Cinema e África parecem, a primeira vista, substantivos incompatíveis. Pois, um dos estereótipos criados acerca da África que predominou durante quase todo o século XX, foi o de “cultura atrasada”. Ademais por fazer parte do “terceiro mundo”, excluía-se qualquer possibilidade desse continente participar das expressões artísticas e intelectuais que ocorriam nas esferas do “primeiro mundo”.

A revista “El Correo” da Unesco em março de 1962, traz em sua capa, a imagem de uma atriz negra do filme “Nômadas del Sol”(Nômades do Sol), do cineasta suíço Henry Brandt e o nome da edição se chama “La África invade la pantalla”(A África invade a tela). O artigo do qual dá o nome da edição escrito por Jean Rouch, cineasta francês, fala da importância em desenvolver o cinema africano.

O artigo de Rouch mostra os laços entre cinema e África. Mostra que o cinema chegou na África no mesmo período em que a Europa estava admirada com as imagens em movimento.

El cine comenzó a desarrollarse en África desde los primeros años que siguieron a su invención.(...) en 1896, un ilusionista que había robado uno de los primeros proyectores Del "teatrógrafo" del Alhambra Place de Londres, fue sin duda El verdadero introductor del cine en Sudáfrica.”(ROUCH, 1962, p.10)

O interessante é perceber o balanço feito por Rouch das realizações cinematográficas feitas na África. Segundo Rouch os primeiros filmes feitos na África por diretores estrangeiros eram corajosamente exóticos, mostravam o canibalismo e o selvagismo de certas tribos, o negro era considerado como um animal a provocar principalmente o riso. O autor mostra como exemplo o filme “Trader Horn” produzido por W.S. Van Dyke de 1931.

Para o autor “ La mayoría de las películas “exóticas” de la época responde a ese concepto. El mundo occidental descubre el resto del globo con una óptica muy poco diferente de la de Marco Polo.”(ROUCH, 1962, p.11) Mas Rouch alerta que os filmes não retratavam dessa maneira somente o continente africano, também a Ásia, América do Sul e Groelândia eram reduzidas a “danças selvagens” ou “caças primitivas”.

O ano de 1950 marca uma data crucial do cinema africano, segundo Rouch, onde os filmes que tratavam dos aspectos exóticos dão espaço para o que ele chama de filmes sobre a “África Etnográfica”, onde os aspectos procurados são a descoberta da autêntica cultura africana. Contudo o exótico não deixou de ser apresentado por filmes, como, por exemplo, os filmes de “Tarzan”, nas palavras do próprio autor, “Aparte de las películas de Tarzán, que sólo se ocupan de África como un pretexto, cierto número de realizadores seguirán explotando el filón del "canibalismo" y de las "danzas de los brujos".”(ROUCH, 1962, p.13)

Um terceiro aspecto é o da transculturação onde os “los cineastas procuran mostrar los problemas suscitados por el contacto del África tradicional con el mundo moderno.”(ROUCH, 1962, p. 14)Mas todos esses aspectos são feitos por estrangeiros, filmes produzidos sob as impressões e conhecimentos externos sobre a África. Parte daí a importância em desenvolver um cinema africano “feito por e para africanos”.(ROUCH, 1962, p. 15)

Essa explanação se torna interessante na medida em que mostra as formas como o cinema interagiu com a África, principalmente na primeira metade do século XX, no que se refere à produção cinematográfica, e mostra que o cinema desde dos seus primeiros anos interagiu com a África. Porém um não desenvolvimento de um cinema propriamente africano,desde o início do século XX, pode ter entre seus motivos, além de falta de recursos financeiros e técnicos, a política de colonização pela qual a África passou até a segunda metade do século passado. O que pode ser observado, de certa forma, na exibição de filmes em salas africanas.

Tomemos como exemplo a recepção existente entre espectadores, nos países de língua inglesa. No artigo “El cine em África. Descolonizar la imagen” de Francys Bebey, também em “El Correo” da Unesco,em maio de 1977, o autor aponta para a situação da apresentação dos tipos de filmes de má qualidade, que é denominado por ele, “productos cinematográficos mediocres”, nas salas africanas de cinema. De esta manera, los espectadores africanos están condenados a ver todos los bodrios del cine europeo, algunos "western" norteamericanos de mala calidad y filmes egipcios e indios de tan poco valor que no han podido exhibirse en Estados Unidos ni en Europa.(...)al público africano se le sigue intoxicando con películas sin interés alguno en el plano artístico y francamente nocivas desde el punto de vista moral.(BEBEY, 1977, p. 30;32)

Segundo Bebey essa prática tem suas origens no ensino arraigado a políticas do colonialismo que, apesar do advento das independências africanas, não deixou de existir. Mas o cinema africano que se desenvolve há quinze anos, escreve Bebey, exatamente o período que separa o artigo de Rouch ao de Bebey, mostra temas que trazem a condenação do colonialismo e a luta contra o neocolonialismo.

O cinema, afirmam Wagner e Ondonbo, “Es un arte aferrado a lo real que, si bien se há considerado tradicionalmente un esparcimiento, no por ello deja de ser um instrumento de reflexión sobre los problemas sociales, políticos o culturales que se plantean em uma sociedad.”(WAGNER;ONDONBO. 1988, p.27) e o cinema africano, durante todo o seu desenvolvimento desde o início da década de 1960, não deixa de conter as inquietudes em relação às questões acima expostas. Porém pouco conhecido em meio à indústria cinematográfica mundial.

Esse “desconhecimento” se dá em grande medida pelo fato de as grandes distribuidoras com seus monopólios em que inserem filmes dos grandes estúdios, e principalmente que tenham retorno comercial, sem preocupação estética ou intelectual de seus receptores. Também a falta de interesse por parte da história desse continente, que como já foi dito, por muito tempo o estereótipo de "cultura atrasada" fez parte do universo mental das pessoas dos demais continentes.Mas essa é uma discussão que não nos cabe adentrar. Mesmo o Brasil, um país que tem ligações fortes com as histórias e culturas africanas, parece ser desconhecedor da história desse continente. Tanto que há pouco tempo, visto esse fato, a lei nº 10639/2003 tornou obrigatório o ensino de história e cultura afro-brasileira no currículo oficial da educação básica. Quais os motivos para a História da África ter passado por esse “desconhecimento”?  Esse é um assunto para um outro artigo.

BEBEY, Francis. El cine en África. Descolonizar la imagen. In.: EL CORREO. Una ventana abierta sobre el mundo. Año XXX, n. 5. UNESCO. Mayo, 1977.(p. 30-33)

ROUCH, Jean. La África invade la pantalla. In.: EL CORREO. Una ventana abierta sobre el mundo. Año XV, n. 3. UNESCO. Marzo, 1962. (p.10-15)

WAGNER, Tereza. ONDONBO, Claude. El cine africano, un gran arte joven aun poco conocido. In.: EL CORREO. Una ventana abierta sobre al mundo. UNESCO. Marzo, 1988. (p. 27-29)