesse e que estes trazem as discussões em sala de aula.

TICs como aporte a uma concepção pedagógica transdisciplinar

Já discutimos em dos pontos anteriores que o uso corriqueiro que as novas gerações fazem das TICs incitam ao desenvolvimento de uma atitude ativa e investigativa frente aos recursos tecnológicos, e que essa postura ativo-investigativa pode e deve ser aproveitada pelas escolas e educadores como um aporte pedagógico dirigido. Em consonância com as muitas vozes que atualmente discutem uma pedagogia que favoreça o desenvolvimento da capacidade de autoconhecimento e autoprodução de conhecimento, podemos destacar a proposta filosófico-pedagógica da Educação Transdiciplinar. Na medida em que toma como fundamentos do processo de ensino-aprendizagem o fazer-aprender a pensar, aprender a ver, aprender a ser-com, aprender a fazer, aprender a ser-sendo, a transdisciplinariedade se apresenta como um caminho de vivência à arte de aprender a aprender.Se definitivamente como afirmava Paulo Freire, "ninguém aprende sozinho", o ato de aprender é, assim, necessariamente dialógico e polifônico, numa geração que cada vez mais se desenvolve conectada em redes como orkuts, mensagers, blogs, salas de bate-papo, a fusão das TICs com os fundamentos filosófico-pedagógicos da transdicinariedade podem constituir-se em efetivos ao desenvolvimento de um projeto educativo que transcenda a utilização mecaniza e acrítica dos novos meios comunicacionais para uma perspectiva pedagógica potencializadora da capacidade de autoconhecimento e autoprodução de conhecimento.

AVALIAÇÃO

Somente o homem pode distanciar-se do objeto para admirá-lo.

Paulo Freire

Gostaria de iniciar a discussão dos métodos de avaliação da nossa proposição refletindo, ou melhor, desdobrando o termo a-valia-ação. Se analisarmos a etimologia da palavra vamos descobrir que o prefixo a significa não e a palavra valiar significa atribuir valor. Nessa visada intuitiva do termo, podemos concluir que avaliar quer dizer não valorar, não julgar a ação. Compreendida a avaliação por esse prisma, temos uma mudança radical do significado que tradicionalmente atribuímos a esse ato, avaliar não é medir ou julgar o grau de aprendizado de um indivíduo ou coletividade, mas uma espécie de "fotograma", uma descrição de um átimo de tempo de um processo contínuo que é a aprendizagem, parte essencial da vida, e parte essencial por natureza. Portanto, podemos descrever, registrar, acompanhar a aprendizagem em suas manifestações, não atribuir-lhe um valor de um ideal pré-estabelecido a ser alcançado. A aprendizagem é um processo intersubjetivo, complexo, em permanente construção, e por sua natureza de complexidade, qualquer julgamento que visa reduzi-lo a uma nota ou conceito significa empobrece-lo. Mudar essa prática implica criar outra cultura para a avaliação, ou melhor, implica criar outra cultura para a aprendizagem. Avaliação e aprendizagem são processos inseparáveis, um não existe sem o outro, mesmo quando não há intencionalidade consciente disso. Nesse jogo, é justamente a intencionalidade que faz a diferença, ou melhor, o grau de consciência da intencionalidade. A aprendizagem é um processo realizado pela pessoa que tem a intencionalidade, ainda que inconsciente de aprender. Tornar consciente a aprendizagem é uma ação prolongada, na qual entra justamente a avaliação pela seleção dos significados, passo que Meirieu chama de "criação do sentido"(1998, p.54). O sujeito que aprende a aprender, avalia as aprendizagens que lhe são significativas, incorporo-as à sua consciência, transforma conhecimentos em pensamentos próprios, e estes em atitudes, cria sentidos conscientes de si e do mundo. Nossa tarefa primordial ao a-valiar é orientar, incentivar, estimular o aprofundamento desse processo. Para executá-la é preciso que o professor mantenha a atitude aprendente, pois, na compreensão dialética e dialógica da aprendizagem, todos os partícipes da ação educativa aprendem enquanto nela estão envolvidos, como dizia Paulo Freire, ninguém educa sozinho, educar é educar-se em comunhão. Poderíamos também, plagiando Freire, afirmar que avaliar também é avaliar-se. E é justamente neste ponto da auto-avaliação que reside o salto qualitativo da aprendizagem consciente de si, capaz de transcender a mera reprodutibilidade da tradição, a criação de sentidos "próprios e apropriados".

Vimos insistindo que o uso bem orientado das TICs pode contribuir para a formação de sujeitos mais autônomos, criativos, auto-produtores de conhecimento.Já dissemos que aprender aprender é o mesmo que autoconhecimento, e autoconhecimento é um processo que só se concretiza quando há uma profunda e sincera disposição a avaliar-se. Mas a auto-avaliação não algo dado ou ensinado nos manuais, é uma vivência que necessita ser construída. Desenvolver uma metodologia de uso das TICs que vise à promoção da autoria dos educandos perpassa pela reflexão e estímulo à prática avaliativa auto-reflexiva, consciência dos seus erros e acertos, não num sentido maquínico e moral de bem e mal, mas uma atitude de reconhecimento que aprendizagem é um processo contínuo, não linear, inerente à vida. A avaliação-auto-avaliação são momentos-instrumentos de registros desse processo.

BIBLIOGRAFIA

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MORAN, José M. Educação, Comunicação e Meios de Comunicação e Os Meios de Comunicação na Escola in Série IDÉIAS S.P.: FDE, no. 9, 1990.

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________________. O verdadeiro objetivo da vida. São Paulo, Cultrix, 1986.

________________. Debates sobre a educação. São Paulo, Cultrix, 1970.

________________. Começo da aprendizagem. São Paulo, Cultrix, 1982.

 

[*] Mestre em Educação pela Université Rennes 2. Licenciada em História pela UCSAL. Membro do Grupo de Pesquisa Epistemologia do Educar e Práticas Pedagógicas do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFBA. Autora deste projeto. E-mail: [email protected]