Através desta resenha pretendemos analisar o segundo capítulo do livro “O Grande massacre de gatos”, do autor Robert Darnton, que é intitulado: “Os trabalhadores se revoltam: o grande massacre de gatos na Rua Saint-Séverin”.

Iremos ter como foco principal os diferentes costumes referentes ao cotidiano dos franceses no século XVIII, e como os mesmos visavam ou interpretavam um massacre de gatos.

O autor Robert Darnton analisa um relato de um operário que se chamava Nicolas Contat, no século XVIII, cuja, sua alegria era imensa em estar falando sobre um massacre de gatos. Darnton realiza uma aproximação considerável em relação à cultura folclórica popular para análise e desenvoltura de seu trabalho.

Iremos destacar qual o escrito de Nicolas Contat, que o autor analisa e em seguida iremos destacar as principais considerações que Darnton realiza em relação ao escrito. Iremos perceber as relações da revolta com o imaginário popular francês no século XVIII.

Dormiam num quarto sujo e gelado, levantavam-se antes do amanhecer, saíam para executar tarefas o dia inteiro, tentando furtar-se aos insultos dos oficiais (assalariados) e aos maus-tratos do patrão (mestre), e nada recebiam para comer,a não ser as sobras. Achavam a comida especialmente mortificante. Em vez de jantar à mesa do patrão, tinham de comer os restos de seu prato na cozinha. Pior ainda, o cozinheiro vendia, secretamente, as sobras, e dava aos rapazes comida de gato – velhos pedaços de carne podre que não conseguiam tragar e,então,passavam para os gatos, que os recusavam [...] Uma paixão pelos gatos parecia ter tomado conta das gráficas, pelo menos entre os patrões, ou burgueses, como os chamavam os operários. Um certo burgês tinha vinte e cinco gatos. Mandou pintar seus retratos e os alimentava com aves assadas. Por outro lado, os aprendizes tinham que aturar uma profusão de gatos de rua, e eles também proliferavam no distrito das gráficas, infernizando a vida dos rapazes. Uivavam a noite toda, no telhado do sujo quarto de dormir dos aprendizes, impossibilitando uma noite tranqüila de sono [...] eles começavam o dia num estado de exaustão, enquanto o burguês dormia até tarde.

(DARNTON, 1986, p.103)

Nesta primeira nota que diz respeito ao escrito de Nicolas Contat, percebemos as condições sub-humanas em que os operários e aprendizes eram tratados. Em muitas das ocasiões os gatos eram tratados de forma mais humana do que os próprios trabalhadores. Os operários possuíam certas magoas pelos patrões, pois os mesmos

levavam uma melhor vida, podiam dormir até tarde, dormiam em locais apropriados, enquanto os trabalhadores sofriam com suas condições precárias de sobrevivência, sem direito a uma refeição decente e também longe de condições humanas de sobrevivência.

Darnton destaca o imaginário dos trabalhadores, pois temos claro no relato do operário a distinção de realidades, entre operários e patrões. Dentro da cultura folclórica francesa em um passado não muito distante, trabalhadores e patrões viviam harmoniosamente, dormiam e conviviam debaixo do mesmo teto, não possuíam distinção social. De acordo com Darnton os trabalhadores estavam buscando reacender este passado através do massacre de gatos, pois não podemos analisar este movimento como apenas uma revolta dos trabalhadores contra seus patrões, sem considerar as questões culturais e sociais que baseiam esta realidade.

Devemos perceber a relação entre a cultura popular que esta repleta de simbolismos e o massacre de gatos. Para isso o autor vai enfatizar em seu trabalho a importância que os gatos possuíam na sociedade francesa nos séculos XVI, XVII e XVIII. Os gatos representavam uma figura emblemática, mas que também tal figura está associada a cultura popular, e que muita das vezes o massacre de gatos funcionavam como forma divertimento por toda Europa. De acordo com o autor Robert Darnton a tortura realizada com os animais era uma forma de divertimento. As mesmas ocorriam em festas como: o carnaval, dias de santos, dias comemorativos. Podemos perceber que a tortura de gatos possuía ligações com o cotidiano e mentalidade popular da época. As práticas de torturas de gatos funcionavam também como formas de divertimentos para os indivíduos da época.

A tortura de gatos não correu apenas na França, mas sim em parte da Europa. Não podemos generalizar os diferentes significados de massacre de gatos, ou seja, em cada região tinha-se um significado ao se massacrar ou torturar gatos.

A tortura de animais, especialmente com gatos, era um divertimento popular em toda a Europa, no inicio dos Tempos Modernos. Basta examinar as Etapas da Crueldade, de Hogarth, para verificar sua importância e, quando se começa a procurar, encontram-se pessoas torturando animais em toda parte. (DARNTON, 1986 p. 122)

O imaginário francês sugere a imagem dos gatos como algo ligado a feitiçaria e coisas diabólicas. De acordo com Darnton se alguns indivíduos se deparassem com gatos a noite, estavam se deparando com feiticeiras que estavam indo realizar alguns rituais. De acordo com as lendas e imaginário popular da época, para se livrar do feitiço era preciso alejar o gato, ou enforcá-lo.

Antes de mais nada, os gatos sugeriam feitiçaria. Cruzar com um deles, à noite, praticamente em qualquer parte da França, significava arriscar-se a se deparar com o demônio, com um de seus agentes ou com uma feiticeira indo cumprir alguma malévola missão. Os gatos brancos podiam ser tão satânicos quanto os pretos, de dia ou de noite. (DARNTON, 1986, p. 125)

A imagem mística dos gatos também estava relacionada à sorte no amor. Se um rapaz tratasse bem os gatos, queria dizer que ele iria tratar bem sua esposa, ou, sua companheira no futuro. Sabemos que a figura do gato poderia ser usada em diferentes momentos na cultura francesa, seja em situações de feitiçaria, bruxaria, e também no amor ou no sexo, variava de acordo com o imaginário dos indivíduos naquela sociedade.

Sabemos as diferentes representações que um gato poderia significar naquela sociedade, mas, pensando no caso especifico de massacre de gatos relatado por Nicolas Contat, iremos esmiuçar melhor aquela situação. Podemos apresentar como indagações o porquê um massacre de gatos poderia ser tão engraçado? O massacre de gatos serviu como uma forma de resposta contra os patrões pelas péssimas condições de trabalho que os operários vinham passando.

Outro aspecto que podemos destacar em relação ao massacre de gatos, é a risada. Os operários realizaram tal massacre como forma de aliviar as tensões do dia na fábrica. A rotina dos mesmos era intensa, não possuíam uma vida de trabalho digna, assim, ao mesmo tempo em que o massacre de gatos funcionava como uma vingança, o mesmo também demonstra um caráter de lazer e divertimento por parte dos trabalhadores.

Os operários usaram a feitiçaria como desculpa para a morte dos gatos, uma vez que os mesmos incomodavam muito a noite. Assim, os operários usaram os animais para atingirem seus patrões. Desta maneira os trabalhadores usaram a velha cura contra

a feitiçaria dos gatos, a mutilação. Está ação está inteiramente ligada com o imaginário popular da época, onde se curava feitiçaria com caça e tortura e morte dos gatos.

Para os aprendizes, era uma piada. Léveillé, em particular, funcionava como um brincalhão, um falso “feiticeiro”, encenando um falso sabá, de acordo com as expressões escolhidas por Contant. Não apenas os aprendizes exploraram a superstição do patrão, para fazer folias às suas custas, mas também dirigiram sua rebelião contra a patroa. Atacando a cacetadas sua familiar la grise, na verdade a acusaram de ser feiticeira. (DARNTON, 1986 p. 129)

Os trabalhadores usaram a mentalidade popular e suas magoas para se revoltarem contra seus patrões. Em relação à patroa, se vingaram quando mataram sua gata de estimação e logo em seguida a acusaram de feiticeira. Este ato de revolta por parte dos trabalhadores também representa uma relação de ordem horizontal e não vertical. As relações humanas por mais que estejam cercadas de hierarquias, devem ser analisadas como um contrato social, ou seja, as relações humanas não são construídas apenas por um viés, e sim por vários seguimentos. Quando os trabalhadores resolvem se rebelarem contra seu patrão, realizam isso de forma inteligente, onde não podiam ser prejudicados, uma vez que a prática de mutilação e caça aos gatos eram aceitas socialmente por grande parte dos indivíduos.

Em ralação a forma engraçada que os trabalhadores ou operários levaram este ato, se da por algumas explicações: em primeiro lugar, este ato significou uma forma de se vingarem dos patrões. Em segundo momento usaram o massacre como um caça as bruxas, e usaram esta justificativa para matarem a gata de estimação da família, a la grise. A gata também serviu como uma forma de vingança contra a patroa, pois no momento da realização de massacre os indivíduos imaginaram a gata como a esposa do patrão, apontado a mesma como uma puta e insinuando que o patrão era um corno. De certa forma estes não foram às únicas formas de ridicularização usadas pelos trabalhadores contra seus patrões, mas que foram de suma importância para o sucesso do ato.

Feitiçaria, orgia, traição sexual, baderna e massacre, os homens do Antigo Regime podiam escutar muita coisa no gemido de um gato. O que os homens da Rua Saint-Séverin realmente ouviram é impossível dizer. Só podemos afirmar que os gatos tinham enorme peso simbólico no folclore e que a tradição era rica,

antiga e disseminada o bastante para penetrar na gráfica. (DARNTON, 1986 p. 129)

Podemos concluir o quanto o imaginário popular Frances da época influenciou os operários com o massacre de gatos. Por trás deste ato possuía um ato de vingança contra os patrões que de certa forma tratavam seus funcionários de uma forma pior do que tratavam seus gatos. Os funcionários usaram todo um costume da época, de se caçar gatos para se vingarem de seus patrões, uma vez que os gatos eram relacionados como feiticeiras, de acordo com o imaginário popular. Este ato não pode ser analisado de forma homogênea, mas sim, de forma heterogênea, pois envolve diversas situações que estão interligadas com a história cultural, relacionada com os entremeios da sociedade. A figura do gato possui um caráter de metáfora, ou seja, usaram os gatos para outros fins, como forma de vingança e de alívios de tensões sociais e condições desfavoráveis de trabalho.

REFERÊNCIAS:

DARNTON, R. O grande massacre de gatos e outros episódios da história cultural francesa. Rio de Janeiro: Graal. 1986.