Resumo: O presente artigo procura mostrar como o "restauro" pode destruir a história e as lembranças de um povo. Você irá entender sobre o que é patrimônio material e patrimônio imaterial e suas implicações. Por fim, o presente artigo fará uma ligação com o patrimônio imaterial e as memórias coletiva e individual construindo um nexo causal onde será explicado o presente título.

Palavras-Chave: Patrimônio, Material, Imaterial, Psicologia e Comportamento.

"Em cada ato criador há um ato destruidor"
Ostrower, 1990

Quando restauramos algo, é uma atitude louvável, porém, estamos colocando uma pá de cal por cima das várias lembranças que aconteceram naquele local. Digo isso uma vez que inúmeros acontecimentos que ocorreram fisicamente, e mentalmente, em tais lugares são recobertos desumanamente por tintas, asfalto ou até mesmo cimento e concreto. Dois bons exemplos disso são a Avenida Presidente Vargas, em toda a sua extensão e um bar que fica bem em frente ao Porto Arapari, na rua Siqueira Mendes. O primeiro exemplo teve suas lembranças asfaltadas pelo progresso, ou seja, a rua de paralelepípedos, com uma poética tão bela, tão comum no centro histórico belemense, foi sufocada pelo tapete negro do progresso, para o desenvolvimento da cidade isso foi ótimo, mas para a preservação de sua identidade, foi de uma caoticidade imensa. Não sei se proposital ou sorte de alguns, a história da avenida 15 de agosto ainda está lá para quem possui o olhar sensível, porém infelizmente relegada ao meio fio desta avenida. O outro exemplo que citei foi visto, quase sem querer, quando um grupo de alunos meus, em passeio a esse mesmo centro histórico, parou em frente ao Porto Arapari para comprar lembranças do Círio de Nazaré e eu, para acompanhá-los, fiquei ao lado deles. E eis que eu me deparo com um pequeno conjunto de azulejos hidráulicos, que são construídos de forma igual até os dias de hoje, os modelos encontrados nessa casa são idênticos aos encontrados no Mabe (Museu de Artes de Belém), com a diferença de que o Museu congelou no tempo e esse estabelecimento comercial tem uma infinita gama de lembranças para nos contar, uma vez que existem somente fragmentos desse tipo de azulejo rodeados por cimento pintado.
Algo que se transformou em ruína pode nos contar visualmente suas lembranças mais íntimas. E o que já foi construído para ser uma ruína, pode guardar alguma lembrança para nós, meros mortais? Sim e não. Utilizarei como exemplo para isso um dos monumentos do Bosque Rodrigues Alves, mas especificamente as ruínas do castelo (a torre). Ao ser erguido, este espaço foi projetado para ser uma cópia fidedigna do Bois de Bologne, porém com o passar do tempo, ele foi assumindo características próprias, assim como as estátuas barrocas feitas pelos indígenas na época da catequização. Quanto a isso, um ponto importante a falar é o modo como essas imagens foram feitas, com as características indígenas. Digo isso uma vez que tanto em um quanto noutro, mesmo que se tentasse uma cópia européia dos conteúdos, sempre se teria o traço regional, uma vez que, mesmo que inconscientemente, as pessoas (artistas e artesões) deixam suas marcas pessoais, isto é, um traço ou artefato que remete a um local/ pessoa.
Um livro quando está degradado deve ser restaurado para que possamos ler novamente o que nele estava escrito, mas e uma cidade, como contar sua historia à seu povo, como se fazer entender? Através de suas "cicatrizes", ou seja, na leitura de suas ruínas no estado mais natural e não-modificado possível. Voltando ao exemplo do nosso livro, se o restaurador, de boa ou má-fé, recuperar uma parte colocando uma palavra errada, vai destruir todo o contexto criado pelo autor, assim acontece em um restauro mal executado, dados históricos seriam perdidos por descaso e falta de estudo por parte do encarregado da empreitada. Por isso, sempre é melhor conservar esses locais para que não tenham de ser restaurados e modificados em seu âmago, não perdendo a sua identidade histórica. Até mesmo em um mínimo fragmento de azulejo português, se esconde toda uma história, que pode ou não ser coletiva, e essas histórias, ou patrimônios imateriais, são as contadas pelas cidades, em específico a cidade de Belém.