''homens úteis à Família, à Pátria e sociedade em que vivem'''2

O trabalho aqui apresentado é resultado de uma pesquisa que analisa as atas da associação Centro Operário Cívico e Beneficente em Ponta Grossa - PR. O recorte proposto entre 1º de Maio de 1929 e a mesma data de 1930, notabiliza um ambiente onde os trabalhadores proporcionaram a si mesmos a oportunidade de organizar o seu ''tempo livre'' por meio de atividades desenvolvidas.

Perpassando as fontes e evidenciando o relacionamento dos operários, esse trabalho discute como esses se relacionavam na organização e como essa se comporta no interior da sociedade ponta-grossense. Dentro do recorte previsto pela pesquisa se totalizam 24 atas disponíveis na Casa da Memória Paraná3.Entre o conteúdo das fontes, a coletividade aparece provida de práticas situadas e previstas nos eventos que proporcionaram sentido a existência de um Centro Operário.

Solenidade de inscrição dos membros do Centro Operário e aclamação de sua primeira Diretoria, 28 de Abril de 1929: ''Data tão cara para o homem do trabalho [inclusive] para os operários de Ponta Grossa, mais grata ainda, pois que o Centro de sua classe, iria ter naquele dia sua instalação oficial'', era assim referido o dia 1o. De Maio pelo secretário Affonso Braune. A data de fundação do Centro Operário estava marcada para uma grande festa do dia do trabalho.

Essa citação é mais um recorte do que sobraram daqueles momentos, reuniões, solenidades e assembléias compostas por trabalhadores e membros da sociedade civil, foram suas atas. Todas registradas e aprovadas pelos membros da Diretoria e da Conselho Fiscal4, isso num primeiro instante pode definir o peso de participação dos operários em um tipo de organização que carregava consigo um nome e que produzia um discurso que era direcionado ao amparo do próprio operário.

Para além de identificar a existência desses documentos, uma análise apurada não satisfaz e não propõe apenas entender a posição que essas atas cumpriam dentro da entidade. Esse sim, seria um trabalho mais rápido, mais reduzido e mais fácil de se fazer. Entretanto, em um outro caso, não se torna suficiente apenas transcrever o sentido político e social que fora disposto ao cotidiano do movimento operário, mas sim, resgatar no registro dos autos como era constituído aquele movimento.

As solenidades e reuniões, sendo articuladas pelos membros do Centro afim de tratar de atividades coletivas, aparecem como indicativos da sociabilidade desses membros5. Entretanto, apenas perceber o convívio dos associados nessas atividades, também conclui o trabalho e não soluciona diversos questionamentos sobre o documento. É preciso constatar como tais atividades influenciam no sentido político e social que é proporcionado ao Centro Operário de forma a não deslocarmos a pesquisa ao meio do caminho, mas procurando resolver demais questionamentos.

São nessas oportunidades, que percebemos a evidência de uma série de personagens do Centro Operário. Descobrindo quem são alguns desses membros é que percebemos donde surgem seus posicionamentos. No interior das atas, optei por atentar-me aos assuntos políticos. Percebendo com o decorrer da pesquisa que esses, apesar de omitidos, acabam de uma forma ou de outra sendo tratados no documento, significando o que aqueles indivíduos entendiam por movimento operário.

Percebendo que o Centro Operário Cívico e Beneficente (COCB) se inseriu num contexto de profunda transformação na cidade Ponta Grossa6 e perante um conjunto de mudanças expressas nas relações de produção em todo Brasil, esse texto também procura correlacionar essa conjuntura com o movimento operário criado dentro da associação. A produção e o consumo do discurso pelos próprios membros da associação e de sua relação com a sociedade ponta-grossense são indicativos para demonstrar o jogo de relações onde o Centro se coloca e como a figura do operário é construída em seu interior.

Apesar da existência de tais assuntos políticos, a maioria das atas verificadas, no período estudado, trata de questões cotidianas como assuntos financeiros e jurídicos, manutenção da sede e administração dos fundos, agradecimentos e condecorações a membros do Centro, convocação a jogos esportivos e demais eventos da sociedade ponta-grossense.

Apesar do conteúdo das atas ser o objeto dessa pesquisa, outras fontes se correspondem e proporcionam tonalidade e informações importantes ao trabalho.O acervo do Centro Operário, além das atas e do seu estatuto, possui um Livro de Inscrições de Sócios que registra a participação de 1148 membros na entidade assim como o seu Livro de Mensalidades que detalha informações como endereço residencial de uma parte considerável dos membros e onde cada um deles trabalhava (COCB. Livro de Inscrições de Sócios; Livro de Mensalidades [1929]; Livro Caixa [1929]).

Definitivamente, a presença do Centro Operário na sociedade ponta-grossense não é algo que pode ser referenciado apenas pela leitura das discussões das atas (COCB, Ata 24). A evidência do seu número de participantes em contrapartida aos números da população ponta-grossense7, compromete o trabalho em considerar a importância dessa entidade naquele momento. Perante toda uma dinâmica social, não se coloca outra hipótese do que ligar o texto das atas ao contexto ocasionado nas relações sociais de Ponta Grossa.

O conteúdo das atas quando transmite convites a eventos da cidade, coloca o Centro como mais uma entidade de referência para Ponta Grossa. Além de as convocatórias para suas assembléias serem publicadas em todas as indústrias da cidade (COCB, Ata 05). Mostrando a importância da organização operária nesse instante para a cidade. O Centro Operário é a única entidade operária de Ponta Grossa da primeira metade do novecentos que sobrevive até os dias atuais8.

Classe Operária e Cultura Operária: Uma outra história do tempo livre

Percorrendo algumas matrizes teóricas pertinentes ao trabalho, algumas terminologias irrompem ao texto, entretanto, de forma a serem discutidas e não serem consideradas definidas para explicar a complexidade social. Essa proposta não se apresenta como última e definitiva, procura contribuir com toda a discussão que se desencadeia hoje no ambiente acadêmico. Os conceitos aqui discutidos procuram auxiliar no entendimento do cotidiano dos operários, algo expressado nas atas.

A trajetória dos trabalhadores pode representar o percurso de uma classe. Mas é somente a partir das experiências vividas em comum que os operários se configuram nesse coletivo. Para Karl Marx e Friederich Engels: ''os indivíduos separadamente formam uma classe apenas na medida em que levam a cabo uma batalha comum contra outra classe'' (MARX & ENGELS, 2002, P. 45).

O que tem se procurado reconhecer, é que o cotidiano dos trabalhadores não se partilha apenas em relações de conflito. Essa não é a única história. A ressignificação dessa luta de classes se estipula na questão de que a inexistência dessa batalha comum e direta entre as classes não significa a inexistência das classes sociais.

O operário passa a ser mais um personagem do cotidiano. Para além da fábrica e para além da greve, esse também se assume na roupagem de mães e pais de família, freqüentadores do bingo da Paróquia, figuras carimbadas do bar mais próximo, compradores à fiado e fiéis da mercearia da esquina, apreciadores da rádio AM que toca música popular, entre outros. Desconsiderar essa outra parte das suas vidas, ou colocá-los unicamente como peças da força do trabalho ou como componentes de uma luta social que inspira nossas paixões, é uma tarefa que pode partir da caneta do intelectual de forma a involuntariamente simplificar a História.

O equívoco se desloca na tentativa de proporcionar um papel histórico e político àquele proletariado9. Olhando para o passado, o que surpreende nesse tipo de produção acadêmica – ou academicista – é que a tarefa de considerar o cotidiano do trabalhador se postula numa formação de consciência não como foi, mas sim, como deveria ter sido.

Os trabalhadores elaboram uma cultura também quando se apresentam no seu tempo-livre (time-off). Nesse cotidiano reconhecemos atividades distintas, seja além do trabalho e da organização trabalhista-sindical como também no seu lazer.

Realçar essa discussão interessa aqui para perceber como esse tempo-livre é administrado pelos membros do Centro Operário Cívico e Beneficente e como isso se representa num discurso que constrói a imagem do operário. Nesse caso, essa imagem colocada no interior das atas serve para reconhecermos um conceito de classe em si, ou seja, constituído pelos próprios membros nas dependências da sua organização operária - ao momento em que eles se auto-proclamam ''proletários'' ou ''classe obreira'' nas atas da associação (COCB, Ata 11).

Essa proposta, embora seja reafirmada por uma suposta ressignificação não pode ser referenciada como um tipo de negação às matrizes teóricas anteriores. O historiador passa a explorar os chamados ''silêncios de Marx'' (PESAVENTO, 2003, p. 29).

Segundo E. P. Thompson, os trabalhadores se constituem enquanto classe ''a partir das experiências vividas em comum'' (THOMPSON, 1987, p. 10). Não é a caneta do intelectual que define o último estágio da consciência de classe, consciência e classe não são os primeiros estágios da História dos trabalhadores. A hipótese aqui é proporcionar uma investigação que coloca os trabalhadores enquanto sujeitos da história - a partir do seu fazer-se10.

A cultura aparece como ponto inerente nesse processo de formação dos trabalhadores enquanto title="" href="http://www.webartigosos.com/admin/de/editor.php?name=wysiwyg&refresh=1070782793&alsection=front#_edn10" name="_ednref10">11 dos trabalhadores. Daí a importância de um sobrevôo da História Social do Trabalho12 não somente sobre assuntos relacionados a organizações sindicais. Essa importância também pode ser dada a outros locais onde as experiências podem ser compartilhadas, tais como sociedades recreativas, clubes e associações com fins esportivos13.

O discurso dos personagens do Centro Operário serão colocados aqui, de forma a entender se essas práticas cotidianas eram baseadas no consenso dos membros ou se deixam transparecer tensionamentos e conflitos entre seus membros ao serem abordadas.

O 1o. De Maio: A Fundação do Centro Operário Cívico e Beneficente

A fundação do Centro Operário Cívico e Beneficente passa a significar um novo rumo no movimento operário de Ponta Grossa, sendo que a associação não agrupava simplesmente trabalhadores, mas também, membros da pequena-burguesia, intelectuais, jornalistas e comerciantes14.

O Centro Operario Cívico e Beneficente que procurará por todos os meios o bem estar dos seus componentes da classe operaria local, amparando-os moral e materialmente (...) bem como de comum accordo com as suas co-irmãs do Estado e do Paiz procurará também pelas conquistas das reivindicações dos Homens do trabalho fazendo-se representar (...) nos conclaves onde-se discutem theses que possam interessar os trabalhistas locaes do Estado e da Republica (COCB, Ata 02).

A análise do conteúdo das atas enquanto objetos de pesquisa é realizada a partir do recorte de algumas palavras centrais no texto. A importância é determinada pela freqüência que a palavra é citada no texto ou pela posição que ocupa no discurso. São construídos quatro núcleos de sentidos: Lazer, Beneficência, Cotidiano, Política – esses servem para perceber como cada palavra adentra o discurso, criando o assunto. As palavras, tratadas em destaque, entre aspas, podem auxiliar a compor o significado de representações15 produzidas nas atas do Centro Operário (BARDIN, 1998).

A citação acima apresenta um clima de saudosismo e solidariedade aos trabalhadores do recém-fundado Centro Operário, instaurado na ''defesa'' da classe trabalhadora. O texto apresenta a existência de reivindicações colocadas pelos ''Homens do Trabalho'', apesar de não ser específico quanto a essas e como seriam solucionadas.

Os objetivos do Centro aparecem e a organização dos trabalhadores num primeiro momento cede importância a sua expressão popular perante toda sociedade, o ''operário'' tinhaseu mérito e somente a ''união'' e a ''colectividade'' poderiam construir esses merecidos votos. Considerar a existência dessas palavras e a forma como se posicionam no texto é fundamental para perceber a forma como se articula o discurso.

Pensando o Centro Operário como um espaço onde os trabalhadores possuíam seu tempo-livre, pode-se notar que a sociabilidade dos sócios era em momentos direcionada e mitificada por esses termos. Pensando essa organização operária formada por um coletivo orientado por tais termos, se torna possível entendê-lo como formador de um conceito de classe em si, o que era/deveria ser o trabalhador, como na formação de um auto-retrato. Nesse caso, essa representação contida no texto, é o que elabora uma imagem do operário.

Quando palavras16como ''Estado'' e ''Paiz'' adentram o discurso se interligando com os personagens trabalhadores no seu coletivo - ''Homens do Trabalho'' – conclui-se que a sensibilidade desses com os sentimentos de civismo seriam ocasionados perpassando as mãosdo aparelho institucional do estado.

A priori, tal contatação pode aparentemente se apresentar num campo de obviedade, porém, o aprofundamento dessa análise17 pode proporcionar uma leitura mais fiel a construção do sentimento cívico entre os membros da associação e mostrar que esse não se reproduz apenas no título do Centro Operário.

Nesse momento, a fundação do COCB cede importância não somente a um jogo de relações interno - entre os membros da associação -, mas também asociedade ponta-grossense como um todo. Entre esses elementos, o que chama a atenção na ata é quanto a composição da mesa da primeira reunião. Chamado pelo presidente recém-empossado do Centro Operário, José Deslandes de Sousa, o primeiro convocado a compor mesa, antes mesmo dos membros da diretoria, foi o prefeito de Ponta Grossa, Elizeu de Campos Mello18, sendo esse aclamado como ''amigo da classe trabalhadora'' e respondendo estar em inteira solidariedade a ela.

Esse clima de saudosismo, colocado a partir da solidariedade do Centro se contempla no ''valor'' que possui a classe operária naquela festividade. A imagem do 1o. De Maio se esclarece pela conveniência de nenhuma discussão sobre condição salarial dos trabalhadores ou de suas condições de trabalho ser colocada perante o Prefeito. Dessa forma, as posteriores atas deixam algumas perguntas quanto ao que seria essa ''defesa'' da classe operária.

O Operário: Entre a Ordem e a Política.

No decorrer das atas, além das atividades recreativas e de lazer, percebemos os chamados assuntos políticos19. O que é importante esclarecer que tratados de tal forma também no estatuto da associação20, esses assuntos parecem omitidos e até censurados pragmaticamente nos eventos da entidade por alguns de seus membros. Em torno disso, e contrapondo tais temas, as atas constroem em seu interior uma representação da imagem do operário de forma cívica e solidária – algo que também se reproduz o nome da associação.

2a. Chamada da Assembléia de 18 de agosto de 1929: João Perantunes pediu a palavra. Essa só lhe foi concebida após o presidente, José Deslandes de Souza, lhe advertir que no seio da sociedade operária não se devia ''tratar de política'' (COCB Ata 10). Esse então pediu uma ''explicação'' sobre um artigo escrito no Diário dos Campos pelo orador Adejamiro Cardon que tratava do alistamento de operários para que esses pudessem votar nas eleições daquele ano exercendo um dos ''deveres cívicos'' da sociedade.

O artigo 72 do estatuto do Centro Operário foi citado na reunião por Perantunes, afim de omitir o incentivo de Cardon ao voto dos operários. Esse então se direcionou ao Presidente, pedindo ''esclarecimentos'' sobre um ''tellegrama'' contendo ''assumptos politicos'' que poderiam comprometer o ''bom nome'' do COCB.

Tanto Deslandes de Souza quanto Cardon, responderam as acusações em Assembléia. Dizendo que tais posturas partiam ''em caráter particular'', nada tendo o Centro Operário a ver com isso.

3a. Chamada da Assembléia de 25 de Agosto de 1929: A discussão do telegrama se perpetuou. A ata registra que a carta havia sido endereçado ao jornal Estado de São Paulo, firmando documento de apoio do Centro Operário e de Ponta Grossa ao candidato a Presidente da República Júlio Prestes - a carta havia sido assinada juntamente com o Prefeito. Logo consta que possivelmente, o incentivo ao alistamento, por parte de Cardon, não era um caso isolado.

Em resposta, José Deslandes de Souza disse que não exerceu tal ato com ''intuito de prejudicar o Centro que com a ajuda de outros elementos de valor no seio da classe obreira, havia fundado, se fez e concordou com o telegramma de (...) solidariedade do governo do Estado e da cidade representada na pessoa do illustre Dr. Campos Mello'' (COCB Ata11).

Adejamiro Cardon pede a palavra nesse momento, dizendo entender tal gesto como uma forma de agradecimento, se referindo a Julio Prestes como ''grande trabalhador'' de outras sociedades operárias21 para depois ''chegar a conquistas de então [na] política nacional''. Cardon ainda disse ter ''esperanças de ver os homens do trabalho se unindo ao lado dos que nos governam elaborando as leis que nos regem'' (op. Cit.).

O polêmico documento foi tratado por José Deslandes de Souza como motivo de sua renúncia a presidência do Centro Operário. A assembléia deliberou contra a renúncia de Souza. ''Usando este da palavra, disse então que [mesmo assim] se considerava demitido e pedia licença ao sr. Presidente da assembleia para retirar-se do recinto''. Entretanto, ao tentar sair Souza foi impedido por alguns membros da diretoria e sócios, ''estabelecendo-se, então pequena confusão na assistência'' (Op. Cit.).

A assistência sendo recomposta, permitiu a José Deslandes de Souza voltar a ocupar seu cargo – já que não era do interesse dos membros da sociedade que esse deixasse a presidência. Essas duas atas mostram que a omissão dos tais ''assumptos politicos'' era justificada a partir de argumentos que se correspondiam com o ''bom nome'' da associação operária. Tais expressões são colocadas algumas vezes22, nem sempre da mesma forma, mas possuindo a mesma conotação – demonstrando o quanto uma atitude poderia comprometer o nome da entidade que procurava reproduzir o ato dessa como ''cívico e beneficente''.

Nesse instante do texto, cabe-nos restringir a um recorte dos chamados ''assumptos politicos''. Entretanto, se compararmos quantitativamente o número de páginas que tratou desse tema com qualquer outro percebemos que logo aquilo que fora muito omitido e censurado no Centro acabou ocupando um maior número de páginas que qualquer outro assunto. Em outro caso, a ata da reunião que tratou de uma disputa de futebol chamada Taça Operaria possui apenas 3 páginas (COCB, Ata 13), enquanto a discussão do telegrama que percorreu duas assembléias possui cerca de 19 páginas. Conclui-se que foi do conflito que as maiores discussões rolaram no documento do Centro Operário enquanto os assuntos cotidianos da entidade aparecem tratados consensualmente.

Reunião Extraordinária da Diretoria, 25 de Setembro de 1929:

Usando da palavra o sr. Presidente expôs [a pauta] daquella convocação, dizia elle que estava o operariado do Paraná enfrentando na eleição de seu deputado ao Congresso do Estado tendo havido uma conversação em Curityba, (...) a apresentação do operário (...) sr. Elbe Pospissil para ser o candidato operário ao Congresso do Estado (COCB, Ata 11).

Elbe Pospissil foi um dos articuladores da Greve dos ferroviários em 1919 que cobrou 20% de aumento nos salários, melhores condições de trabalho e jornada de 8 horas. Os manifestantes saíram vitoriosos, tendo todas as reivindicações atendidas. A partir disso, a participação de Pospissil na União Operária do Paraná conseguiu atrair maior atenção a sua vida política (ARAÚJO & CARDOSO, 1992).

Essa ata revela a contradição e o embate de discursos no interior do Centro Operário. Foi numa reunião extraordinária e de urgência da diretoria, sem a participação dos demais membros da entidade que foi decidido o apoio dessa ao candidato. Essa atitude deixa a entender uma atividade política dos membros da organização operária.

A ata ainda previa que todos os membros alistados recebessem uma cédula com o nome do candidato. ''Tambem pelo sr. João Shimidt Filho foi proposto que o Centro censurasse todo o seu sócio que não votasse no candidato da classe operaria nas eleições (...), pois que assim demonstravam falta de união e compreensão de seus deveres civicos, para com a colectividade operaria'' (op. Cit.). Segundo consta em ata, essa proposta provocou várias discussões, mas foi aprovada pela maioria dos reunidos. A apelação dos ''deveres cívicos'', mais uma vez citados, serve de justificativa para a ''censura'' de tais membros. Ao fim da reunião, o presidente agradeceu a presença de todos naquela reunião onde foram ''tratados assumptos de magna importancia para a sociedade e para a classe trabalhista do Estado''. Não existe registro de qualquer citação do artigo 72 dos estatutos sociais nessa ata.

Reunião Extraordinária da Diretoria, 14 de Janeiro de 1930:

Tendo pedido a palavra ao sr. Joaquim Wirruez, que se estava presente, o qual (...) explicou (...) a attitude dos operarios da Sonyra, dizendo tambem qual o motivo que os levou a pedir (...) a sua eliminação deste Centro. O motivo principal e único (...) foi ter um socio desta aggremiação, o sr. Affonso Braune, procurado introduzir ideias politicas no seio o operariado da Sonyra, cujas ideias, são terminantemente prohibidas pelos nossos estatutos (COCB Ata 18).

João Schimidt Filho pede a palavra, dizendo que ''profundamente magoado com a attitude do sr. Braune pede que o mesmo seja eliminado desta sociedade a bem da ordem e do progresso da mesma'' (op. Cit.). Essa ata revela mais um caso de perseguição às atividades políticas dos operários membros da entidade. Ressaltando aquelas idéias como ''terminantemente prohibidas'' pelos estatutos do Centro, essas nem expostas são.

Sendo que na reunião posterior aquela, a ''eliminação'' do secretário foi seguida de ''motivos já de todos conhecidos'' (COCB Ata 19). A censura a tais ''ideias politicas'' era exercida de forma contundente, procuravam ser minimamente citadas, demonstrando o interesse também de omissão a tais assuntos – colocando sempre tais ações como opostas aos estatutos ou o ''bom nome'' do Centro Operário preenchido por membros que praticavam a ''ordem'' em favor a seus ''deveres cívicos''.

Considerações Finais

A omissão dos assuntos políticos, a repreensão e a eliminação de membros que deles tratam acaba refletindo uma forma de controle social do cotidiano operário. Em contrapartida, o apontamento de deveres cívicos a serem cumpridos pelo operário, em nome de um discurso pautado na ordem e no bom nome do Centro Operário, elabora uma representação de como aquele deveria compor sua classe.

As atividades beneficentes e cívicas no cotidiano do Centro Operário em nenhum momento desenvolviam um rompimento com as relações de capital-trabalho daquele momento. Nenhuma reivindicação do movimento operário, no sentido político, se apresenta nas atas. O caso específico de favorecimento e apoio do Centro Operário a um candidato operário a Assembléia Estadual acaba sendo ocultado, num primeiro momento, nas dependências de uma reunião exclusiva da diretoria.

A participação de gerentes de fábrica, intelectuais, empresários e políticos e outros membros da sociedade civil, aparece como um fator de consenso entre as title="" href="http://www.webartigosos.com/admin/de/editor.php?name=wysiwyg&refresh=1070782793&alsection=front#_edn22" name="_ednref22">23. Apesar dos assuntos cotidianos aparecerem em número maior nos documentos analisados, cerca de 33 vezes, os chamados assuntos políticos são citados nas atas cerca de 29 vezes. Esses dados comprovam que o ensaio de enquadramento do movimento operário e omissão de assuntos políticos não pareceram ser solucionados, sendo que esses assuntos, quando citados, geraram polêmica e persistiram sendo tratados entre as solenidades. Onde o futebol era união, a política era tensão.

Referências Bibliográficas

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BARDIN, Laurence. Análise de Conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1977.

CARDOSO, Ciro Flamarion & VAINFAS, Ronaldo. Domínios da História. RJ: Campus, 1997.

CHAVES, Niltonci Batista. A cidade civilizada: Discursos e representações sociais no jornal Diário dos Campos, na década de 1930. Curitiba: Aos Quatro Ventos, 2001.

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ELIAS, Norbert & DUNNING, Eric. A busca da excitação. Lisboa: Difel, 1992.

FALCON, F. História e Representação. In: CARDOSO, Ciro Flamarion e MALERBA, Jurandir (orgs.) Representações: contribuição a um debate transdisciplinar. São Paulo: Papirus, 2000.

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LINDEN, Marcel van der. História do Trabalho: O velho, o novo e o global. In: Revista Mundos do Trabalho, vol.1, n. 1, janeiro-junho de 2009 (Disponível em: http://www.periodicos.ufsc.br/index.php/mundosdotrabalho/).

MARX, Karl & ENGELS, Friederich. A ideologia Alemã. São Paulo: Martin Claret, 2002.

MAYOL, Pierre. O Bairro in: CERTEAU, Michel de, GIARD, Luce, MAYOL, Pierre. A Invenção do Cotidiano: 2, Cozinhar. Petrópolis: Vozes, 1996;

PESAVENTO, S.J. História e história cultural. Belo Horizonte: Autêntica, 2004.

SIQUEIRA, Uassyr. Clubes e sociedades dos trabalhadores do Bom Retiro: organização, lutas e lazer em um bairro paulistano (1915-1924). Dissertação de Mestrado. Campinas: UNICAMP, 2OO2 (Disponível em: http://www.ifch.unicamp.br/mundosdotrabalho/teses.htm)

THOMPSON, Edward Palmer. A formação da classe operária inglesa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.




2Nas palavras do professor Roberto Mongruel, os operários somente seriam úteis a nação e às suas famílias por meio da educação. Seu discurso sobretudo se pautava dentro da assembléia que tratava da fundação da Escola Noturna dos Operários. Essa instituição fazia parte das atividades beneficentes do Centro e seu prédio seria doado pela Prefeitura Municipal e instituída pelo Governo do Estado. O horário noturno da Escola não interferia no horário da jornada de trabalho de grande parte dos operários ponta-grossenses. (COCB Ata 04).

3Essas atas estão disponíveis na Casa da Memória Paraná, localizada na Rua Coronel Bittencourt. Antes de serem disponibilizadas para pesquisa, todas passaram por um processo de higienização e catalogação.

4A primeira diretoria foi formado por: José Deslandes de Souza, Presidente; Francisco Vitalino Barboza, Vice-presidente; Affonso Braune, 1º. Secretário; Armando Max Vosgrau, 2º. Secretário; João Ferigotti, 1º. Tesoureiro; Alcides Fernandes, 2º. Tesoureiro; Adejamiro Cardon, 1º. Orador; Máximo Leopoldo Arruez, 2º. Orador. Sendo o conselho fiscal formado por Albino Wiecheteck, Presidente; João Perantunes, Secretário; Manoel Matheus da Costa, Annibal da Silva Assumpção, Francisco de Souza Nunes, João Schmidt Filho, Augusto Cunha, Franscisco Pavalech, Paulo Ferreita do Valle, Bernardo Holck, David Cardon e João Quadros.

5Segundo Norbert Elias e Eric Dunning, a sociabilidade se aplica além do trabalho. Pensemos essa atividade num espaço como um bar qualquer, onde a convergência de diversos trabalhadores é ocasionada por aquilo que eles tem em comum. Os dois pesquisadores chamam esse momento de ''tempo livre'', apresentando características de lazer e recreação (ELIAS, DUNNING. 1992).

6Antes da chegada dos trilhos, Ponta Grossa era conhecida como ''corredor do gado'' (GEOGRAFIA ILUSTRADA, 1975). A passagem de camponesa para ''Princesa dos Campos'' ocorreu com a chegada da Estrada de Ferro do Paraná (1894) e da São Paulo/Rio Grande. O entroncamento ferroviário da cidade acabou atraindo também diversas indústrias para a cidade. ''Entre as indústrias mais antigas que se instalaram na cidade, estão aquelas que se vinculavam ao beneficiamento da erva-mate e da madeira, produtos típicos da economia paranaense daquele momento, e que acabaram encontrando em Ponta Grossa um ambiente favorável para o seu beneficiamento e comercialização''. (CHAVES, 2006). Ainda, segundo Chaves, ele indica que ''dos 1.632 estabelecimentos industriais existentes em todos Estado, 75 estavam fixadosem Ponta Grossa, ou seja, 5,5% do total das indústrias registradas'' (CHAVES, 2001). Inúmeras categorias de emprego são criadas a partir desse momento.

7O Censo de 1900 indica que a população de Ponta Grossa era 8.335. Pelo Censo de 1920. Essa população atingiu a casa dos 20.171 habitantes.

8Localizada na rua Theodoro Rosas a atual sede do Centro Operário ainda abriga atividades recreativas e de lazer como bocha, truco, sinuca, churrascos e comemorações. No dia 1o. de Maio, último, o COCB completou 80 anos de existência. Desses anos todos, algumas mudanças ocorreram, algumas rupturas se ocasionaram na sua trajetória. Essa sede, onde funciona um bar, embora hoje seja a única sede do Centro, hoje está desmembrada do seu prédio original localizado no Largo Professor Colares.

9Paulo Sérgio Pinheiro reflete: ''Não há nenhum sentido em submeter o proletariado brasileiro a uma competição com o proletariado de outros países, atribuindo ao nosso classificação patológica: fraco, apático, sofrendo de uma falsa consciência aguda, e às vezes até como incapaz de sua missão história, e assim por diante'' (HARDMAN & LEONARDI, 1991, p. 10).

10Os trabalhadores criam e vivem a própria história e suas experiências demonstram que a consciência de classe está colocada internamente de um permanente fazer-se (the making) da classe operária(THOMPSON, 1987).

11Eric Hobsbawm fala de um chamado time-off (tempo livre) no cotidiano dostrabalhadores da Inglaterra no século XIX, onde esses determinavam sua cultura: ''usemos um conhecido ponto de referência no mapa da classe trabalhadora ''tradicional'', a lanchonete de peixe e fritas originada provavelmente em Oldham, na década de 1860 (...). O futebol já possuía uma modesta vida subterrânea como esporte para o espectador proletário nos últimos anos da década de 1870'' (HOBSBAWM, 1988, p. 281).

12Chamada por Marcel van der Linden de ''Velha História Social do Trabalho'', essa, é considerada institucional e ''focada na descrição organizacional de desenvolvimentos, debates políticos, líderes e greves'' (LINDEN; 2009, p. 12). Colocando a diferença entre a velha e outra tal ''Nova História Social do Trabalho'', Linden não parece indicar a essa enquanto institucional por tentar ''contextualizar as lutas dos trabalhadores''. Nesse caso, tal qualidade parece estar distante dos muros da antiga apreciação dos fatos históricos por algum tipo de ''Velha Instituição''. O autor chega até a descrever minuciosamente uma outra vertente chamada de ''História Global do Trabalho'', algo que atravessaria as muralhas do oeste, ou da Inglaterra. Enfim, é evidente que a citação da História Social do Trabalho me compromete com uma vertente teórica, faço isso não para simplesmente aceitar o que outros teóricos escreverem, mas com a finalidade de adentrar numa discussão com linhas de pesquisas próximas da minha. Acredito que ainda não preciso negar o ''velho'' nem reafirmar o ''novo'', nem indicar instituições e mostrar nossa rebeldia por estar fora delas, apenas quero que minha discussão contribua para o ambiente acadêmico seja esse somente numa escala próxima a periferia da produção do conhecimento histórico ou em escalas maiores.

13Segundo Uassyr Siqueira: ''acabou-se por aceitar a versão elaborada pelas lideranças sindicais do início do século XX, as quais consideravam outras formas de sociabilidade, como clubes esportivos e recreativos sem caráter sindical, como secundárias em relação à 'verdadeira' organização ou até mesmo como alienantes. (...) A ausência de pesquisas sobre clubes e associações dos trabalhadores é também resultado das concepções a respeito da consciência de classe'' (SIQUEIRA, 2002, p. 24).

14Entre os principais associados e diretores do Centro estavam: Albino Wiecheteck, industrial e vereador pelo Partido Integralista (1935-1937); José Deslandes de Souza, membro do jornal Diário dos Campos; Adejamiro Cardon, membro da Livraria Modelo; Joaquim Wirruez, gerente da madereira SONYRA; Eusebio Biaco, fiscal; Walfrido Pilotto, escritor paranista e jornalista; José Silva, jornaleiro; João Ferigotti, zelador do cemitério público; Fidelis Alves, funcionário da Prefeitura e Alberto Lopes, tenente do 13o. Regimento de Infantaria.

15Segundo Falcon: ''o conceito de representação pode ser entendido de duas maneiras, a primeira como 'representação' entendidacomo objetivação, figurada ou simbólica de algo ausente, a outra é que a representação é definida como 'estar presente no lugar de outra pessoa', substituindo-a, podendo ou não 'agir em seu nome', essa última se incorpora como a prática política'' (FALCON, 2000).

16Para Ciro Cardoso e Ronaldo Vainfas, o léxico não é um amontoado de palavras isoladas. As palavras se alojam dentro do discurso de forma a se coordenar entre si ou se opor entre si. Nesse caso o pesquisador necessita abordar ''a decifração do campo lexical inerente ao discurso, modelo esse pautado em algumas redes de relações de palavras'' (CARDOSO; VAINFAS, 1997, p. 380).

17Entende-se a análise de conteúdo por possuir a finalidade de analisar textos sobre uma perspectiva quantitativa, mas sem gerar uma dicotomia com a análise do discurso de forma qualitativa. No caso das atas, esse olhar deve permear além do texto, mas, também todo o contexto em que foi produzido – considerando então que o texto em si se apresenta enquanto discurso, mas é passivo de um contexto. Esse processo considera a produção, a circulação e o consumo do discurso (FLAMARION, VAINFAS, op. Cit.; BARDIN, op. Cit.).

18Elizeu de Campos Mello conhecido como um dos fundadores e apoiadores do extinto Jornal O Progresso, que mais tarde se tornaria Diário dos Campos. Era acionista majoritário da Companhia Tipográfica Ponta-grossense. Advogado e fazendeiro se tornaria prefeito de Ponta Grossa em 1928 (CHAVES, 2001).

19Sempre que tratados nas atas e nos estatutos sociais enquanto ''assumptos politicos'', esses parecem repudiados. Entre as 24 atas analisadas, esses são chamados assim apenas quatro vezes. Porém, eventos como a participação de Walfrido Pilotto num Congresso Operário – sendo que esse era jornalista -, o apoio a Elbe Pospissil para a Assembléia Legislativa, a convocação para uma Conferência operária em praça pública, a doação de um terreno pelo prefeito para a construção da sede da associação, entre outros, acabam sendo tratados na pesquisa como sendo de cunho político.

20Segundo o Artigo 72 inciso 5o.: ''É proibido se manifestar politicamente nas dependências do Centro Operário''. Esse artigo aparece como documento mais citado nas atas, precisamente três vezes.

21O caso do telegrama reflete que o Centro Operário possuía membro não só articulados com a política local, mas também a nível nacional. Entretanto, apesar de esse personagem ser apresentado como ''grande trabalhador'' por Adejamiro Cardon, seu retrospecto político pode ser entendido de outra forma. Júlio Prestes de Albuquerque, conhecido por vencer a eleição de 1930 e por ser impedido pela Revolução de 1930, nunca teve sua vida política em intimidade com qualquer causa puxada pelo movimento operário – a não ser nesse caso.

22A palavra tellegrama é citada cerca de cinco vezes, sendo que essa aparece nas atas contrapondo o ''bom nome'' ou ''nome honroso'' do Centro. Nesse caso, apesar de os termos não possuírem igual pronúncia, eles acabaram possuindo o mesmo sentido.

23Segundo Pierre Mayol: ''Assim definida, a coletividade é um lugar social que induz um comportamento prático mediante o qual o usuário se ajusta ao processo geral do reconhecimento, concedendo uma parte de si mesmo à jurisdição do outro'' (MAYOL, 1996, p. 27). Nesse sentido, a conveniência aqui citada é percebida em práticas consensuais, sendo essas sim, colocadas à jurisdição do outro. Em um espaço onde era previsto que a política geraria polêmica, se torna passivo de entender como as práticas recreativas e beneficentes se enquadrariam no interior do cotidiano operário pela influência da participação dos patrões nesse. O dia-a-dia era regido por olhares do outro e não se tornava interessante qualquer tipo de excentricidade, mesmo que política.