O “ATRAENTE NEGATIVO”

 

“Existindo como o negativo atraente e ameaçador da família, as mulheres públicas foram descritas com todos os vícios, pecados e excessos que se atribui a uma profissão exercida [...] a prostituta estava associada à sujeira, ao fedor, à doença, ao corpo putrefato. [...] Ameaça para os homens e mau exemplo para as esposas, a prostituta agia por dinheiro. E por dinheiro colocava em perigo as grandes fortunas, a honra das famílias. Enfim, era o inimigo ideal para se atirar pedras.” (DEL PRIORE, 2011, p.88-90).

O Brasil sempre conheceu a figura da prostituta. Desde os tempos em que ainda era uma colônia, mulheres de todas as cores e status prostituíam-se sob os céus dos trópicos, exercendo um oficio que chamava a atenção da população, tanto para o desejo e “consumo” como para ser também o alvo de duros discursos. O leque de mulheres que exerciam a prática da prostituição no Brasil sempre foi bastante diversificado seja nos tempos da Colônia, do Império ou da República.

É visível na história da prostituição do Brasil, que mulheres livres e escravas libertas, mulheres brancas, brasileiras ou estrangeiras (francesas, judias, russas, portuguesas), partilhavam de um ponto em comum: prostituíam-se em solo brasileiro.

Com o passar dos séculos a prostituição espalhou-se por todo o território brasileiro, no século XIX bordeis e prostitutas não eram mais novidades na boca da população, porém, sua prática continuava inaceitável. Desde sempre a prostituta passou a carregar consigo uma serie de representações construídas ao longo da história, uma vez que ela era a própria personificação do imaginário de uma população que havia construído as piores imagens pensáveis a cerca dessas mulheres chamadas de “publicas”.

As prostitutas eram a materialização das representações que separava nitidamente as mulheres “santas” e “castas” das mulheres públicas. Como disse Del Priore elas eram o inimigo ideal para se atirar pedras em uma sociedade hipócrita que zelava pela moral e pelos “bons costumes”.

As prostitutas sempre fizeram parte dos discursos da Igreja, das elites e da população, cada um através de suas práticas discursivas e de suas representações imprimiram as imagens destas mulheres como bem queriam. Elas foram representadas e dizíveis a partir da ótica das elites, daqueles que detinham o poder, ou seja, nunca se auto representaram foram sempre representadas. Daí a importância de atentarmos para o jogo de representações que nos cercam, pois segundo Chartier (1982):

“As lutas de representações tem tanta importância como as lutas econômicas para compreender os mecanismos pelos quais um grupo impõe, ou tenta impor, a sua concepção do mundo social, os valores que são os seus, e o seu domínio” (p.17).

Assim vamos compreendendo como as representações construídas por quem detém, sobretudo o poder discursivo, influenciam na construção de imagens sobre algo ou alguém, nesse caso específico as prostitutas. Sendo assim começamos a perceber que as representações envolvem processos de percepção, classificação, legitimação e exclusão (PESAVENTO, 2012).

Para grande parte da sociedade, sobretudo para as elites e para as Igrejas (tanto Católica como Evangélica) as prostitutas eram vistas como o oposto da sociedade civilizada, elas eram aquelas que quebravam os códigos de comportamentos estabelecidos e que perturbavam a ordem. As prostitutas eram para muitos o atraente negativo, era o desejo imoral, eram as mulheres insaciáveis, representavam justamente o oposto da fabricação da imagem da “santa mãezinha” como disse Del Priore. A prostituta era a metáfora da doença física e moral da sociedade (RAGO, 1987).

 A prostituta era a realização dos desejos implícitos masculinos reprimidos e não praticados com a esposa, que não podia demonstrar sequer excitação ou desejo pelo próprio marido. A prostituta não deixou também de ser sinônimo de realização. Ela era uma figura necessária para a fabricação do ideal de mulher “sã”.

Os bordeis e as prostitutas eram para muitos, sinônimos de prazer e alegria, as prostitutas eram opções de divertimentos dentro de muitas cidades. A noite era o palco por excelência, em que as meretrizes subiam para realizarem suas performances mais audaciosas e proporcionar o prazer associado à perdição tão arraigado no imaginário das cidades.

  A prostituta era por excelência a representação da mulher pública, que frequentava livremente as ruas, as praças, os cafés, os bares, os bordeis e que geralmente faziam dos mesmos seus locais de trabalho. As meretrizes eram o oposto, era o contraste nítido da mulher honesta, casta, pura, mãe, elas eram as “devassas”, eram mulheres da vida.

Essas eram algumas das muitas representações contidas no imaginário da população brasileira do século XIX e XX sobre as prostitutas, são imagens construídas historicamente sobre essas “mulheres publicas” veiculadas: nos discursos moralistas, através de imagens jornalísticas impressas e nas próprias conversas corriqueiras do dia a dia. Conforme Pesavento (2012):

“O imaginário é histórico e datado, ou seja em cada época os homens constroem representações para conferir sentido ao real. Essa construção de sentido é ampla, uma vez que se expressa por palavras/discursos/sons, imagens, coisas, materialidades e por praticas, ritos, performances. O imaginário comporta crenças, mitos, ideologias, conceitos, valores, é construtor de identidades e exclusões, hierarquiza, divide, aponta semelhanças e diferenças no social” (p. 43).

E ao mesmo tempo em que era tudo isso acima explicitado, veremos que concomitantemente as prostitutas eram para outros, aquelas que traziam consigo características de independência, liberdade e autonomia. Segundo Engel (2004): “a prostituição deve ser vista como um espaço efetivo de resistência ao ideal da mulher frágil e submissa”. Sem contar que a pratica da prostituição era uma das opções com maior expressividade de ganhos para a mulher.

Segundo Rago (2008): a prostituta era “uma figura pública, já que podia comercializar seu corpo como desejava, dissociando amor e prazer. E era extremamente poderosa porque simbolizava uma ameaça à subversão dos códigos de comportamentos estabelecidos”.

Eis aqui uma figura emblemática na história do Brasil, a prostituta. Alvo de tantos estudos, de tantas histórias, de tanta curiosidade e de tanto prazer. A prostituição vem sendo temática de muitos estudos produzidos no campo da história, da sociologia, da literatura e entre outros saberes e nunca esgotando os questionamentos lançados sobre o tema. Quem sabe a partir destes estudos não alcancemos uma compreensão maior do fenômeno da prostituição? Fica aqui um convite a pesquisa.

Referências Bibliográficas

CHARTIER, Roger. A História Cultural: entre práticas e representações. Portugal: Difel, 1988. 

CHARTIER, Roger. O Mundo como Representação. Texto publicado com permissão da revista Annales (NOV-DEZ. 1989 nº 6).

DEL PRIORE, Mary.  Ao sul do corpo: condição feminina, maternidade e mentalidade no Brasil Colônia. São Paulo: Editora UNESP, 2009.

DEL PRIORE, Mary. História do amor no Brasil. São Paulo: Contexto, 2012.

DEL PRIORE, Mary. Histórias e conversas de mulher. São Paulo: Planeta, 2013.

DEL PRIORE, Mary. Histórias Íntimas: sexualidade e erotismo na história do Brasil. São Paulo: Planeta, 2011.

ENGEL, Magali. Meretrizes e doutores: saber médico e prostituição no Rio de Janeiro (1840-1890). São Paulo: Brasiliense, 2004.

FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. São Paulo: edições Loyola, 1996.

PESAVENTO, Sandra Jatahy. Cidades visíveis, cidades sensíveis, cidades imaginárias. Revista Brasileira de História, vol. 27, nº 53, junho de 2007.

PESAVENTO, Sandra Jatahy. História e história cultural. 3. Ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2012.

YAGO FELIPE CAMPELO DE LIMA- Mestrando em História pela Universidade Federal de Campina Grande- UFCG.