O MITO DA TERRA SEM MAL: O RETORNO TRIUNFAL DOS GUARANIS À ALDEIA “YVY PYHAÚ”  – TERRA DOS ANTEPASSADOS.

1.       Introdução

A história dos índios Tupis Guaranis integra a construção da realidade sócio-cultural do Estado do Paraná e São Paulo e de todo o Brasil. Está no imaginário das crianças desde a tenra data do descobrimento. A existência dos Tupis Guaranis é assunto costumeiro e até cotidiano dos brasileiros de qualquer classe social. Entretanto, foge ao comum a constância da oralidade vista na região citada em muitos relatos intensos e detalhados que sempre acenam pela possibilidade de que no passado próximo tenha sido a terra dos tupis guaranis – antigos moradores nessa região.

Pesquisadores como John Manuel Monteiro, Curt Nimuendaju, Egon Schaden, Marivaldo Aparecido de Carvalho há tempos tratam com respeito histórico e acadêmico a importância dos povos indígenas na formação e no perfil da sociedade brasileira em especial os Tupis Guaranis.

Curt Nimuendaju estudou com afinco os Tupis Guaranis numa obra intitulada “As lendas de criação e destruição do mundo como fundamento da religião dos apapocuva-Guarani” [1914]. A obra de bastante efeito mostra que este povo viveria a espera da destruição da terra. 

Os índios que ocupavam o território latino Americano já foram guias, carregadores, escravos, catequistas, ao longo da colonização, auxiliaram desbravadores, os jesuítas, as Coroas Portuguesa e Espanhola a conhecerem e exploraram o território antes da chegada oficial dos descobridores.

 A antropóloga francesa Hélène Clastres, que viveu grande parte de sua vida ao lado dos Indios Guarani meridionais - ANPUH – XXV SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA – Fortaleza, 2009, disse:

No século XVI, os tupis-guaranis distribuíam-se por uma área geográfica muito vasta. Os tupis ocupavam a parte média e inferior da bacia do Amazonas e dos principais afluentes da margem direita. Dominavam uma grande extensão do litoral atlântico, da embocadura do Amazonas até Cananéia. Os guaranis ocupavam a porção do litoral compreendida entre Cananéia e o Rio Grande do Sul; a partir daí, estendiam-se para o interior até os rios Paraná, Uruguai e Paraguai. Da confluência entre o Paraguai e o Paraná, as aldeias indígenas distribuíam-se ao longo de toda a margem oriental do Paraguai e pelas duas margens do Paraná. Seu território era limitado ao norte pelo rio Tietê, a oeste pelo rio Paraguai. Mais adiante, separado deste bloco pelo Chaco, vivia um povo guarani, os chiriguanos, junto às fronteiras do Império Inca. (1978, p.08) 

As cidades de Salto do Itararé/PR, Santana do Itararé/PR e Barão de Antonina/SP sempre existiram relatos orais intensos que narram os índios Tupis Guaranis na região próxima ao Rio Itararé. Os moradores mais idosos parecem repetir tais estórias mescladas às dos seus antepassados como avós, bisavós que estiveram por aqui entre o final do século XIX e inicio do século XX. Entre essas descrições mais detalhadas estão a do professor de História aposentado João Castilho que sempre narrou que seus pais viram por volta de 1910 um grupo de índios Tupis Guaranis serem “expulsos” de suas terras pelas autoridades locais”. Ele, professor sempre disse com ênfase que os indos foram “tocados por frente” como bois até a cidade de Bauru.

 Há outros que dizem que os avós e bisavós contavam que os Tupis-Guaranis residentes nessa região foram embora por suas vontades em razão do contínuo fluxo de povoamento de não-índio, e das perseguições a eles infringidas.

Os recentes laudos antropológicos ainda em conclusão acenam fortemente nessa direção. A FUNAI aponta com segurança que os índios Guaranis da região citada sejam originários de três grandes grupos: os Ñandéva (Apapokúva, Tañyguá, etc); os Mbüá (Kainguá, Kaiuá, etc) e os Kaiová, pertencentes a família lingüística Tupi-Guarani, Tronco Tupi (SCHADEN, 1954, p.12-14).

No final do século 19 e começo do século 20, supostamente guiados por suas crença na possibilidade de atingir, em vida, uma Terra Sem Males, “que segun la tradición debia estar en el centro de la tierra” (Nimuendajú, 1978) muitos grupos Guaranis empreendem migrações reocupando, os seus antigos habitat que teriam abandonado séculos atrás devido à perseguição dos ‘caçadores de índios’ dos tempos coloniais. A expressão “Yvy Mara e’ ỹ em guarani significa um território onde não existem problemas externos, um lugar privilegiado.

 

Nos estudos que realizou entre 1946 e 1954 (Schaden) encontrou os índios Guaranis Nhandeva assim distribuídos: Dourados (MS), Jacareí (SP) Ponta Porã em MT (uns poucos junto aos Kaiowás), Bananal (SP), Araribá (SP). Esse autor registrou que “há mais de um século, fundou-se um grande aldeamento em Itaporanga, perto do Rio Itararé onde hoje é região das terras doadas pelo então Barão de Antonina. Entre o final do século XIX e início de Século XX viviam nessa região cerca de 500 índios Tupi Guarani, que depois se dispersaram e foram fundar os aldeamentos de Itariri e Bananal – estado de São Paulo

Os índios que ocupam atualmente as aldeias de Pyhaú e Karunguá – ambas no município de Barão de Antonina/SP são de índios Tupis Guaranis de um grupo que os historiadores chamavam de “Guarani Nhandeva”. Os índios preferem serem chamados apenas de Tupis Guaranis.

Muitos são os historiadores que alegam que os Tupis Guaranis sempre mantiveram vivo o movimento profético em direção a leste, rumo a serra do mar no litoral paulista desde tempos imemoriais. Caminhavam por diferentes motivos: em busca de matas e rios, pela necessidade de renovar as fontes de alimentos, na busca de parentes, em busca da terra sem mal, sem dilúvios, desmatamentos, incêndios pois os Guaranis concernem no seu sistema econômico e social a preservação do ambiente e caminhar sempre foi uma necessidade freqüente em sua existência.

O deslocamento dentro do território é uma característica da sua forma de “ser índio”. As migrações aconteciam dentro dos limites geográficos do sul e sudeste do Brasil, hoje fáceis de serem idealizados por mapas. A “busca do pelo caminho”, importante na estrutura da vida do povo Guarani no passado longínquo, foi ficando cada mais prejudicada pela redução drástica dos seus territórios, apossada pelos não-índios. A perda dos seus territórios e a chegada dos males trazidos pelo homem branco tal como a poluição, desmatamentos, contaminações levaram gradativamente à depressão, pobreza, alcoolismo, doenças e mesmo suicídio do povo Tupi Guarani.  O contato com os não-índios teve forte impacto em sua nação, e a cultura dos deslocamentos populacionais rumo ao leste foram cada vez mais abandonados. Doenças como a gripe, sarampo passaram a fazer parte do cotidiano quando em contato com “civilizados” bem como a forma de vida capitalista-individualista, que acabou por “confundir” o modo de “ser guarani” e acarretou mudanças de hábitos na população, trazendo o sedentarismo principalmente aos que foram morar nas periferias dos centros urbanos.

As condições sociais de habitabilidade modificaram e alteraram a realização do “ser índio guarani”. As políticas de ajuntamento de grupos heterogêneos pelas políticas governamentais acabaram por destruir ainda mais os espaços próprios onde eram realizadas as suas práticas culturais. Ou seja, deixaram de caminhar dentro do território por perderem suas terras, suas identidades de “ser índio”, por terem de adaptar ao modo capitalista-individualista dos homens “civilizados”.

Como sabido, o sistema capitalista, prima-se pelo individualismo na posse e na exploração da propriedade privada da terra, e para manter suas conquistas avançou sobre o modo coletivo da propriedade indígena como um todo, deixando-lhes poucas ou nenhuma opção de vida para que estes pudessem “ser índios” coletivamente, e originalmente pudessem  relacionar e manter todas as formas culturais.

O território utilizado pela nação guarani na atual região sul, sudeste e centro-oeste do Brasil, devido a “ocupação” dos “não-índios” no processo de colonização do país, foi ligeiramente transformado em locais de exploração de natureza capitalista. Inicialmente através da  “caçadas” dos indígenas pelos bugreiros e, depois, por perseguições várias que tinham diferentes programas tutelados pelo próprio governo português que não tinham objetivos de proteção claros.  Após a república pouco ou nada mudou. Em 1910,  foi criado o Serviço de Proteção aos Índios (SPI) e, em 1967, da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), porém os  órgãos governamentais como pouco recursos e sem vontade política ao evitaram que os Tupis Guaranis fossem confinados, recolhidos, em pequenas aldeias reconhecidas ou não pela administração federal.

De forma positiva os laudos antropológicos acenam na possibilidade de os relatos orais ocorrentes na região do Rio Itararé sejam verdadeiros. Ou seja, os índios Tupi Guaranis que regressaram ao local para fundar a aldeia “Yvy Pyaú(“Terra Nova”), sejam reais descendentes do grupo de índios “expulsos” – presente nas narrativas orais dos mais antigos,  moradores  da região. Mas ainda carecem de pesquisas mais avançadas a ponto de afirmar que a retirada dos índios deu-se pelas más condições de habitualidade ou por questões ligadas a necessidade de caminhar rumo ao leste na busca da terra sem males.

Os índios da aldeia “Pyaú” no processo de identificação das terras eram identificados com sendo pertencentes ao grupo “Guarani Nhandeva”. Entretanto sempre alegaram pertencer à identidade Tupi Guarani. Esse movimento de reconhecimento de uma identidade Tupi Guarani já havia sido apontado na década de 1980 por Ladeira (1984) para alguns índios do litoral do estado de  São Paulo. Foi também analisado por Macedo (2009) na terra indígena de Ribeirão Silveira (SP) e pesquisado por Mainardi (2010) entre os índios do litoral do estado de Barão de Antonina, não haveria esse movimento, os índios se reconheciam sendo  como sendo da ancestralidade “Guarani Nhandeva” por serem descendentes dos Tupinambá e Tupiniquins da Costa litorânea e que teriam se misturados com os Guaranis vindos dos Paraguai. “Aqueles se reconhecem como Tupis Guaranis, descendentes de ambas as etnias: a tupi e a Guarani” (MAINARDI, 2010), uma identidade nascida, segunda Mainadi (2010), da mistura.

Mainardi (2010) recorre em seu trabalho de pesquisa à noção de “mistura” proposta por Peter Gow em “Of Mixed Blood kinship and history in PeruvianAmazonian. Oxford: Clared, 1991”. Almeida (2010) diz: “Os índios de Pyhaú utilizavam a denominação de Guaranis-Nhandeva quando viviam na Terra Indígena de Araribá e durante o processo de formação das aldeias de Barão de Antonina, como uma forma de facilitar o diálogo com os não-indios”

A existência de uma tribo Tupi guarani na região próxima ao Rio Itararé, entre Salto do Itararé/PR, Santana do Itararé/PR, Barão de Antonina/SP e Itaporanga/SP sempre foi um história oral contada em formas diferentes pelos mais idosos, porém sempre ocorre um detalhe incomum e que chamava a atenção: de que os índios guaranis eram moradores naquela localidade, e que provavelmente foram “expulsos” pelas autoridades ou “tocados” para uma aldeia perto da cidade de Bauru/SP.

Em 2005, como um conto que sai dos livros para a realidade, algumas dezenas de índios Tupis Guaranis desembarcaram na região – ao inverso dos contos orais dos idosos, para “reivindicar a terra dos seus antepassados” – Foi inicialmente batizada de “Yvy Pyaú(“Terra Nova”), e depois somente de “Pyaú

Imediatamente após o retorno à região os índios não tomaram imediatamente a posse das terras reivindicadas. Instalaram-se por dois anos e alguns meses num sítio dos padres Cistercienses chamado de Mosteirinho (Mosteiro de São Jose), donde foram expulsos mais tarde pelos próprios padres. Depois foram morar numa Escola Municipal Rural desativada na localidade chamada de Bairro da Onça – Município de Itaporanga/SP. As condições de habitabilidade eram precárias e a receptividade dos moradores deixavam claro que não eram vem vindos, mesmo porque foram expulsos pelos padres do sitio Mosteirinho. Depois, foram ocupar as margens do Rio Itararé entre Santana do Itararé/PR e Salto do Itararé/PR, mas por ser área de proteção permanente com histórico de inundação tiveram de sair para outro local. Como na morada anterior as condições físicas eram as piores. Em seguida numa área cedida pelos padres 20 km da cidade de Itaporanga/SP,  porém sem água potável e, de novo, regressaram ao Bairro Mosteirinho até conquistarem suas terras.  A estratégia da moradia próxima às terras reivindicadas tinha como objetivo dar publicidade às suas ações assim como de tratar diretamente com fazendeiros e a Diocese de Itapeva – dona da maior parte das terras a serem demarcadas. Determinados desde o início foram logo exigindo dos órgãos de proteção ao índio estadual e Federal a agilidade nos trabalhos de demarcação das terras entre as cidades de Santana do Itararé/PR, Salto do Itararé/SP e Barão de Antonina/SP, exatamente onde os moradores mais antigos sempre relataram ser ali território de índios.

Os índios Guaranis por sua própria organização sócio-política passaram a despertar pelos seus direitos e manutenção de sua identidade assim como pela retomada de parte do seu vastíssimo território, aldeias e aldeamentos, em geral usurpados pelos não-indígenas e, muitas vezes, regularizados pelos Governos Estaduais. E, no caso ocorrido na Região de Salto de Itararé/PR, Santana do Itararé e Barão de Antonina/SP esta situação mostra se mais evidente. De forma exemplar os índios Tupi Guaranis de Itaporanga e Barão de Antonina são exemplos de luta e persistência. Desde o início da chegada a região foram tomados pelo ânimo em recuperar a memória do seu povo e decidiram recentemente reocupar as terras indígenas que lhes são necessárias para sua sobrevivência física e cultural à qual têm direito conforme artigo 231, da Constituição Federal de 1988. 

 A Carta de 1988 é clara e altiva em reconhecer os direitos originários sobre as terras que os índios tradicionalmente ocupam. A formulação do artigo 231 nos remete a três ideias chaves sobre as terras indígenas: 1) o caráter originário deste direito; 2) a ocupação real e atual; 3) a forma tradicional de ocupação. O direito é originário, isto é, anterior e independente a qualquer ato do Estado. Eis o rompimento do paradigma. Não é fruto de uma determinação legal, mas é apenas reconhecimento de um direito preexistente. As comunidades indígenas têm direito às suas terras e o Estado Brasileiro o reconhece e garante. Por ser originário, este direito independe de ato de reconhecimento, de demarcação ou registro. Os atos, demarcação e registro, apenas servem para dar conhecimento a terceiros. Como é dever da União, diz a continuação do caput, demarcar, proteger e respeitar, quando não o faz, há ato omissivo da Administração, evidentemente reparável por via Judicial, mas jamais desconstituidores do direito indígena. Daí que aquele domínio da União do art. 20, antes citado, é destituído de eficácia jurídica, salvo para a União estar em juízo em sua defesa.

O “mito” Tupi Guarani do qual narra a busca da “terra sem males” pode ser emprestado aos regressos à Aldeia de “Tekoa Porá”– terra dos seus antepassados, guardada as devidas proporções históricas e antropológicas.

A apropriação do mito pelos tupis guaranis refletem diretamente nas suas aldeias, baseando na sua relação como a natureza, seja de forma simbólica, seja de forma prática. Condicionam assim sua sobrevivência. Há lugares que apresentam como elementos da flora e da fauna típicos de formações rochosas e mesmo de ruínas de edificações antigas, indícios que confirma essa tradição.

Formar aldeias nesses lugares “eleitos” significa esta mais perto do mundo celestial, pois, para muitos, é partir desses locais que o acesso a Yby Mara ey, “terra sem mal” é facilitado – objetivo histórico perpetuado pelos Mbyá através de seus mitos. (LADEIRA apud LADEIRA, 2003).

 

A ocupação Tupi Guarani ainda mantém se até os dias atuais na sua dinâmica de ocupação.

 

A “busca da Terra sem Mal” é uma constante na vida dos Guaranis. Seguem sua trajetória histórica de resistência e luta, acampados entre cercas das fazendas e as estradas; andando nas proximidade das grandes cidades; percorrendo caminhos entre um acampamento e outro, entre uma terra demarcada e as tantas por ela reivindicadas; confeccionando seus artesanatos e comercializando os; [...] criando pequenas roças [...] criando pequenos animais (LIEBGOTT, 2008).  

Quando verificamos os recentes noticiários sobre os povos indígenas no Brasil sobram relatos de tragédias, desprezo, morte, genocídio e expulsão.  O retorno às terras da aldeia “Yvy Pyaú(“Terra Nova”), é fato histórico exemplar e modelo maiúsculo ao princípio da Constitucional da autodeterminação dos povos previsto na Carta Política de 1988.

A atualidade da ocupação, portanto, tem que ser compatibilizada com a possibilidade real de uso pela comunidade, isto significa dizer que à ocupação atual deve se acrescentar o caráter originário do direito e este é o sentido dos §§ 5° e 6° do já bastante citado artigo 231.

Não basta haver ocupação, deve ser feita de forma tradicional, diz o texto constitucional. Ou seja, se um índio ou uma família indígena vive em um lote urbano, legitima ou ilegitimamente, não torna esta terra indígena. É necessário ainda que na terra viva uma comunidade de forma tradicional como a buscada pelos Tupis Guaranis regressos de Araribá e Avaí/SP. As terras tradicionalmente ocupadas naquela localidade eram indígenas em ocupação de caráter permanente. As formas utilizadas para suas atividades produtivas, imprescindíveis para a preservação do ambiente e sua prática social, determinavam positivamente nos ideais para a prática do “ser índio” - necessárias à sua reprodução física e cultural, segundo os usos, costumes e tradições, na forma do § 1° do artigo 231 da Constituição Federal.

 Os imbróglios jurídicos criados e destacados pelos fazendeiros e pela Diocese de Itapeva quanta a “perda” de suas terras, arguidas em contra laudos e questionamentos jurídicos sempre tiveram como ponto de partida de que os índios “abandonaram as suas práticas para viver noutra localidade”. Logo, as terras pretendidas tinham documentação nem estavam demarcadas como reservas. E, os fazendeiros, possuíam títulos de propriedades hábeis para terem o pleno domínio da propriedade.

É importante notar que a Constituição de 1988 repete os termos posse permanente e usufruto exclusivo. Por isso, é necessário verificar o que significa posse indígena, estando claro que não se confunde com a posse civil do receituário privado, porque esta é individual e material, enquanto a indígena é coletiva e exercida segundo usos, costumes e tradições do povo, no dizer da Lei de 1973 (Estatuto do Índio): “art. 23. 

“Considera-se posse do índio ou silvícola a ocupação efetiva da terra, que, de acordo com os usos, costumes e tradições tribais, detém e onde habita ou exerce atividade indispensável à sua subsistência ou economicamente útil.” Esta expressão de 1973 ainda a tratava como individual; em 1988 tratou-se dela como coletiva” 

Por tudo isto, o regresso à “terra prometida” Tupi Guarani deu se em constantes lutas e em várias etapas. Claramente fez-se notar a resistência silenciosa dos locais que em vários momentos fora explícita, como no caso da expulsão do indígena no Bairro Mosteirinho pelos padres Cisterciences – donos das instalações e das terras daquela fazenda.

Os índios deslocaram para as terras pretendidas - fixadas em suas mente como a “terra prometida”, tiveram de conquistá-la novamente até fixar como aldeias. Muitos trabalhos foram feitos em tratativas externas em várias frentes de batalhas jurídica e políticas, com apoio de grupos de defesa dos índios. Serviu ainda a pressão natural do acampamento. No obstante, foi com o (GT) - Grupo Técnico, formado pela equipe do Antropólogo Dr. Paulo Brando Santilli da UNESP – Campus Araraquara, Ministério Público Federal, Estadual e FUNAI que a implantação da Aldeia Pyaú(“Terra Nova”) teve notável evolução nos projetos de implantação das Aldeias Pyahú e Karunguá na localidade próxima ao Rio Itararé, município de Barão de Antonina/SP – como a identificada nas narrativas orais.

Em 07 de novembro de 2007 o Governo Federal editou a Portaria nº 1.088 publicada no Diário Oficial da União dia 08/11/2007. Em seguida editou portaria nº 144 de 21 de fevereiro de 2008 publicada em Diário Oficial da União dia 22/02/2008 e, por final, em 23 de abril de 2009 editou-se a Portaria nº 368 com publicação dia 25/02/2008.

As portarias editadas e publicadas e a presença física dos índios não foram suficientes para o tramite burocrático válido dos trabalhos de instalação definitiva. Diversas questões políticas e técnicas foram levantadas pelos fazendeiros que reunidos contestaram os laudos oficiais através de “contra-laudos” antropológicos. Foi proposta inicialmente a delimitação numa área de 4.526 há para as aldeias Pyahú e Karunguá nas terras indígenas de Barão de Antonina/SP e uma de 3.728,00 ha para aldeia Tekoa Porã as terras localizadas no município de Itaporanga/SP.

O presente projeto de estudo propõe-se originalmente pesquisar sobre as questões de territórios desse grupo em contexto assim como as questões de identidade refletidas no mito Tupi Guarani da “terra sem males”, questões ligadas à cosmologia tal qual sua influência no retorno e decisão para a fundação da aldeia Yvy Pyhaú (“Terra Nova”) - terra dos seus antepassados. Estudo mais profundos tenderão a sanar as questões ligadas à cosmologia A pesquisa ação junto aos índios assim como a perícia técnica do Ministério Público Federal, laudos antropológico confeccionados pela Fundação Nacional do Índio – FUNAI, poderão trazer com maior vigor científico e histórico aos motivos que levaram ao desaparecimento daquela comunidade indígena na região próxima ao rio Itararé entre as cidades de Santana do Itararé/PR, Salto do Itararé/PR e Barão de Antonina/SP e Itaporanga/SP do qual sempre ouvi ser o citado local morada de um grupo de índios Tupi Guaranis, expulsos pelos brancos e anexados próximo da cidade de Bauru.

Trata-se de um trabalho etnográfico articulado em discussões bibliográficas que firmam na elucidação de questões como esses índios concebem o território e o movimento que o define em um contexto inicialmente de marcado de agruras da desterritorialização, tal como fome, falta de d’água, inundações, e caridade inclusive dos que opunha à demarcação tal como os fazendeiros, padres cistercienses. Depois, em fase de reivindicações territoriais - sem nunca desistir dos propósitos do “retorno à terra prometida”, lutarem junto aos órgãos estaduais, federais  de custeio e financiamento rural por recursos, moradias dignas de sobrevivência. E, não soa titânica luta pela posse da terra mais também mais tarde buscar ampliar seus território à totalidades das terras pertencente aos tupis guaranis nos tempos da expulsão para Araribá – Avai/SP, donde foram provavelmente assentados após a expulsão.

Outro motivo motivador do presente projeto de estudos foi a escassez de pesquisas que tratam dos povos indígenas que vivem no norte do Estado do Paraná e sudoeste do Estado de São Paulo, em especial dos vivem no interior desses estados. Monteiro (1984) remete a esta discussão quando diz que os índios geralmente ocupam o pano de fundo exótico da historiografia paulista, sobre o qual o bandeirante herói é projetado. A história do índio sempre foi contada em relatos policiais em temas de desintegração, ocupação, morte e genocídio. Noutras vezes em casos de marginalização, suicídios individuais e coletivos, desnutrição e desaparecimentos.  

Também faz parte dos objetivos a ser perseguido pelo presente projeto de pesquisa é buscar respostas às migrações indígenas Tupi Guaranis, em especial o grupo em estudo, conhecido em tempos idos como Guaranis Mbyá e que foram reconhecidos como sendo do grupo Nhandeva. 

Em recente entrevista aos índios Tupi Guaranis, Almeida (2011): “Isso é coisa de historiador, os índios eram um só, tinham diferenças mas não eram divididos em etnias! (D. Juraci, cacique Aldeia Pyahú, junho de 2010).

O relato acima prova mostra que as questões de identidade do grupo indígena em estudo ainda não foram totalmente esclarecidadas. A repulsa à denominação Nhandeva deve ser minimamente elucidada assim como as razões que levam os Tupis Guaranis das Aldeias Tekoa Porã de Itaporanga/SP e Pyhaú de Barão de Antonina/SP sentirem preferirem e sentirem acolhidos na identidade Tupi Guarani.

Ainda nos fatos que ilustram essa discussão vale a menção de que nas agendas de lutas estão a busca da identidade Tupi Guarani.

Ao tempo que se acaloram os debates acerca do lugar do indígena na sociedade brasileira, fato que tem trazido acirradas discussões principalmente nos meios de comunicação, dada a falta de informação da população sobre o assunto. Tal interesse dos grupos não ligados aos interesses dos índios acabam por manipularem a opinião pública. O objetivo singelo desta proposta de estudos é exercitar o aprimoramento crítico das questões que cercam a ocupação, suas temáticas, a aplicabilidade da lei ao contexto de acolhimento constitucional dentro de um panorama de exclusão e questionamentos com a lei que garante a posse da terra seja por que foi escriturada seja por que foi usucapida por longos anos de ocupação dos não-brancos.

Revivar a temática indígena se justifica pela necessidade de valorizar as origens do Brasil, mas isso não seria muito diferente do que já ocorre, onde o “índio” é visto como coisa do passado inclusive de profissionais do curso de História. Em tais circunstâncias o indio é coadjuvante no “desembarque dos portugueses” – quase sempre aclamado como habitante nativo, o mais antigo, o ancestral, mas logo deixa de existir nas narrativas do qual figuram o homem não-índio.  A resistência e luta indígena quase sempre é relegada a simples fato.  Os povos indígenas são invisíveis para a maioria da população, estão presentes em todos os cantos do país, inclusive em São Paulo; cidade que abriga uma gigantesca variedade de povos, e no que se refere ao “índio” não é diferente em dezenas de etnias vivem na cidade do interior e até nas grandes capitais. No passado de São Paulo também é marcado pela presença indígena, o que só reforça a abordagem do tema.


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