No dia 15 de março de 2015, centenas de milhares de cidadãs e cidadãos brasileiros foram às ruas do país, assegurados pelas garantias do Estado de Direito que até então tínhamos - ou vínhamos consolidando -, protestar contra o mandato legítimo de uma presidenta reeleita, contra um projeto de país que, paradoxalmente venceu nas urnas em 2014 (sendo contestado, inclusive, dias depois pelo candidato derrotado, Aécio Neves), e contra uma mulher honesta que doou sua vida e história ao país.

Fora Dilma! Fora PT!”, esbravejavam eles, e eles eram milhares. “O Brasil nunca será uma nova Cuba!”, gritavam no apogeu de suas estupidezes e insanidade, como se experiências históricas se transplantassem. Mas, nada disso podiam saber, estavam alienados, no sentido mais preciso do termo, e mais, embebecidos de um ódio mortal, fruto de ressentimentos históricos, típicos de uma classe média brasileira, que julga-se e quer-se burguesa, sem sê-la. Bobinhos!

Vai embora sua vaca, burra”, “sua ladra, burra”, “vocês quebraram o Brasil, você e sua quadrilha petista”, “renuncia Dilma”, “impeachment já nela”. Hoje, sabemos quase todos nós que, estavam eles, os manifestantes, integrando a trama de um golpe cínico e imoral contra a nossa frágil ideia de democracia brasileira, sendo feitos de bobos pelas forças que não percebiam. Alguns, ainda não perceberam, ainda hoje.

Com um olhar crítico, que sempre fora o seu para com os processos históricos brasileiros, a presidenta da República acompanhava pelos noticiários aquela movimentação. Ela sabia do intento daqueles “protestos”, sabia do golpe que contra seu mandato estava sendo articulado, mas, como uma democrata que sempre fora, e sua história atesta isso, reconhecia naquela balbúrdia infundada, e ancorada nos ressentimentos históricos, o seu teor democrático. Aquela parcela do povo tinha o direito de discordar, de dizer, ainda que enganados, como nos lembrava o filósofo da Ilustração, Voltaire. A liberdade de expressão e manifestação faz parte de uma efetiva democracia.

Sua resposta não tardou: “valeu a pena lutar por democracia” disse Dilma! Disse um pouco emocionada, e com a voz meio embargada no dia 16 do mesmo mês, um dia após o grande ato. No que continua: “ontem, quando eu vi centenas e milhares de cidadãos se manifestando, não pude deixar de pensar que valeu a pena lutar pela liberdade, valeu a pena lutar pela democracia. Este país está mais forte que nunca.” Quanto ao valeu a pena lutar, ela estava certa. Quanto ao “este país está mais forte que nunca”, estava completamente enganada, a história próxima lhe provaria isso.  A presidenta acreditava nisso, pois, era a sua própria história que misturava-se ao seu discurso oficial.

Tomava a postura como sempre fez de uma legítima Chefe de Estado, agia com grandeza em meio ao caos e nos ensinava lições profundas sobre democracia. Jamais censurou, jamais perseguiu seus críticos, jamais tratou com desdém o seu próprio povo, o povo que governava desde 2011. Mesmo sendo vítima de uma articulação maligna, golpista, respeitou como poucos, todos os seus adversários que naquele momento eram incontáveis.

Dilma respeitou a Democracia que ela cria existir no Brasil. Submeteu-se a mesma. Aceitou seus “ritos” legais, mas, não legítimos, foi golpeada, traída, apontada, mas manteve-se íntegra até o fim, comportou-se até 31/08/16 como deve-se se portar um/a Chefe de Estado. Dilma, saía honrada de um conluio de bandidos para tornar-se a Senhora da Democracia. “Deixava” a presidência para ocupar a história e as ruas do Brasil, com seu exemplo de mulher, presidenta e Chefe de Governo.

Quatro anos mais tarde, 15 de maio de 2019, as ruas do Brasil estão mais uma vez cheias. Dessa vez, ocupadas por estudantes preocupados com seus incertos futuros, professores/as, pesquisadores/as, trabalhadores/as e tantos outros seres humanos que diziam NÃO ao ataque intencional do governo à educação pública, aos cortes de verbas nas universidades e nos Institutos Federais, à educação básica, ao futuro do Brasil. Diziam não a tão famigerada reforma da previdência! Diziam nas ruas que queriam futuro, logo, educação, pois, não pode haver futuro em um país onde a educação é atacada diariamente por um presidente-menino: o presidente legitimamente eleito em 2018, o inominável.

Distante do Brasil, lá nos EUA, país a quem submete-se com frequência, na cidade de Dallas no estado do Texas, o presidente da República brasileira, ainda que não se comporte como tal, mas o é,  o Bozo toma ciência das manifestações brasileiras. Sua resposta não tarda, assim como a de Dilma Rousseff: eles, referindo-se aos brasileiros em manifestação, “são uns idiotas úteis... maioria ali é militante. Se você perguntar a fórmula da água, não sabe, não sabe nada.” “São uns imbecis.”

Esse foi o comentário do Chefe de Estado da nação brasileira, sua resposta. Seus comentários, reflexos de sua compreensão de Brasil. Essas palavras, poucas e simplórias são representações que compõem seu imaginário datado, como todo o é, que em forma de palavras tornam-se concretas para nós, como nos lembra o historiador da cultura Roger Chartier. Um presidente em exercício, no norte da América, chama seu povo de “idiotas e imbecis!” Refere-se a seus estudantes, futuro da nação brasileira com adjetivos pejorativos, ofensivos. Ora, por que não reconheceu o ato como uma ação democrática, comum nas democracias modernas?

A resposta nos é simples: ele não foi forjado na democracia, dela não compreende e não nutre pela mesma nenhum respeito. É um fruto do autoritarismo brasileiro, suas raízes encontram-se fincadas em nosso passado histórico autoritário, na Ditadura Militar. Esse país apequenado, triste, aparentemente “democrático” é reflexo de seu Chefe de Estado e de seu pessoal que meteu-se a “governar”. Pequenos, desprovidos de senso crítico e desprovidos de compreensões múltiplas e complexas sobre a nossa gente, nossa formação histórica, agem como se habitassem um mundo particular e paralelo, um mundo de ideologias confusas. Passou, como tudo passa. Doeu, feriou o país, mas passou.

Nem Michel Temer, o golpista-mor comportou-se assim de forma leviana, embora, leviano seja. Entre Dilma Rousseff, a Senhora da Democracia e o presidente Bozo- o presidente menino, há um mar abissal de exemplos e posturas opostas. Há um mar abissal de concepções epistemológicas, humanas e éticas. Há um distanciamento que até mesmo o mais simples dos homens e das mulheres consegue perceber, exceto seus seguidores mais fanáticos, lunáticos.

O exemplo de Dilma Rousseff nos (re)lembra o tempo, o breve tempo de nossa História dita Republicana em que o Brasil foi soberano e pretensamente democrático. Seu exemplo nos comunica, nos ensina, nos humaniza. O exemplo e o efeito Bolsonaro nos diz e nos lembra do que há de pior no nosso solo, em nossa “Pátria amada, Brasil”. E sobre os exemplos, a postura, é só comparar. A compreensão vem rápido. A diferença grita! A educação também se dá pelo exemplo.

YAGO FELIPE CAMPELO