A cultura e a questão da identidade

Renilfran Cardoso de Souza

(Graduado em História e Pós – graduado em Ensino de História)

De acordo com Sodré, falar de cultura no Brasil é falar antes de mais nada, de uma civilização transplantada, pois nada que aqui tinha não era interessante para o europeu. Dessa forma, o Brasil surge através do reconhecimento das terras portuguesas, onde Portugal descobrirá o que de fato a colônia irá lhe oferecer economicamente.

Diante desse processo de colonização, o Brasil passa a ter a influência do índio, negro e do branco. Esses irão dar forma à heterogeneidade existente na formação da sociedade brasileira, através dos valores culturais de cada um.

(...) Há somente a ponderá que o fato da limitação e deturpamento das tradições portuguesas, longe de ter sido um mal, foi um benefício inconsciente elaborado pela história, porquanto por outra forma o elemento português teria suplantado todos os outros, e nós não passaríamos agora de uma cópia servil de Portugal, o que por certo seria ainda pior que o nosso atual Estado [1]

Esse processo de "transplantação[2]" da cultura metropolitana imposta por Portugal ao Brasil nos possibilita entender o quão foi brutal a descrostrução da cultura indígena e de seus valores já enraizados dentro do seu cotidiano.

O processo civilizador foi só o começo de tantos outros de imposição cultural. Se para muitos, a invasão européia fez crescer e dar nome ao nosso Brasil, para outros, através dela a realidade cultural brasileira recebeu danos irreparáveis para a formação da identidade brasileira.

Nos finais do século XX antropólogos vem discutindo de forma ampla, conceitos que definam o caráter de "Cultura". Em meio a tantas definições, em um determinado tempo, denominaram cultura[3]: como um comportamento que se aprende objetos materiais e objetos imateriais e idéias e abstrações.

Alguns traços culturais são simples objetos, ou seja, cadeira, mesa, brinco, colar, machado, vestido, carro, habitação etc. Os traços culturais não materiais compreendem atitudes, comunicação, habilidades. Exemplo: aperto de mão, beijo, oração, poesia, festa, técnica artesanal etc. [4]

Dessa forma, os padrões estabelecidos pela própria sociedade, no qual o indivíduo faz parte, desenvolve padrões que se diferenciam de acordo com o pensar de cada região, comunidade, país. A repetição de fatores culturais apresentados de forma espontânea, por cada ser humano, aos poucos vão sendo considerados como um modelo cultural do meio social.

A cultura é compreendida como um fator dinâmico, que tem a capacidade de estar se renovando de acordo com o contato com outros grupos. Pode haver momentos que a cultura permaneça de forma singular, sem haver nenhum processo de avanço cultural, como também há momentos que a cultura está em constante movimento.

O contato com outra cultura pode proporcionar mudanças grandes ou não, depende da aceitação entre as pessoas. O próprio fator migratório[5], as inovações tecnológicas, epidemias, fome, guerras contribuem para que haja uma alteração de comportamentos dentro do ambiente social.

O imigrante perde a paisagem natal, a roça, as águas, as matas, a caça, a lenha, os animais, a casa, os vizinhos, as festas, a sua maneira de vestir, o entoado nativo de falar, de viver, de louvar a seu Deus. Suas múltiplas raízes se partem. Na cidade, a sua fala é chamada "código restrito" pelos lingüistas; seu jeito de viver, "carência cultural"; sua religião, crendice ou folclore. Seria mais justo pensar a cultura de um povo migrante em termos de desenraizamento. Não buscar o que se perdeu: as raízes já foram arrancadas, mas procurar o que pode renascer nessa terra de erosão. [6]

O processo colonizador brasileiro contribuiu para que a cultura brasileira representasse um repertório pluralizado de manifestações populares que refletem em nosso cotidiano. Certamente, há quem julgue ou julgasse que fazemos parte de uma cultura única, com qualidades específicas para representar uma identidade nacional.

Dentro do processo histórico estabelecido, a própria cultura brasileira é considerada heterogênia, compreendida por um caráter de diversidades culturais que se manifestam de forma latente, dentro do universo étnico que o Brasil reconhece. Assim, esse movimento cultural vem distribuído de diversos costumes que se entrelaçam nas configurações simbólicas, formando um conjunto de práticas culturais.

As diversas influências sofridas dentro de um determinado espaço implicam consideravelmente para que uma determinada cultura reveja seus costumes, quando está a frente do novo.

A movimentação do cotidiano brasileiro faz manter uma relação tríplice cultural: cultura popular, cultura de massa e cultura erudita. Essas distinções formaram um panorama real do povo brasileiro em relação à formação e disseminação de culturas.

A venda do produto cultural, agora é vigor para a sobrevivência no planeta. A própria cultura erudita, tão seleta e tão astuta, é condicionada pelo mercado consumidor, a ser mais flexível. E a cultura popular, tão exótica e tão julgada, passa a subir degraus, mesmo que salvaguardada pelas concepções de Estado.

O consumo geral torna-se fator natural para a fabricação do desenvolvimento capitalista, utilizando de subsídios dos meios de comunicações, para a disseminação ideológica de seus produtos. A TV, o rádio, jornais, internet, telefone, dão maior visibilidade para atingir o maior número de pessoas em menor tempo.

Esse universo de sonhos, de possibilidades, estão presentes nas determinações impostas pelo consumismo através da cultura de massa. O desejo do vim a ter, faz o ser humano estar cada vez mais distante da sua realidade, da sua essência, do seu universo cultural.

A vida da cultura popular se constrói através de forma repetitiva de viver o cotidiano do povo. Criar raízes e está sempre ligada ao fator dinâmico existente na zona rural, é característica da cultura popular. Dessa forma, nada se compara ao ambiente fugaz que é construído o sistema da indústria cultural.

A cultura erudita, a soberana, a que sempre foi capaz de desmembrar cientificamente o porquê das coisas, diante das diversas culturas, mantém seu desejo de liberdade, mas não impera sozinha. Sua capacidade crítica permanece singular e livre para pensar.

Diante desse contexto pluralizado, cheio de representações culturais, símbolos, construções ideológicas, identidades, manifestações, o universo cultural não se encontra solto, desorganizado. Ele vive e avança na imaginação do homem social.

REFERÊNCIAS

AYALA, Marcos et al. Cultura popular no Brasil. 2. ed. São Paulo: Ática, 2003. p.13

BOSI, Ecléa. Cultura e desenraizamento. In: BOSI, Alfredo (Org.) Cultura brasileira: temas e situações. 4. ed. São Paulo: Ática, 2004. p.18

BOSI, Ecléa. Cultura e desenraizamento. In: BOSI, Alfredo (Org.) Cultura brasileira: temas e situações. 4. ed. São Paulo: Ática, 2004.

MARCONI, Marina de Andrade; PRESOTTO, Maria Neves. Antropologia: uma introdução. 6.ed. São Paulo: Atlas, 2006. p.33

ORTIZ, Renato. Cultura brasileira e identidade nacional. São Paulo: Brasiliense, 2006.

SODRÉ, Nelson Werneck. Síntese de história da cultura brasileira. 20. ed. Rio de Janeiro: Bertrand, 2003. p.



[1] Cf. AYALA, Marcos et al. Cultura popular no Brasil. 2. ed. São Paulo: Ática, 2003. p.13

[2] Cf. SODRÉ, Nelson Werneck. Síntese de história da cultura brasileira. 20. ed. Rio de Janeiro: Bertrand, 2003. p.10

[3]Cf. MARCONI, Marina de Andrade; PRESOTTO, Maria Neves. Antropologia: uma introdução. 6.ed. São Paulo: Atlas, 2006. p.33

[4] Ibid. p.33

[5] Ibid. p.42

[6] Cf. BOSI, Ecléa. Cultura e desenraizamento. In: BOSI, Alfredo (Org.) Cultura brasileira: temas e situações. 4. ed. São Paulo: Ática, 2004. p.18