FRANTZ FANON: ALIENAÇÃO DO NEGRO NO CONTEXTO DO COLONIALISMO EUROPEU Alcides de Jesus Lima RESUMO Este artigo esboça algumas considerações acerca da obra de Frantz Fanon, especificamente Pele negra, máscaras brancas. Como um intelectual voltado para a libertação dos oprimidos, Fanon pensou o negro de forma impactante nesta obra que se tornou referência para os estudos da diáspora africana. Consideram-se, aqui, as análises desenvolvidas por Fanon acerca do negro construído dentro da perspectiva da civilização européia no âmbito do colonialismo. O autor destaca a alienação do negro no contexto colonial e propõe o resgate da autenticidade negra como elemento de libertação desses sujeitos das patologias adquiridas no mundo moderno. Palavras chaves: Fanon, racismo e colonialismo Frantz Fanon nasceu em 1925 na Ilha da Martinica e faleceu em 1961 em Maryland nos Estados Unidos. Desenvolveu uma das mais profundas reflexões acerca do negro no contexto do racismo colonial. Como um Intelectual engajado, Fanon também lutou junto às forças de resistências no norte da África e na Europa durante a Segunda Guerra Mundial. Estudou Psiquiatria e Filosofia na França e logo em seguida assumiu o Departamento de Psiquiatria do Hospital Blida-Joinville na Argélia e se filiou a Frente de Libertação Nacional. “Nesse hospital os doentes eram divididos entre homens e mulheres metropolitanos, homens e mulheres nativos. A violência e a segregação da instituição contra os doentes são para Fanon a metáfora da realidade argelina.” Essa realidade foi denunciada por Fanon. A partir desse ambiente segregacionista, ele passou a atuar nas lutas de libertação da Argélia, visando emancipar a colônia argelina do domínio francês e transformar as vidas dos condenados pelas instituições coloniais e racistas do mundo moderno. Fanon percebeu de forma profunda alguns elementos que configurou o racismo em sua época. Alguns aspectos são fundamentais em suas considerações acerca dos valores constituintes do racismo colonial. A partir da alteridade, ele destacou a perspectiva maniqueísta que opuseram brancos e negros no contexto colonial. O racismo colonial desenvolvido pela civilização européia se opera por contrastes. Assim, essa civilização se apoiou nos seguintes elementos para se colocar no plano superior da hierarquia: o negro é desumano, selvagem, biológico, sexual e maligno; “o negro é o símbolo do mal e do feio. Cotidianamente, o branco coloca em ação essa lógica.” Numa perspectiva profundamente impactante, ele buscou entender o homem negro dentro do universo construído pelo homem branco. Nesse sentido, sua função era retirar esse sujeito do universo mórbido em que foi inserido pelo homem branco. Para perceber essa inserção, Fanon elabora algumas análises acerca do comportamento adquirido pelo homem de cor no contexto do racismo colonial, pois o negro patológico é uma criação do colonialismo. A partir dessas constatações psicanalíticas, Fanon destaca os valores culturais inerentes aos homens negros; percebe os homens brancos dentro da sua perspectiva civilizatória e desenvolve uma investigação da ancestralidade negra. Direcionando-se para a antiguidade negra, ele tentou justificar que o negro não era aquele ser que o branco construiu dentro da estrutura colonial: um sujeito selvagem, desprovido de qualquer humanidade e, portanto num estágio intermediário da raça humana. Nessa empreitada, Fanon tinha como aliado alguns intelectuais notáveis, cujas contribuições foram decisivas para a perspectiva de destruição do negro produzido pela civilização européia. Aimé Césaire, Senghor e Alioune Diop foram os principais intelectuais que contribuíram para o desenvolvimento de suas análises. Migrante da América central, Fanon pensa Pele negra, máscaras brancas num país que não se considerava racista. A França não considerava o racismo como sendo um elemento dos povos latinos, mas uma questão comum às sociedades anglófonas, sobretudo os Estados Unidos e África do Sul, onde as questões raciais se constituíram realidades específicas. Filósofo, ele considerava a libertação do homem negro da realidade a qual foi introduzido pela civilização européia. Para a ocorrência desse processo, seria necessária uma interpretação psicanalítica do problema negro. Essa interpretação tinha como finalidade a descoberta das anomalias afetivas que eram responsáveis pelas estruturas dos complexos de inferioridade. Uma vez que essas estruturas fossem descobertas, tornava-se necessário trabalhar para dissolver esse universo doentio que submerge o negro. Para a realização desse processo, ele observou que o individuo deve se direcionar ao universalismo inerente a condição humana. Contudo, para chegar a esta solução é indispensável à neutralização de uma serie de taras e seqüelas do período infantil. A partir do momento em que as coisas materiais, as realidades econômicas e sociais, tomarem os seus devidos lugares, o negro será autenticamente desalienado. A libertação que o autor propõe, significa a retirada do homem de cor do universo mórbido criado pelo colonizador europeu.” No contexto do imperialismo e colonialismo, o europeu é o sujeito responsável pela colonização e, portanto, pela alienação. Como o colonizador, o europeu é também o sujeito responsável pelas conseqüências desse sistema: criação de um homem alienado e inferior, sujeito até então inexistente na perspectiva de Fanon. O negro no contexto da colonização européia é uma vítima da opressão colonial. Fanon destaca que o antagonismo entre colonizador e colonizado é acentuado pelo racismo. Dessa forma, o autor considera a condição assumida pelo negro no plano do colonialismo. O negro considerado em Pele negra, máscaras brancas é aquele criado nas circunstâncias da colonização européia. Nesse sentido, Fanon considera a ancestralidade negra para contrastar o negro no pré e pós-colonização. Ele tenta, desse modo, evidenciar as circunstancias e os mecanismos adotados para a configuração do racismo entre duas culturas distintas, mas não necessariamente opostas. A suposta superioridade branca introduziu nos homens negros um complexo de inferioridade. Esse processo foi pautado pela construção da dependência do negro em relação ao branco colonizador em todas as dimensões consideradas integrantes da civilização branca. Acerca da luta contra a política colonial que moldou o comportamento do negro, Simone Caputo destaca que os movimentos de afirmação da identidade negra ultrapassaram os limites da literatura. A criação poética se associava ao ato político e não era apenas uma arte pela arte. Através dessa arte, os movimentos de afirmação enfrentaram a ordem colonial, o imperialismo e o racismo. Nesse contexto, foi possível “defender e ressignificar a identidade africana.” Embora hajam algumas interpretações acerca dos movimentos de negritude e de outros movimentos correlatos que os entendem como falsas profecias, é preciso considerar que essa foi à arma que tornou insustentável a permanência das metrópoles européias nas colônias africanas. Fanon foi, sem dúvida alguma, uma base sólida para a consolidação e projeção do movimento de negritude, uma vez que ele entendeu como fundamental o resgate da auto-estima das vítimas da colonização. Para ele, o negro alienado é uma construção histórica; é um episódio datado no tempo. A destruição dessa criação se passa pela libertação do homem de cor das patologias que lhe foram imputadas pelas políticas imperialistas. O negro analisado em Pele negra, máscaras brancas segundo é aquele originário da racionalidade européia. Para Fanon, o racismo não estar inserido apenas no aspecto econômico, mas nas estruturas da sociedade racista como. Ele destaca a África do Sul como exemplo de sociedade onde o racimo compõe as estruturas da sociedade. Numa análise impactante para um contexto caracterizado pela relação colônia-metrópole, o filósofo constatou que o negro construído pelo racismo colonial, fundamentava-se na irracionalidade do europeu. É a partir desta constatação que ele inicia um processo de re(descoberta) do autêntico negro. A negritude pode ser caracterizada como um movimento múltiplo e amplo, que se adequou à realidade das diferentes nacionalidades que foram subordinadas pelas metrópoles européias. Apesar de múltiplo, havia um ponto comum nesse movimento que se materializava na proposta de resgate e de reconstrução das identidades negras. Era comum nesse movimento a perspectiva de sepultar a assimilação da civilização branca pelos negros. De acordo com Caputo a literatura negra “pregava a revalorização do negro, o anti-escravagismo, o regresso às origens africanas, o heroísmo negro, o protesto. ” Ao pensar na ancestralidade negra, Fanon se volta também para a busca do autêntico negro como fator de libertação desses indivíduos criados pela racionalidade européia. Na sua obra, ele destaca a razão, elemento tão cultuado pelo homem branco como um dos principais responsáveis pelo racismo colonial. O autor observa que o negro construído pelo branco não deve ser um produto da verdadeira razão e que, portanto, este não deve se submeter e permanecer nesta construção. Eu tinha racionalizado o mundo e o mundo tinha me rejeitado em nome do preconceito de cor. Desde que no plano da razão, o acordo não era possível, lancei-me na irracionalidade. Culpa do branco por ser mais irracional do que![...] Fui construído com o irracional; me atolo no irracional; irracional até o pescoço[...]. Em sua obra o autor apresenta algumas frases como “só o preto é capaz”, “só o preto tem uma relação mítica com a mãe-terra”. Considera a evolução da humanidade uma irracionalidade e enfatiza a liberdade como peculiar aos negros. “A emoção é negra como a razão é negra.” Todos esses aspectos tinha como finalidade reintegrar o homem de cor na sua a autenticidade, destruída pelo mundo moderno. O branco é um indivíduo irracional dentro do imperialismo europeu. Esse sujeito construiu o negro a partir da racionalidade, atribuindo-lhes a condição de irracional. Fanon se concentra em desconstruir essa racionalidade branca e européia. Ele utiliza algumas expressões míticas como, por exemplo: “caso-me com o mundo! Eu sou o mundo! Assim sendo, ele enfatiza também aquilo que o branco não é. O branco quer o mundo só para si. “O branco tinha descoberto uma poesia que não tinha nada de poético.” Apesar de enfatizar a autenticidade do negro, Fanon não deixou de perceber que ao utilizar esses elementos, poderia se valer da mesma perspectiva do branco europeu. Ao resgatar a ancestralidade, visando sair do universo mórbido, o negro estaria se valendo de alguns mecanismos semelhantes àqueles adotados pelo europeu para estabelecer-se superior. Contudo, esse pensamento de Fanon foi fundamental para que os movimentos de afirmação ganhassem dimensão e consistência, uma vez que os aspectos ancestrais foram utilizados para a recuperação dos valores dos negros e para reabilitá-los no universo expropriado pela colonização européia. Referências bibliográficas CAPUTO, Simone. Caminho da Negritude na poesia Moçambicana. Disponível em: acesso em maio de 2009 FANON, Franz. Trad.: Renato da Silveira. Pele negra, máscaras brancas. Salvador: EDUFBA, 2008. GORDON, Lewis R. Prefácio. In: Pele negra, máscaras brancas. (org.) FANON, Franz. Salvador: EDUFBA, 2008 IANNI, Octavio. Dialética das relações raciais. Estudos Avançados, vol.18 n°50, São Paulo Jan./Apr. 2004. SILVA, Marina da. Contra os imperialismos. Le Monde Diplomatique Brasil, 2000. Disponível em:< https://www.diplomatique.org.br/print.php?tipo=ac&id=206>. Acesso em maio de 2009