O Entrudo: Carnaval no Brasil do Período Colonial, Imperial e República (séculos XVI ao XX).

Doutorando em Ciências da Educação Prof.  Mestre Gilson Lopes da Silva Junior.

            Por Matheus Pintor de Souza, aluno do 3º ano do ensino médio do GPI - Nilópolis.

Este artigo é fruto de uma pesquisa que fiz junto com um aluno de ensino médio Matheus Pintor, a finalidade deste trabalho foi ajudar turmas de 9º ano de uma exposição no Colégio Equipe Grau de Nilópolis onde sou professor. Esse material ajudou os alunos a apresentarem na exposição a história do carnaval no Brasil, o Matheus é irmão do meu aluno Harrison pintor da turma 911, ele ajudou seu irmão com o texto publicado abaixo com o título de A política e o Carnaval.

Por volta do século XVI, colonos portugueses trouxeram para o Brasil (América Portuguesa) uma brincadeira que era comum em Portugal, o Entrudo. Um antigo folguedo comum nas terras portuguesas e em alguns países europeus, onde as pessoas se divertiam jogando água, tinta, farinha e ovos nas pessoas que passavam pelas ruas, eram comuns pessoas ficarem no segundo andar da casa aguardando uma pessoa distraída passar pela rua e ser alvejados por ovos ou outro item do festejo.

Os portugueses denominavam o entrudo como o “dia dos gordos”, era tradição em Portugal o alto consumo de vinhos, abundancia de comida e carne, também a prática desenfreada do sexo lícito ou não lícito. A prática do entrudo sempre esteve ligada as tradições católicas da quaresma, data cristã católica denominada para determinar aos fiéis 40 dias de consagração, que antecedem a páscoa e início da quarta feira de cinzas havendo o término no domingo de ramos. Tradicionalmente o entrudo acontecia três dias antes a quarta feira de cinzas e durante a todo esse período havia abstinência de diversas práticas consideradas “mundanas” para os religiosos e os foliões da época buscavam a compensação em brincadeiras no período do entrudo.

Dos séculos XVI a XVIII, o Brasil colônia possuía uma brincadeira de um jogar água nos outros, vice e versa, os colonos utilizavam vasilhames, jarras, seringas, bisnagas. O complemento do “banho” era com lama, farinha, goma, barro, cal, frutas podres, ovos podres poderia haver até urina para a plena diversão dos “foliões” portugueses no Brasil colônia, essas festividades eram tanto nas cidades quanto nas áreas rurais.

Era no tempo em que ao carnaval se chamava entrudo, o tempo em que em vez das máscaras brilhavam os limões de cheiro, as caçarolas d’água, os banhos, e várias graças que foram substituídas por outras, não sei se melhores se piores.

                                                                       Um dia de entrudo, Machado de Assis.

As famílias coloniais normalmente brincavam em um espaço privado, os senhores de engenho considerados “homens bons” da sociedade colonial, não se misturavam com brancos pobres e escravos, raras eram as exceções. Suas brincadeiras eram com as suas próprias famílias, também poderia ser com duas ou mais famílias amigas dentro de uma fazenda, brancos pobres e escravos só participavam quando eram muitos próximos a família. As brincadeiras dos ricos fazendeiros eram de lambuzar as maçanetas das portas, passar óleo (mal cheiroso) nos degraus das escadas, colar moedas no chão (com o propósito de enganar os foliões, pois quando se abaixavam pra pegar as moedas, elas estavam coladas), por na mesa de refeições doces apimentados (os doces eram misturados com os não apimentados, o propósito era pregar peças nos participantes das brincadeiras), As ruas e praças serviam de palco para as classes menos favorecidas, como os homens livres pobres (brancos ou mestiços) e os escravos. Esses últimos, só podiam brincar em horários permitidos pelos senhores, quando não havia muita demanda de trabalho. Geralmente, saíam às ruas tatuados com imagens ou símbolos ligados a tradição africana ou pintados de branco, vermelho, ao anoitecer, dançando e cantando ao som de instrumentos musicais tradicionais a eles de percussão como atabaques, marimbas e zabumbas.

Os escravos e os desvalidos socialmente (mestiços e brancos pobres), com o forte desejo de participarem da brincadeira promoveram sem perceberem uma versão mais agressiva do entrudo no Brasil Colônia, os chafarizes nas principais ruas eram visitadas constantemente por escravos a busca de água (munição do entrudo), os brancos pobres também passaram a ter hábitos semelhantes para comemorarem o antigo “carnaval” colonial, quem quer que passasse nas ruas eram alvos fácil desse banhos provenientes dos chafarizes, locais públicos eram considerando pelos “homens bons” da sociedade pandemônios. Na falta de água, os escravos e os desvalidos socialmente pegavam água de esgoto (algumas ruas do Brasil colonial havia valas que corriam com dejetos humanos até o mar), lama e até urinas eram usadas como munição. Os escravos conhecido como “tigres”, eram os mais temidos no Rio de Janeiro, eles carregavam em pequenos baldes dejetos humanos dos senhores até o mar ou a vala mais próxima, no período “carnavalesco” do entrudo colonial, eles jogavam esses dejetos em qualquer pessoa que passasse nas ruas, apesar da agressividade e falta de higiene, o entrudo das ruas era um dos poucos momentos de descontração e de diversão para as populações desvalidas do Rio de Janeiro e de outras grandes capitais coloniais.  

Cerca de dois meses antes do evento, começava a fabricação de limas, laranjas ou limões de cheiro - pequenos objetos com a forma e o tamanho de uma laranja, feitos de cera fina, contendo produtos perfumados que eram usadas também nas “guerras carnavalescas” do Entrudo. Depois se começou a utilizar materiais pouco recomendáveis como lama, frutas podres e urina.

http://basilio.fundaj.gov.br/pesquisaescolar/index.php?option=com_content&view=article&id=262&Itemid=184.

O Brasil colonial desenvolveu essa prática “carnavalesca”, vinda de Portugal e no século XIX as características dessas brincadeiras foram sendo alterada, o próprio governo imperial e a imprensa criticavam asperamente a prática do entrudo e aos poucos leis imperiais foram criadas para conter as brincadeiras entrudísticas.

As famílias senhoriais apresentavam espaços exclusivos dentro das suas fazendas, para a diversão “carnavalesca”, a brincadeira da elite imperial possuía outros contornos, no lugar de baldes de água e líquidos imundos, as famílias da elite se divertiam lançando entre si delicadas bolas de cera perfumadas conhecidas na época de limões ou laranjinhas-de-cheiro, essas bolas poderiam ser verde ou vermelha. Essas festas sempre eram acompanhadas de ótimas refeições, após a alimentação da elite imperial começa uma “guerra” de lançamentos desses projéteis de cera, frequentemente esses brincadeira entre duas ou mais famílias resultavam em ardentes casos amorosos, romances entre rapazes e mocinhas, ou caso entre amantes (homens ou mulheres casados que se envolvia amorosamente, o período entrudístico alimentavam nas pessoas da época esses casos que eram comuns nesse período).  

Carlos passeava pela sala de jantar, atirando de quando em quando bolas de papel ao irmão, que, por prudência, fingia estar contando as tábuas do assoalho. Joana contava a Lucinda um namoro que tivera com um rapaz da Rua do Piolho, enquanto a prima lançava de quando em quando um olhar a Benjamim.

                                      LITERATURA BRASILEIRA

Textos literários em meio eletrônico

Um Dia de entrudo, de Machado de Assis

Edição referência:      http://www2.uol.com.br/machadodeassis

Publicado originalmente em Jornal das Famílias 1874.

Cultura francesa era admirada pela sociedade imperial no século XIX, a arquitetura e a moda no Brasil eram exportadas nos moldes França. A principal arma para a extinção do entrudo no Brasil foram os bailes mascarados, diversão exportada da França, no que temos notícias esses foram os primeiros bailes “carnavalescos” em território brasileiro, por volta dos anos 1835 a 1840 a moda “carnavalesca” francesa se alastrou pelo Rio de Janeiro e outras importantes capitais brasileiras, em 1789 houve a Revolução Francesa e o absolutismo chegou ao fim, na França esses bailes era uma forma de criticar o regime com máscaras de reis absolutos famosos como o monarca Luís XIV e XV, vestidos usados por damas da corte eram se tornava fantasias com saiotes, calças de meias inteiras, gargantilhas, gorro e espadas dos nobres. Também haviam danças e costumes praticados pelos nobres franceses que eram copiados nesses bailes como forma de protesto aos longos anos de absolutismo que explorou os mais pobres, agora esses populares praticam bailes a fantasias com roupas e adornos que representavam essa nobreza absoluta.

Recomendamos muito este costume, porque nenhum outro é mais elegante, nenhum mais vaporoso, e sedutor. Um belo dominó azul (...) pede luvas brancas de pelica, e mascara de cetim preto. (Marmota da Corte, 17 de Fevereiro de 1852).

Junto com essa nova prática cultural que estava adentrando o Brasil, havia também campanhas da Sociedade de Medicina do Rio de Janeiro apoiado pelo governo imperial que enfraquecia a prática entrudísticas nas cidades brasileiras, havia intensas divulgações de propagações de doenças causadas pelo entrudo, com argumentos científicos contra as brincadeiras.

Arremessar grande ou pequena porção de água fria sobre um trausente é nada mais nada menos do que provocar-lhe uma rápida supressão de transpiração, uma febre consecutiva, sempre de mal prognóstico, isto é, concorrer para a morte ou a inutilidade de uma vítima inocente de um gracejo brutal (Jornal do Commercio, 5 de fevereiro de 1880).

A partir de 1832 alguns decretos imperiais foram feitos para impedir a brincadeira, os “foliões” eram multados a quem estivesse praticando os jogos entudísticos publicamente, caso o folião fosse um escravo era punido em praça pública com 50 chibatadas, o governo imperial queria a todo custo reprimir o entrudo público, no fim do século XIX e início do século XX o entrudo se tornou caso de cadeia para os participantes diminuído ano pós ano a diversão popular dando outros contornos com caráter cultural, social, econômico e político ao entrudo que perde suas tradições dando início ao famoso carnaval somente com outro tipo de folia.

A Política e o Carnaval.

O Carnaval sempre apresentou um viés político. É uma festa que reúne várias pessoas, que se divertem, cantando sambas que exaltam alguma personalidade, local, ou fato histórico. Vemos, na história, vários festejos semelhantes sendo usados por políticos como meio de manobra da massa popular. O Panis Et Circus romano, os festejos cristãos medievais, todos patrocinados pela classe dominante, para tornar o povo ao seu favor, já que o verdadeiro poder político reside na aceitação dos governantes pela maioria da população.

O uso do Carnaval como manobra política fica evidente principalmente durante o governo populista de Getúlio Vargas. Um dos primeiros enredos com temática nacionalista foi feito em sua homenagem, em 1932, intitulado A Primavera e a Revolução de Outubro. Em 1933, temos outro samba político, o Trem Blindado, que canta sobre a Revolução Constitucionalista de São Paulo, ocorrida no ano anterior.

Pouco tempo depois, em 1936, o Estado passa a financiar as Escolas de Samba, agora oficializadas como “Grêmios Recreativos”. Numa época em que, de acordo com Ismael Silva, fundador da primeira escola de samba, se gastava no máximo quatrocentos mil réis, o governo dava a cada Escola cerca de um conto e seiscentos e vinte mil réis. Fica claro o interesse do Governo em manter essas agremiações populares funcionando.

Porém, ao contrário do que podemos vir a pensar, não foi o estado que ordenou sambas nacionalistas. A própria União das Escolas de Samba, no seu regulamento de 1936 já dizia que “não serão permitidas histórias internacionais em sonho ou imaginação”. Isso antes mesmo da criação da famigerada DIP. Uma medida provavelmente tomada para assegurar o Carnaval como uma festa totalmente brasileira, e também assegurar o apoio das autoridades, que começavam a notar o poder das festividades populares.

Mas foi só com a instalação do Estado Novo, em novembro de 1937, com o Brasil tomado pelo medo da “Ameaça Vermelha”, que o Carnaval começara a realmente sofrer censura. Os sambas, antes com certo teor crítico e satírico, agora eram inofensivos, com letras inócuas e insossas, ou que aparentavam ser assim (Não é por acaso que a clássica “Mamãe eu quero, mamãe eu quero, mamãe eu quero mamar...” é dessa época). Tudo organizado pelo DNP, Departamento Nacional de Propaganda, que em dezembro de 1939 viria a ser substituído pelo DIP, Departamento de Imprensa e Propaganda.

Getúlio, enquanto oprimia pesadamente as chamadas “Ideias subversivas”, incentivava entusiasticamente o folclore e a cultura brasileira. Como meio de inflamar o nacionalismo brasileiro, necessário no período de guerra, e para o culto de personalidade que ele começava a desenvolver, característica comum dentre presidentes populistas da época, o governo getulista criou a Missão de Pesquisa Folclórica em 1938, para mapeamento e aprendizado dos ritmos indígenas, africanos e mestiços típicos, a criação de um horário dedicado ao folclore no programa Hora do Brasil, e aulas de canto nas escolas, ideia de Villa-Lobos. Isso influenciou as escolas de samba, que agora contavam com um guia de como tocar os sons de nosso país. Esta influência se reflete até hoje, numa época onde praticamente todo enredo é sobre o Brasil e com influências afro-indígenas, mesmo sem nenhuma censura ou lei obrigando-os.

Com a entrada do Brasil na II Guerra Mundial, os fundos estatais para o Carnaval começaram a ser cortados. Em 1943, quem patrocinou o desfile foi a Liga de Defesa Nacional, grupo de direita, extremamente nacionalista. O tema era único para todas as escolas, que desfilariam somente no Domingo. O quesito para a premiação mudara também: Seria eleito o melhor samba aquele que mais se enquadrasse na ideia de vitória. Não somente o carnaval daquele ano ficou conhecido como “Carnaval da Vitória”, em homenagem à entrada do Brasil na Guerra.

No fim, podemos reconhecer que o populismo getuliano dependeu, e muito, do culto a sua personalidade, que foi intensificado com o uso da censura, não deixando assim diversidade ideológica para a população. Como o Carnaval, a festa das massas, é algo muito querido e requisitado pelo povo, foi extensivamente usada para fins de sustentação do regime, assim como a música e a arte em geral também foram.

Bibliografia.

KAZ, Leonel. Meu Carnaval Brasil.

ASSIS, Machado. Um dia de entrudo (Textos litarários)

Marmota da Corte, 17 de Fevereiro de 1852.

http://www2.uol.com.br/machadodeassis Publicado originalmente em  Jornal das Famílias 1874.

http://basilio.fundaj.gov.br/pesquisaescolar/index.php?option=com_content&view=article&id=262&Itemid=184.