Resumo: Este artigo pretende expor a teoria foucaltiana e sua reflexão metodológica acerca dos processos e das formas de construção e/ou obtenção da verdade e demonstrar a íntima relação existente entre a verdade e o poder, embasado na apresentação feita por Michel Foucault nas suas 05 conferências realizadas na PUC - Rio em 21 a 25 de maio de 1973 e que se converteu na obra: A Verdade e as Formas Jurídicas. O objetivo é discorrer sobre as metodologias utilizadas por Foucault na sua análise dos discursos, na qual ele faz considerações que avançam além da simples análise de um conjunto de regras sintáticas de construções lingüísticas, e resulta no que Foucault chamou de “análise do discurso como jogo estratégico e polêmico” pretende também, problematizar a contribuição de Foucault em suas escritas sobre o passado, nas quais ele não visava explicação, mas sim, demonstrar as invenções e construções que ocorrem dentro de um movimento de reconfiguração de novos planos institucionais e discursivos, e resulta na instalação de novas relações de poder.

PALAVRAS – CHAVE: verdade, Foucault, inquérito.

Abstract: This article intends to expose foucaltiana theory and its methodological reflection on the processes and forms of construction and / or obtain the truth and show the intimate relationship between truth and power, based on the presentation by Michel Foucault in its 05 conference held at PUC - Rio at 21 to 25 May 1973 and which became the book: A Verdade e as Formas Jurídicas. The aim is to discuss the methodologies used by Foucault in his analysis of speech in which he raises questions that move beyond the simple analysis of a set of syntactic rules of linguistic constructions, and results in what Foucault called "discourse analysis as a game strategic and controversial "intends to also discuss the contribution of Foucault in his writings about the past, in which he sought to explain, but to demonstrate the inventions and constructions that occur within a movement of reconfiguration plans for new institutional and discursive, and results in the installation of new power relations.


WORDS - KEY: truth, Foucault, survey.

DESCONSTRUÇÃO DO CONCEITO “ORIGEM”

     Na primeira conferência, Michel Foucault apresenta sua análise sobre a verdade e o conhecimento. O autor entende que não há uma relação necessária entre o conhecimento e as coisas a conhecer, que o conhecimento não faz parte da natureza humana, não é algo que diz respeito à essência humana, Foucault evoca trechos dos textos de Nietzsche para reforçar seu argumento de que o conhecimento é uma invenção, uma construção.

“Em algum ponto perdido deste universo, cujo clarão se estende a inúmeros sistemas solares, houve, uma vez, um astro sobre o qual animais inteligentes inventaram o conhecimento. Foi o instante da maior mentira e da suprema arrogância da história universal.”

(Nietzsche 1873).

     Embasado em Nietzsche no texto Gaia Ciência, falando a respeito da poesia, o autor afirma a invenção da poesia.

“(...) um dia alguém teve a idéia bastante curiosa de utilizar certo número de propriedades rítmicas ou musicais da linguagem para falar, impor suas palavras, e estabelecer através de suas palavras certa relação de poder sobre outros. Desta forma a poesia também foi inventada ou fabricada.” (FOUCAULT, Michel, a verdade e a formas jurídicas, página 15).

     Foucault entende que o conhecimento não tem origem, ele é o resultado do jogo, da luta, do resultado dessas batalhas que o conhecimento se produz.

O PRIMEIRO TESTEMUNHO DA PESQUISA DA VERDADE

GRÉCIA ANTIGA

     Na segunda conferência, Foucault apresenta duas formas ou tipos de regulamento judiciário, de litígio, de contestação ou de disputa presentes na civilização grega.

     A primeira forma, bastante arcaica, é encontrada em Homero. O primeiro testemunho da pesquisa da verdade no procedimento judiciário grego remonta a Ilíada.  É a história da contestação entre Antíloco e Menelau durante os jogos que se realizaram na ocasião da morte de Pátroclo.

     Durante uma corrida de carros, num circuito com ida e volta, havia um contorno sinalizado por um marco, onde os organizadores dos jogos haviam colocado alguém que deveria ser o responsável pela regularidade da corrida, uma espécie de testemunha segundo Homero.

      No desenrolar da corrida os dois primeiros que estão na frente no momento da curva são Antíloco e Menelau. Ocorre uma irregularidade, Antíloco chega primeiro, Menelau Contesta a irregularidade cometida por Antíloco ao Juiz ou Júri. Curiosamente, nesse texto de Homero, não há apelo àquele que viu à famosa testemunha que estava junto ao marco e que deveria atestar o que viu ou o que realmente aconteceu, nenhuma pergunta lhe é feita, diante da contestação entre os adversários Menelau e Antíloco. Esta se desenvolve da seguinte maneira: Menelau lança um desafio:

    Põe tua mão direita na testa do teu cavalo; segura com a mão esquerda teu chicote e jura diante de Zeus que não cometeste irregularidade.

     Antíloco, diante deste desafio que é uma prova, renuncia a prova, renuncia jurar e reconhece desta forma ter cometido irregularidade, temendo a punição que provavelmente receberia de Zeus por ter faltado com a verdade.

     Através do texto de Homero, Foucault demonstra uma maneira singular da produção da verdade, de estabelecer a verdade jurídica, de modo que esta maneira singular não passa pela testemunha, mas por uma espécie de jogo, de prova, de desafio, onde o outro deve aceitar o risco ou renunciá-lo.

     Esta é a velha e arcaica prática da prova da verdade, estabelecida judiciariamente, não por uma constatação, uma testemunha, um inquérito ou uma inquisição, mas por um jogo de provas. A prova é característica da sociedade grega arcaica.

 

QUESTÃO ANTI – ÉDIPO.

 

O inquérito como mecanismo de apuração da verdade.

     Em seguida Michel Foucault utiliza-se da obra de Sófocles, a tragédia Édipo - Rei, para demonstrar de que maneira as relações políticas se estabeleceram em nossa cultura, e instauraram um tipo de relação entre poder e saber, entre poder político e conhecimento.

      Foucault realiza a elaboração de uma pesquisa da verdade através da análise da tragédia, demonstra o funcionamento das práticas judiciárias da época e de que forma o inquérito se estabeleceu na sociedade da Grécia antiga.

   A História de Édipo consiste num problema cuja solução apenas é obtida através de uma busca pela verdade, ou seja, toda a história é um procedimento de pesquisa da verdade que corresponde a procedimentos judiciários adotados na época.

     A profecia dizia o seguinte: O rei de Tebas, Laio, seria morto por seu próprio filho que se casaria com a mãe, Jocasta. O rei de Tebas com medo, ordena a morte de seu primogênito, Édipo. O servo que fora designado para assassinar a criança, na verdade a entrega a um pastor que a leva para Corinto, onde fora adotado por Políbio, rei de Corinto.

      Desde a segunda cena de Édipo, tudo está dito e representado, porém na forma de profecia e se tornará em verdade absoluta quando esta ocorrer em uma dimensão presente, da atualidade, na forma de testemunhos.

      O jogo das metades estará finalmente completo, quando as profecias e as testemunhas se encontram, no desfecho da peça.

     Para Foucault, a peça de Édipo é uma maneira de deslocar a enunciação da verdade de um discurso de ordem profética para um discurso do testemunho.

     É como se a história de Édipo – Rei estivesse fragmentada e os pedaços fossem espalhados em diversas partes. Para a conclusão, é necessário o ajuntamento de cada pedacinho dessa verdade desconstruída para construí-la novamente.

     Essas são as duas formas ou tipos de regulamento judiciário presentes na civilização grega. Segundo Foucault, o direito de testemunhar, foi uma grande conquista da democracia grega, se constituiu em um longo processo nascido e instaurado em Atenas ao longo do século V. Houve na Grécia um tipo de revolução que resultou na elaboração de uma determinada forma de invenção judiciária da verdade.

     Foucault demonstra através da tragédia de Sofócles, a configuração dessa modalidade do uso de inquérito como mecanismo de obtenção ou fabricação da verdade na Grécia antiga.

RENASCIMENTO DO INQUÉRITO – IDADE MÉDIA

 

     Na terceira conferência, Foucault discorre sobre o que ele chamou de segundo nascimento do inquérito, pois de acordo com o autor, a história do nascimento do inquérito, havia sido esquecida, deixada de lado, tendo sido retomada, sob formas diferentes, vários séculos mais tarde, na Idade Média.

     No velho direito germânico, o sistema de inquérito não existia, os litígios entre os indivíduos eram regulamentados pelo jogo da prova. O direito germânico não identificava a justiça e a paz, consistia simplesmente em uma forma de regulamentação e condução de uma guerra entre os indivíduos, e de proporcionar os atos de vingança ou de reparação.

      Uma das características deste mecanismo, não é localizar a verdade, mas estabelecer que o mais forte, sempre tem a razão, uma forma de transpor a guerra simbolicamente. Funciona como um operador de direito e não como operador da verdade.

     Entre os séculos V e X, houve uma série de conflitos entre o antigo Direito Germânico e o Direito Romano. Entretanto o que se vai configurar como direito no sistema feudal é o Direito Germânico. No Direito Feudal, o litígio era regulamentado pelo sistema de prova, quando um indivíduo apresentava uma denúncia contra outro, o litígio entre os dois era resolvido através de provas aceitas por ambas as partes.

     Esse sistema era uma maneira de atestar a força, não apontar uma verdade em si. O sistema de prova judiciária feudal não se trata da pesquisa da verdade, mas de uma espécie de jogo em que ou o indivíduo aceita a prova ou não, perdendo, assim, o processo.

     Para Foucault o inquérito é:

(...) uma forma política, uma forma de gestão, de exercício do poder que, por meio da instituição judiciária, veio a ser uma maneira, na cultura ocidental, de autenticar a verdade, de adquirir coisas que serão consideradas como verdadeiras. O inquérito é uma forma de poder-saber. (FOUCAULT, Michel, a verdade e a formas jurídicas, página 78).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

     De acordo com a teoria Foucaultiana, a verdade não existe fora do poder ou sem o poder, ela é o produto, o resultado do choque de conhecimentos.

     A palavra “poder” sempre foi associada, à noção de soberania estatal, Foucault procura definir a palavra “poder” não no sentido de uma instituição, uma estrutura ou um poder estatal, mas de um lugar estratégico onde se encontram todas as relações de forças entre poder e saber.

     Na percepção de Foucault as relações de poder existem em todos os lugares, a todo o momento, entre um homem e uma mulher, um policial e um bandido, um professor e um aluno, entre aquele que sabe e aquele que não sabe.

     Na sociedade há milhares de relações de poder e relações de forças que se encontram dispersas, implícitas ou explícitas, intrínsecos em cada um de nós, nos pequenos enfrentamentos, numa forma que se caracteriza por ser contínua e incessante.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

FOUCAULT, Michel. A verdade e as formas jurídicas. Rio de Janeiro: Nau editora, 1999.