Prof. Carlos Eduardo Finochio

Sem entrar no exaustivo debate do conceito de cultura refletir sobre a construção da nossa nação é algo bastante envolvente. Digo isso por estar trabalhando, em sala de aula, o processo de "independência" do Brasil. Já no final do século XVIII e início dos anos 1800 uma conjuntura, absolutamente peculiar, determinava uma releitura, ou melhor, uma redefinição de liberdade. Nada estranho para o nosso Brasil, em trajetória com raízes fincadas no velho e ultrapassado sistema colonial. Havia de ser no Brasil.
Tal situação provocou, até mesmo nos mais apaixonados pelos ideais libertários do Iluminismo, uma ação reacionária.
Desculpem o antagonismo dos conceitos, mas na verdade a situação era essa mesmo: como pensar em liberdade, em independência, ou emancipação política se a base de toda a estrutura do futuro do Brasil era, incondicionalmente, a escravidão nas mãos da aristocracia latifundiária? Como tentar imaginar, um país livre, se as cabeças "pensantes" e capacitadas para exercer a liderança de um projeto político liberal eram das elites agrárias, solidamente constituídas no sudeste do Brasil que, por sua vez, eram escravocratas. Como já disseram na historiografia brasileira, "o Brasil nasceu com uma metade só". Entendo, por outro foco, que a metade original do Brasil, na verdade eram dos lusitanos nascidos na Bahia, dos portugueses nascidos em Pernambuco, ou dos portugueses nascidos em São Paulo, Minas e Rio de Janeiro. Não brasileiros sim portugueses do Brasil. Desta maneira, diante da necessidade de manter um discurso de projeto político emancipacionista foi preciso afastar as massas de qualquer possibilidade de participação no que se referia à Independência do Brasil. Isso poderia trazer uma situação bastante delicada, perigosa e fragmentadora do território, que se pretendia Nacional. Deixar o povo fazer a independência era jogar toda a estrutura elitista e aristocrática no meio de uma fogueira, ou melhor, de um incêndio incontrolável. Seus privilégios e até sua própria sobrevivência poderiam se evaporar. Falar em República, democracia seria um ato irresponsável e imoral. A solução veio na continuidade do mesmismo colonial, capitaneado por uma equipe bem localizada no universo social luso-brasileiro, proclamando o príncipe regente, sua alteza real D. Pedro, como o agente e sujeito desta ação. Sujeito por ser ele o herdeiro do trono português, filho do Rei de Portugal, já de volta à terrinha, e, agente, por ter o poder político nas mãos e a garantia de sua centralização. Desta maneira, todos concordaram com o 7 de setembro. Um ato nada isolado, e com infinitas articulações e manipulações políticas de sério caráter econômico para a garantia de privilégios de uma minoria. O Rio de Janeiro, sem dúvida, foi a primeira cidade a se beneficiar das reformas, anteriores ao 7 de setembro, feitas por D. João VI e seu corpo de conselheiros na tentativa e necessidade de trabalhar uma nova estética, um novo gosto, no que seria a capital de um reino filiado à Europa. Mesmo que isso fosse por um pequeno período, já que as forças políticas da metrópole, nas mãos das Cortes de Lisboa forçavam o retorno do soberano e ameaçavam o controle da monarquia com uma nova Constituição. De qualquer maneira o Brasil deixava de ser uma colônia e passava a ser a sede do Reino português. É nessa efetiva transformação política que o nosso país tropical recebe, em pacote fechado, um turbilhão de novidades culturais burguesas, tanto na esfera das artes plásticas, como na moda, etiqueta, comportamento, vocabulário, ensino, letras, ofícios e empreendimentos. As inovações que abarcavam a estética e o conjunto de ações culturais inibiram qualquer possibilidade de reação, ou mesmo permanências de núcleos embrionários de algum movimento cultural, basicamente brasileiro. O próprio estilo Barroco, já decadente no Velho Mundo, foi abortado com suas peculiaridades adquiridas por aqui. Não havia força no campo das artes, aqui debaixo do Equador, que pudesse enfrentar o novo gosto importado e imposto pelos desdobramentos das reformas joaninas, tampouco contra os ensinamentos e penetração da estética da Missão Artística Francesa. Nesse cenário, então, foi Proclamada a Independência do Brasil que se manteve acorrentado, tanto no que diz respeito às massas trabalhadoras, como à cultura nacional.