Outros tempos ( ? )

Ah, tempos bicudos esses
o coração bate
sem fazer alarde
pra não incomodar
o vizinho ou
aquele que passa
ou o colega ao lado
A ordem é ser só
não incomodar nunca
esquecer o favor
negar o afago
evitar o contágio
de qualquer dor

Ah, solidão mundana
que vai engolindo aos poucos
o que antes fora sorrisos
olhares
contemplação

O mundo pirou, foi?
Por onde andam a prosa boa
e a deliciosa broa de fubá
com queijo
compartilhada na calçada
com vizinhos solidários?
Parece que todos se foram
em busca de algo indizível
assustador até
O silêncio tomou conta
da conversa de fim de tarde
e eclipsou os devaneios
que eram revelados a ouvidos
tão fraternos

Agora o gato do vizinho incomoda
também incomoda o cãozinho quando late
e se o bebê ao lado chora
meu Deus! Ninguém tem paz agora!

Cadê a humanidade de antes?
E o tempo de ser?
Parece que os nervos andam à flor da pele
qualquer coisa é pretexto
pra sair do contexto
pra extrapolar
os limites da razão
A tênue linha que separa o bem do mal
ou que faz de um homem
o mais embrutecido animal
parece que foi rompida
E se a fala não é mais consentida
se tudo é ponto de discórdia
se a tolerância já foi esquecida
o tiro ecoa
uma
duas
três
quatro...
nove vezes
ou mais
e nem um AI aparece às vezes
pois a boca já fora amordaçada há tempos
o diálogo deu lugar à indiferença
que parece até bem civilizada
mas só antecipa a tragédia
que se anunciara lá atrás
quando o falso amor
se instalou nos corações
e destruiu todas as sementes do bem
deixando o campo minado
protótipo do homem-bomba

Ah, tempos bicudos
qual é o seu escudo?