RESUMO

Este artigo tem como intenção analisar a influência cultural dos africanos no Brasil. Por meio da revisão bibliográfica observa-se o intenso intercâmbio cultural ocorrido entre os escravos africanos, os indígenas e os europeus. Essas trocas culturais ocorridas por vários séculos durante o período colonial brasileiro contribuíram para a formação de uma cultura híbrida e bastante rica. No que se refere à contribuição africana é evidente, principalmente, na culinária, dança, religião, música e língua. Percebe-se, que, essa matriz africana teve um papel importante na formação e delineamento da identidade cultural afro-brasileira, uma que, os escravos possuíam uma grande diversidade cultural devido à sua origem distinta e por pertencerem a diversas etnias com idiomas e tradições distintas, pois, eram oriundos de diversas regiões do continente africano. Já, no Brasil esses africanos souberam assimilar, interpretar e recriar certas práticas de outras culturas com os quais estiveram em contato.

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Introdução

A influência africana no processo de formação da cultura afro-brasileira começou a ser delineada a partir do tráfico negreiro. Quando milhões africanos "deixaram" forçadamente o continente africano e despontarem no Brasil para exercer o trabalho compulsório.

O escravo africano era um elemento de suma importância no campo econômico do período colonial sendo considerado "as mãos e os pés dos senhores de engenho porque sem eles no Brasil não é possível fazer, conservar e aumentar fazenda, nem ter engenho corrente" (ANTONIL, 1982, p.89). Contudo, a contribuição africana no período colonial foi muito além do campo econômico, uma vez que, os escravos souberem reviver suas culturas de origem e recriarem novas práticas culturais através do contato com outras culturas.

É importante salientar que não houve uma homogeneidade cultural praticada pelos negros africanos, visto que imperava uma heterogeneidade favorecida pelas origens distintas dos africanos, que apesar de oriundos do continente africano, geralmente os escravos apresentava uma prática cultural diferenciada em alguns aspectos devido à região que pertencia, pois a África caracteriza-se em um continente dividido em países com línguas e culturas diversas.

Além da prática cultural diferenciada ressaltada, os africanos, ainda, incorporaram algumas práticas européias e indígenas, além de, influenciá-los culturalmente.O intercâmbio cultural entre os elementos citados contribuiu para uma formação cultural afro - brasileira híbridae bastante peculiar.

Desenvolvimento

Ao longo do período colonial e monárquico brasileiro foi grande o contingente de escravos africanos no Brasil, visto que, constituía a maior mão - de - obra do período. A contribuição desses escravos foi além da participação econômica, uma vez que, foram inserindo suas práticas, seus costumes e seus rituais religiosos na sociedade Brasileira contribuindo, dessa forma para uma formação cultural peculiar no Brasil.

Importante, ressaltar que as práticas desses escravos africanos eram diferenciadas, pois eles eram oriundos de pontos diferentes do continente africano. De acordo com VAINFAS (2001 p.66), durante o período colonial, quase nada se sabia sobre a origem étnica dos africanos traficados para o Brasil. Porém, ao longo do período passou-se a designá-los a partir da região ou porto de embarque, ou seja, das áreas de procedência.

Apesar da origem diversa dos escravos africanos, dois grupos se destacaram no Brasil: os Bantos e os Sudaneses. Os bantos foram assim, classificados devido à relativa unidade lingüística dos africanos oriundos de Angola, Congo e Moçambique.

Vainfas (2001, p. 67) destaca que:

Os povos bantos predominaram entre os escravos traficados para o Brasil desde o século XVII, concentrando-se na região sudeste, mas espalhados por toda a parte, inclusive na Bahia. (...) Os Bantosoriundos do Congo eram chamados de congo, muxicongo ,loango, cabina, monjolo, ao passo que os de Angola o eram de massangana, cassange, loanda, rebolo, cabundá, quissamã, embaca,benguela.

Essa diversidade fez com os Bantos apresentassem uma especificidade cultural, notadamente na lingüística, nos costumes e, principalmente, no campo religioso, que mesclou aspectos do cristianismo com suas tradições religiosas.

De acordo com Kavinajé (2009, p. 3):

Os bantos, depois de um primeiro período de autonomia religiosa, que se conhece através de documentos históricos, assistiram à transformação de seus cultos. Por um lado, esses deram lugar á macumba; por outro, amoldaram-se às regras dos condomblés nagôs, não se distinguindo deles senão por uma maior tolerância. Os cultos bantos em gradativo declínio acolheram os espíritos dos índios, o que iria levar ao surgimento de um "condomblé de cablocos", e adotaram cantos em língua portuguesa, ao passo que os condomblés nagôs só usam cantos em língua africana.

Já os sudaneses provenientes da África ocidental, Sudão e da Costa da Guiné, contribuíram culturalmente para a formação de uma identidade afro-brasileira, visto que muito de suas práticas culturais imperam atualmente como, por exemplo, o candomblé, prática religiosa dos escravos sudaneses.

No Brasil estes grupos: bantos e sudaneses misturaram-se resultando em cruzamentos biológicos, culturais e religiosos.

De acordo com Paiva (2001, p.36):

Misturavam-se informações, assim como etnias, tradições e práticas culturais. Novas cores eram forjadas pela sociedade colonial e por ela apropriadas para designar grupos diferentes de pessoas, para indicar hierarquização das relações sociais, para impor a diferença dentro de um mundo cada vez mais mestiço. Da cor da pele à dos panos que a escondia ou a valorizava até a pluralidade multicor das ruas coloniais, reflexo de conhecimentos migrantes, aplicados à matéria vegetal, mineral, animal e cultural.

Nota-se que o cruzamento cultural entre estes povos africanos propiciou a construção de uma identidade cultural brasileira, ou cultura afro-brasileira. Uma vez que, eles não temeram em "inventar códigos de comportamentos e de recriarem praticas de sociabilidade e culturais" (Paiva 2001, p.23). Assim, este cruzamento foi resultado de um longo processo que propiciou uma riqueza cultural peculiar ao Brasil.

De acordo com Paiva (2001, p.27), pode-se caracterizar este cruzamento cultural como resultante de uma aproximação entre universos geograficamente afastados, em hibridismos e em impermeabilidades, em (re) apropriações, em adaptações e em sobreposição de representações e de práticas culturais.

Assim, a influência africana foi se tornando visível em vários seguimentos da sociedade colonial, tais como culinária, práticas religiosas, danças, dentre outros valores culturais que foram incorporados pela população brasileira.

Sobre a influência africana Freire (2001, p. 343) destaca que:

Quantas "mães-pretas", amas de leite, negras cozinheiras e quitandeiras influenciaram crianças e adultos brancos (negros e mestiços também), no campo e nas áreas urbanas, com suas histórias, com suas memórias, com suas práticas religiosas, seus hábitos e seus conhecimentos técnicos? Medos, verdades, cuidados, forma de organização social e sentimentos, senso do que é certo e do que é errado, valores culturais, escolhas gastronômicas, indumentárias e linguagem, tudo isso conformou-se no contato cotidiano desenvolvido entre brancos, negros, indígenas e mestiços na Colônia.

Ainda de acordo com Freyre (2001, p. 346), a nossa herança cultural africana é visível no jeito de andar e no falar do brasileiro, pois:

Na ternura, na mímica excessiva, no catolicismo em que se deliciam nossos sentidos, na música, no andar, na fala, no canto de ninar menino pequeno, em tudo que é expressão sincera de vida, trazemos quase todos a marca da influência negra. Da escrava ou sinhama que nos embalou. Que nos deu de mamar. Que nos deu de comer, ela própria amolegando na mão o bolão de comida. Da negra velha que nos contou as primeiras histórias de bicho e de mal-assombrado. Da mulata que nos tirou o primeiro bicho- de- pé de uma coceira tão boa. De que nos iniciou no amor físico e nos transmitiu, ao ranger da cama- de- vento, a primeira sensação completa de homem. Do muleque que foi o nosso primeiro companheiro de brinquedo. (Freyre (2001,p. 348)

Observa-se que de acordo com a citação acima a influência africana foi além cozinha e da mesa, chegando até a cama, pois era comum a iniciação sexual do "senhorzinho" branco ocorrer com uma escrava.Comum também era a prática de feitiços sexuais e afrodisíacos pelos escravos, pois foi na "perícia e no preparo de feitiços sexuais e afrodisíacos que deu tanto prestigio a escravos macumbeiros juntos a senhores brancos já velhos e gastos." Freyre (2001, p. 343),

A influência do escravo negro na vida sexual da família brasileira é destacada por, Freyre (2001, p. 381), assim:

(...) O grosso das crenças e práticas da magia sexual que se desenvolveram no Brasil foram coloridas pelo intenso misticismo do negro; algumas trazidas por ele da África, outras africanas apenas na técnica, servindo-se de bichos e ervas indígenas. Nenhuma mais característica que a feitiçaria do sapo para apressar a realização de casamentos demorados. O sapo tornou-se também, na magia sexual afro-brasileira, o protetor da mulher infiel que, para enganar o marido, basta tomar uma agulha enfiada em retrós verde, fazer com ela uma cruz no rosto do individuo adormecido e coser depois os olhos do sapo.

Além da influência na vida sexual destacado no clássico Casa Grande e Senzala, merecem ênfase as canções que foram modificadas pelas negras.

Também as canções de berço portuguesas, modificou-se a boca da ama negra, alterando nelas palavras; adaptando-as às condições regionais; ligando-as às crenças dos índios e às suas. Assim a velha canção "escuta, escuta menino" aqui amoleceu-se em "durma, durma, meu filhinho", passando Belém de "fonte" portuguesa, a "riacho" brasileiro. Freyre (2001, p. 380)

Observa-se que as amas apropriaram-se das canções de origem portuguesa e as recriaram, dando um toque especial, o toque africano. Isso é perceptível na "infantilização" das palavras das canções.

"A linguagem infantil também aqui se amoleceu ao contato da criança com a ama negra. Algumas palavras, ainda hoje duras ou acres quando pronunciadas pelos portugueses, se amaciaram no Brasil por influência da boca africana. Da boca africana aliada ao clima - outro corruptor das línguas européias, na fervura por que passaram na América tropical e subtropical. Freyre (2001, p. 382)

Deste modo, foi se delineando a língua falada no Brasil, a língua portuguesa que foi amplamente influenciada pelo modo de falar dos escravos africanos.

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