A transição histórica das sociedades pré e pós-industriais
Por Marina Regueira Cardoso | 19/06/2023 | HistóriaA transição histórica das sociedades pré e pós-industriais
The historical transition of pre- and post-industrial societies
Marina Regueira Cardoso
Universidade Federal de Pernambuco - UFPE
Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Av. Prof. Moraes Rego, 1235
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Resumo:
É possível perceber que a transição do período histórico pré e pós-industrial traz consigo algumas principais diferenças para a evolução da humanidade, principalmente quando relacionada à sociedade. A interpretação feita por meio do filme “Tempos Modernos” de Charles Chaplin, dá o entendimento de como as relações de trabalho e suas etapas produtivas são estabelecidas a partir da institucionalização das fábricas. Há, na comparação entre o período pré e pós, a diferenciação entre as maneiras de trabalho. No período pré-industrial havia uma maior flexibilidade do trabalhador, o então artesão, para com seu trabalho e sua produção em pequena escala. Já no período de industrialização têm-se a instauração das etapas produtivas como principal método para constituir a função de especificidade de cada trabalhador. Com isso e por isso a diferenciação do trabalho representa, de modo perceptível, as mudanças e adaptações sociais, econômicas e ideológicas presentes nesse período moldadas à sociedade.
Palavras-chave: período histórico, sociedade, industrialização, etapas produtivas, trabalho.
Abstract:
It is possible to perceive that the transition from the pre- and post-industrial historical period brings with it some main differences for the evolution of humanity, especially when related to society. The interpretation made through the film “Modern Times” by Charles Chaplin, gives an understanding of how labor relations and their productive stages are established from the institutionalization of factories. There is, in the comparison between the pre and post period, the differentiation between the ways of working. In the pre-industrial period, there was greater flexibility on the part of the worker, the artisan at the time, with his work and small-scale production. In the industrialization period, the production stages were established as the main method to establish the specificity of each worker. With that and for that reason, the differentiation of work represents, in a perceptible way, the social, economic and ideological changes and adaptations present in that period shaped by society.
Keywords: historical period, society, industrialization, productive stages, work.
Introdução:
As sociedades pré-industriais, conhecidas também como sociedades agrárias, eram mantidas no mundo pré-industrial, entre os séculos XV e XVI, pela prática da utilização e posse da terra como pertencente a seu dono, o cidadão do campo. O trabalho na zona rural era a base da economia da época, além de, primeiramente, ser o meio de subsistência das famílias nesse período, sua fonte principal de trabalho.
O conceito de família dentro dessa sociedade associava-se a como o trabalho era levado internamente nela. Pela grande demanda da mão de obra no cotidiano rural, as famílias eram formadas com base na necessidade de assistência nos afazeres do campo. A realidade desse período levava em consideração uma maior quantidade de filhos por família, pois formava-se assim uma mão de obra familiar, na qual se dispensava os gastos de contratar funcionários por fora para auxiliar nos serviços do campo.
Além dessas funções, o trabalho pré-industrial também era exercido por outra perspectiva. Serviços fornecidos por artesãos carregavam a pequena escala de suas produções para manter outros âmbitos da economia local. Era comum que esses trabalhadores vivessem no mesmo local em que trabalhavam, ou seja, suas casas também eram seus ateliês. Havia, com isso, uma maior flexibilidade em seu trabalho, unindo sua organização pessoal para com a sua produção. O conjunto das ações cotidianas, dentro desse meio trabalhista, eram de um conhecimento detalhado das etapas produtivas, referente a uma menor escala de produção.
A mudança entre a maneira de trabalho nas sociedades pré e pós-industriais se deu pela necessidade de adaptação à progressão evolutiva da própria história humana e traz consigo a implantação de novos sistemas econômicos. Esses novos processos instaurados tendenciam a uma transformação das sociedades como um todo modificando, assim, as relações sociais e seus respectivos âmbitos estruturais da sociedade.
2. Desenvolvimento
2.1 - O que foi a Revolução Industrial?
Com primórdios em meados do século XVIII na Inglaterra, a Revolução Industrial foi, inicialmente, um movimento de necessidade para a transformação do mercado produtivo da época, com mudanças no cotidiano das cidades, na economia local e por meio dos desenvolvimentos tecnológicos. A implantação das fábricas nas cidades inglesas muda o cenário das sociedades pré-industriais (até então conhecido com objetividade de maior proveito das produções em larga escala) junto a uma outra realidade na jornada de trabalho da classe operária. Durante as Revoluções Industriais a base econômica foi modificada, cada uma com sustentação em um tipo de produto específico, concentrando o mercado mundial. Hobsbawm ([1962]) ressalta que:
As revoluções industriais pioneiras ocorreram em uma situação histórica especial, em que o crescimento econômico surge de um acúmulo de decisões de incontáveis empresários e investidores particulares, cada um deles governado pelo primeiro mandamento da época, comprar no mercado mais barato e vender no mais caro.
Em 1750, ano base da 1º Revolução Industrial, a economia girou com ênfase no carvão, na indústria têxtil e na agricultura, ainda no processo de transição da manufatura para a maquinofatura. Cem anos depois, em 1850, a luz da 2° Revolução Industrial levou consigo a industrialização do petróleo, dos transportes e do sistema de comunicação entre os países. Quase um século depois, em 1945, ano final da Segunda Guerra Mundial e pelas consequências geradas por ela, o foco da indústria estava ligado ao mundo nuclear, com ênfase nas áreas da robótica e informática. A quarta e até então última Revolução Industrial envolve a tecnologia como principal foco, sendo a fonte necessária para que as ênfases da 3º revolução aconteçam em modo avançado.
2.2 - Relações sociais antes e depois da Revolução Industrial - Durkheim e a solidariedade (mecânica e orgânica)
Em qualquer tipo de sociedade estabelecida é possível perceber a troca cotidiana de costumes e afazeres entre as pessoas que a compõem, e tanto na sociedade pré quanto na pós-industrial isso não é diferente. A distinção feita das relações sociais entre esses dois períodos se dá por meio de pequenas transformações, ocasionadas pela própria necessidade de progresso histórico e evolutivo delas. Durkheim, pensador e sociólogo francês, elevou os estudos sobre as relações sociais ao estabelecer o termo solidariedade, no qual as crenças e sentimentos são compartilhados entre os indivíduos. A classificação durkheimiana refere-se à solidariedade mecânica, como a sociedade tradicional ou pré-industrial, e a orgânica, referindo-se a sociedade moderna ou pós-industrial.
Nas sociedades agrárias ou tradicionais, o convívio cotidiano dos indivíduos trazia consigo uma possibilidade de manutenção dos costumes, crenças e principais hábitos de tal sociedade, como forma de manter a moralidade dentro dela. As relações internamente estabelecidas mostravam o dia a dia das pessoas, envoltas à troca de informações, com linguagem comunicativa interativa entre elas, na qual estas determinavam uma maior consciência coletiva entre os cidadãos pertencentes às comunidades. A solidariedade mecânica, termo exposto por Durkheim ([1999 p. 50]) é dada como “o conjunto de crenças e dos sentimentos comuns à média dos membros de uma mesma sociedade que forma um sistema determinado e tem vida próprio; podemos chamá-lo de consciência coletiva ou comum”, como o retrato desse cenário vivido tradicionalmente. Segundo ele, esse tipo de solidariedade e suas práticas dá ao conjunto populacional uma não diferenciação entre esses indivíduos pertencentes, no qual todos eles seriam iguais, pois a constante troca de hábitos e a reprodução desses para sua manutenção os tornariam seres iguais. Há, com isso, traços de igualdade presentes nos componentes individuais para com o todo das relações sociais tradicionais.
Já nas sociedades modernas ou pós-industriais, a mudança ocorrida no cotidiano dos indivíduos pela implementação das fábricas é vista pelo abandono das práticas de troca entre eles. A solidariedade orgânica traz consigo uma interdependência dos seres humanos, no qual associa-se uma maior divisão de trabalho, transformando a consciência coletiva presente na sociedade mecânica em uma consciência individual. Pela rotina massante das fábricas e pela necessidade dos trabalhadores estarem dispostos a ela a todo momento, é visto que as relações sociais nesse período são diminuídas pela falta de tempo dos próprios indivíduos. Desse modo, há, segundo Durkheim ([1999, p. 90]) no qual o indivíduo “liga-se diretamente e sem intermediário à consciência particular à consciência coletiva, isto é, o indivíduo à sociedade.” A diferenciação dos indivíduos nas sociedades modernas é necessária para que eles pensem individualmente sobre suas crenças e ações, abandonando (em partes) o ideal do coletivo que ocorria na solidariedade mecânica.
Com isso, percebe-se as diferenças entre as relações sociais e no desenvolvimento das sociedades em períodos históricos, como elas acontecem e como se estabelece a comunicação entre certas comunidades. É necessário que a prática de estudos sobre a sociedade seja aperfeiçoada com base nas transformações dela, no qual é explicitado o comportamento dos pertencentes a ela, seja na conjuntura de consciência individual ou coletiva.
2.3 - Estabelecimento das etapas produtivas e o trabalho no período industrial
As sociedades pré-industriais levavam o trabalho de maneira menos acelerada sobre as peças fabricadas, a técnica era aperfeiçoada com base no desenvolvimento produtivo. O artesão, principal trabalhador do período, levava a fabricação de seus produtos de maneira artesanal, em pequena escala, na qual as circunstâncias de produção eram levadas a partir das encomendas que lhe surgiam. Além da técnica artesanal de sua produção, a comercialização e o lucro dos produtos também eram de importância do artesão, ou seja, era ele quem cuidava de, literalmente, todo processo produtivo, da ideia inicial ao resultado final.
Diferentemente da realidade das sociedades agrárias, as sociedades industriais levavam o trabalho em larga escala, fruto da transição da manufatura para a maquinofatura e sua possibilidade de grande produção, são necessariamente associadas à força do trabalhador para a produção industrial. O então operário estava sujeito a uma jornada de trabalho exaustiva, com carga horária alta entre 12 a 16 horas ao dia, sem auxílio de subsistência, dependente da mínima remuneração para seu sustento, além da falta de equipamentos coerentes para a realização do trabalho com segurança. Ou seja, apesar do progresso trazido junto às indústrias, as condições de trabalho para o proletariado não eram das melhores.
A instituição das fábricas no período industrial trouxe para o cenário da época um desenvolvimento de como o trabalho era levado na sociedade, efetuando-se a mudança junto a implantação das etapas produtivas para o progresso dentro do cotidiano dessas fábricas recém instauradas. O estabelecimento das etapas produtivas trouxe ao trabalhador a demanda do próprio como realizador de uma única função dentro do processo produtivo como um todo, modelo repetitivo das funções trabalhistas até a execução final de um dado produto. Houve, com isso, a desqualificação da classe proletária, reduzindo sua função a um único serviço.
“Tempos Modernos” de Charles Chaplin, filme de 1936, retrata em suas cenas toda essa realidade dos trabalhadores nas fábricas americanas, realidade essa que viria a se tornar igual em todas as fábricas mundiais, no qual o processo de industrialização foi estabelecido pelo progresso mundial para com o mercado econômico. A economia da época girava em torno de todo o processo industrial, com o objetivo das relações econômicas entre os países tornarem-se mais rápidas e ampliadas.
2.4 - Ascensão do capitalismo
Com a implantação das fábricas durante o século XVIII, houve o crescimento da indústria como um todo e o sistema econômico capitalista se consolidou como base econômica da época. A ascensão do capitalismo se deu pelo poder burguês e sua necessidade de comandar as fábricas, gerenciá-las e manter a movimentação da classe trabalhadora para não interferir em sua produção final, sua produção em larga escala. A visão capitalista desenvolvida pelos burgueses visava apenas os lucros obtidos pelo trabalho reproduzido repetitivamente pelo proletariado e a maquinofatura. A divisão do trabalho entre esses dois grupos sociais se mostrou de maneira consolidada em oposição, apesar da necessidade mútua da existência de ambos, na qual o proletariado só surgiu por conta da burguesia e a burguesia só lucrava por conta da classe trabalhadora. É citado por Marx ([2001, p. 24]) que “Cada vez mais, a sociedade inteira divide-se em dois grandes blocos inimigos, em duas grandes classes que se enfrentam diretamente: a burguesia e o proletariado.”
A classe burguesa, apesar de ser menor em quantidade populacional quando comparada ao proletariado, se manteve no poder das fábricas por meio dos financiamentos da própria burguesia e do Estado. A ascensão burguesa trazia consigo a necessidade de explorar as bases econômicas para manter o seu capital garantido, em Marx ([2001, p. 49]) é dito que “o capital é um produto coletivo e só pode ser mobilizado pela atividade comum de inúmeros membros”. Os meios de produção, mecanizados e revolucionários pelo desenvolvimento industrial, eram exercidos cotidianamente pela classe trabalhadora para com sua jornada de trabalho. O aperfeiçoamento dos métodos produtivos, feito em paralelo ao avanço da Revolução Industrial, trouxe ao trabalhador a sua precarização como pertencente e necessário dentro do cotidiano das fábricas, além de extinguir pequenas profissões que existiam antes da implantação da máquina.
O monopólio burguês diante da industrialização do mercado mundial desfez a configuração das classes médias formadas por pequenos artesãos, camponeses e comerciantes. Essas profissões sofreram pela crescente pressão da indústria e diante disso as outras profissões que restaram dentro da economia tornaram-se assalariadas. A grande evolução do capitalismo e a redução do trabalho à necessidade de subsistência se estabeleceu dentre outros fatores no cotidiano da população. É notório até os dias atuais que o estabelecimento do sistema capitalista é de domínio da economia e de como ela gira sob o mundo. A 4° Revolução Industrial, que ainda carrega consigo a base do sistema capitalista, ocorre atualmente e leva a tecnologia como seu principal foco, na qual as pontes entre os sistemas de comunicação são interligados e desenvolvidos.
Considerações finais
É entendido pelo histórico construído e deixado pela Revolução Industrial, desde a primeira até a quarta que ainda ocorre hoje em dia, que tanto a população quanto seu modo de relacionar-se entre os indivíduos e, para além disso, os métodos produtivos foram modificados mundialmente. A transição entre o mundo pré-capitalista e suas sociedades pré-industriais para o mundo pós-capitalista e as sociedades pós-industriais intensificaram as maneiras de ascensão à vida e de como ela era levada pelos cidadãos. A mudança das sociedades se dá pela necessidade de transformação e, principalmente, adaptação ao mesmo tempo em que o mundo evolui. Ou seja, a Revolução Industrial, assim como todos os outros períodos importantes da história, trouxe consigo evoluções de grande importância para o mundo e deixou seus resquícios presentes em épocas seguintes ao seu início.
Referências
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HOBSBAWM, Eric. A Era das Revoluções. 1° edição . ed. Londres: Paz e Terra, [1962]. 221 p. Disponível em: http://lutasocialista.com.br/livros/V%C1RIOS/HOBSBAWM%2C%20E.%20A%20era%20das%20revolu%E7%F5es.pdf. Acesso em: 15 ago. 2022.
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MARX, Karl; ENGELS , Frederich. Manifesto do Partido Comunista. 1° edição . ed. atual. e aum. [S. l.]: L&PM Pocket, [2001]. 132 p. v. Único.
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TEMPOS Modernos. Direção: Charles Chaplin. Produção: Charles Chaplin. Fotografia de Rollie Totheroh e Iran Morgan. [S. l.: s. n.], [1936]. Disponível em: https://youtu.be/fCkFjlR7-JQ. Acesso em: 20 ago. 2022.
DURKHEIM, Émile. Da divisão do trabalho social. [S. l.]: Martis Fontes, [1999]. 482 p