O imigrante
Por Marco Antonio Guimarães Sarmento | 25/11/2020 | PoesiasO imigrante
De onde vieram,
De onde são, geralmente ouvimos perguntarem
Mas a curiosidade é motivada pelo medo
Medo do desconhecido, do outro
Medo de receber novas vidas entre nós
Medo de conhecer o desconhecido
De se envolver com quem não nasceu e cresceu junto a nós
São eles os imigrantes, os que vieram de longe
Porém, não tão longe que venham de outro planeta
Não tão longe que não conheçam o significado de amizade, boas-vindas
Não, não são alienígenas, são pessoas
Sim, de fato não falam como nós, não entendemos suas palavras
Não conhecemos seus artigos, substantivos e verbos
Mas poderemos conhecer seus adjetivos aos poucos
Através de uma amigável aproximação
Serão temerosos, alegres, ingênuos, sabidos ou curiosos?
Serão “elétricos”, enérgicos, firmes, rápidos, focados, tensos, preocupados?
Ou serão calmos, brandos, tímidos, flexíveis, afáveis, tranquilos, pacientes?
Ou uma mistura disso tudo ou de alguns desses adjetivos?
Perguntemos, então. Aproximemo-nos; ofereçamos nossas boas-vindas
Como gostaríamos que oferecessem a nós se estivéssemos em seu lugar
Por que o medo, gente? Por que o temor?
Vieram ocupar o nosso espaço ou vieram nos mostrar como dividi-lo com quem precisa?
Vieram buscar nossas riquezas ou ensinar-nos como desfrutá-las?
Vieram “roubar nossos empregos” ou ensinar-nos a trabalhar?
Vieram destruir nossas famílias ou ensinar-nos como cuidar delas?
Vieram invadir nossas escolas ou ensinar-nos a valorizá-las?
Meu Deus, são imigrantes! São outro mundo entre nós
Sejam bem-vindos então
Sim, vieram de longe
Sim, falam outro idioma, são de outra cultura
E que mal nisso há?
São seres humanos, tão humanos quanto nós
São irmãos e irmãs e precisam de nós
Sim, vieram de longe, e por que será?
Que tal perguntar, se preocupar?
Que tal saber, entender e se por no lugar?
Que tal entender que vieram porque precisaram?
Que tal saber que isso aqui também há?
Quantos saíram do Piauí, Maranhão e Ceará?
Pernambuco, Bahia e Pará?
São Paulo, Rio grande do Sul e Paraná?
Saíram daqui e foram para lá
Vieram dali e foram para acolá
Cansaram-se e resolveram voltar
Atrás de sonhos, promessas, lendas, esperança
Sim, muitos de nós tentaram sair do seu lugar
Esperando serem bem recebidos por lá
Sim, somos todos iguais
Fugitivos da pobreza, da incerteza, da enganação
Fugimos da violência, da carência, da pior situação
Porque queremos ver os nossos filhos crescerem com saúde
Alegria, emprego, família e realização
Sim, nós sabemos sair quando o momento requer
Sabemos migrar com coragem mesmo não tendo certeza
Do que de fato encontraremos
Minha família buscou renda em São Paulo no tempo da fartura
Aprendi a falar garoa, a chupar cana e comer rapadura
Apreciar maria-mole, geladinho e pão-de-forma
Conheci o Ibirapuera, o Zoológico e Aparecida
Sim, já fui imigrante, já conheci o desconhecido
Graças a Deus, eu e minha família fomos bem recebidos
Foram quatro anos de lutas, experiências e aprendizado
Depois voltamos para Belém, no Pará, nosso estado
Sim, já fui imigrante, sei bem como é
Falar diferente, ouvir diferente, mas entender
Que a amizade não pode faltar
A generosidade e alegria ajudam a saudade segurar
Aqueles que ficam pra trás fazem falta
Mas os que surgem substituem com sua presença
E aí, ao invés de perdermos as amizades antigas, somamos novas
Que logo nos farão viver melhor em terra alheia
Meu Deus, são imigrantes! São outro mundo entre nós.
Que sejam bem-vindos então.
Vieram de longe, terras que desconhecemos
Vieram com coragem, serenidade, humildade
Vieram porque sabem que aqui há seres humanos
Há pessoas que lhes respeitem, que lhes deem esperança
Vieram porque precisavam fugir da miséria, guerras e perseguições
Catástrofes, fome e violência
Desemprego, falta de respeito e clemência
Sim, vieram para viver, vieram aqui para saber
O que podem por nós fazer em troca de paz, provisões e liberdade
Ah! Se soubéssemos o que passaram!
Que desertos atravessaram
Que perigos enfrentaram
Não, não queriam vir; foram obrigados
Queriam continuar a enfrentar as adversidades em sua terra natal
Porém, não podiam, não tinham mais como suportar tanto mal
Tantos perigos a enfrentar
Tantas bombas para se desviar
Não, não podiam prosseguir
O governo sem os proteger, os inimigos a perseguir
Não, senhores, não conseguiram suportar
Tanta dor a enfrentar, violência em todo lugar
As mães chorando se perguntando:
“Estão todos loucos? A nossos filhos estão matando!”
Tentem senhores, tentem se colocar em seu lugar
Tentem entender o que é uma dor, conhecer a face do horror
Violência sem fim, estupros, assaltos, tortura, de marginais ou policiais
Militares que militam contra a família, contra a paz
Eles vieram a nós como o filhote de urso busca sua mãe
Pois alguma coisa ele enfrenta, alguma coisa ele suporta
Mas também tem seus medos e limitações
E assim busca refúgio na sua protetora
São eles, os imigrantes, também fortes
Porém, não podem contra soldados, contra homens armados
Precisam proteger seus filhos e esposas
Precisam encontrar outro lugar
Algo mais fácil e digno de enfrentar
Algo em que possam esperar, trabalhar, agir
Meu Deus, são imigrantes! São outro mundo entre nós.
Que sejam bem-vindos então.
Sim, vieram de outro mundo
África, Cuba, Bolívia, Haiti
Peru, Venezuela, Síria, e daí?
Sim, vieram de outros países, de outros continentes
Vieram de longe pra sentir nosso calor humano
Para fugir de balas, canhões, bombas, aviões
Petroleiros, empresários corruptos, desgovernos
Fazendeiros, milícias, rebeldes, baderneiros
Assassinos, covardes, egoístas, ditadores
Sim, eles vieram de lá
Vieram pedir socorro
Vieram em busca de um lugar onde descansar a cabeça
Dormir e sonhar com um novo amanhã
Eles vieram em busca de nós, de nossa generosidade, compreensão
Vamos decepcioná-los como os políticos fazem a nós?
Vamos agir como Trump que não sabe dividir a riqueza?
Que não sabe agradecer a quem ajudou a enriquecer a América?
Meu Deus, são imigrantes! São outro mundo entre nós.
Que sejam bem-vindos então.
Foram os antepassados desses africanos que cortaram e moeram
A cana-de-açúcar que desenvolveu a economia brasileira
Foram eles que escavaram as minas que trouxeram o ouro de nossa terra
E encheram os bolsos dos europeus que agora lhes rejeitam
Foram eles que araram os campos, que enfrentaram os perigos da mata
Que suportaram as chicotadas para fazer o serviço direito
Seus avós estão enterrados em nossas terras
Sua cultura vive entre nós ainda hoje
Capoeira, vatapá, moqueca e acarajé
Feijoada, carimbó, lundu, vocabulário, samba no pé
Sim, eles vieram, pois aqui tem o que precisam
Oportunidade, renda, paz, esperança
Universidade, escola para suas crianças
Peruanos, equatorianos, bolivianos, andinos?
Sejam bem-vindos entre nós
Pois vieram trazendo suas mãos vazias e cheias de calos
De tanto trabalho em suas bandas
Perguntem-lhes como plantar o milho em montanhas
Como domar o lhama, montá-lo e guiá-lo em ribanceiras perigosas
Perguntem-lhes como ouvir os ventos dos Andes, como mastigar a folha coca
Para não sentirem as vertigens das alturas
Perguntem-lhes como construíram Machu Pichu há milhares de anos
Perguntem-lhes como tocar a flauta pan, como produzi-la
Perguntem às mulheres como costurar as túnicas, mantas e vestes andinas
Como suportar o frio, como criar seus bebês com saúde em lugar tão severo
Perguntem como fazer um chá, uma sopa, um cozido andino
Como entender tamanha riqueza cultural?
Tanta coisa a nos ensinar e tememos conhecê-los
Meu Deus, são imigrantes! São outro mundo entre nós.
Que sejam bem-vindos então.
Os sírios estão entre nós
São outra cultura, outro modo de vida
Mas não vêm de mãos nuas, nem de mentes vazias
Trazem suas riquezas, suas formas de trabalhar
Quem sabe outra maneira de contar, enumerar, guardar?
Quem sabe novos modos de amarrar, de marcar, de sinalizar?
Quem sabe nova maneira de tecer, cozinhar, domesticar
Sim, talvez saibam melhor do que nós como lidar com cabras, ovelhas
Como extrair o leite, como preservar o alimento
Talvez tenham outro uso do tijolo, da areia, do cimento
Quem sabe apontam o lápis de outra forma, talhem madeira de outra maneira?
Ou talvez lavem e empilhem louças de outro jeito, ou arrumem seus tecidos diferente?
Sim, senhores. Sejamos curiosos. Sejamos generosos conosco e com eles
Aprendamos como fazem, aprendamos o que fazem
Tanta coisa a aprender, tanto a receber
E pensamos que estão nos tirando, nos substituindo
Aprendamos, com eles, como sermos fortes
Pois vieram da guerra, entendem de sofrimento
Admiremos sua coragem, pois enfrentaram o que, talvez, nunca enfrentaremos
Têm muito a nos ensinar
A viver, a valorizar o que temos, a valorizar quem temos
Sim, são imigrantes, vieram do nosso planeta e estão entre nós
Aprendamos a lutar como eles lutaram
A não desistir como eles não desistiram
Aprendamos a chorar e lamentar na hora da perda
Mas também a comemorar na hora da conquista
A celebrar a liberdade e a paz
A brindar a vitória, por menor que seja
A agradecer pela saúde, pelos dois braços, duas pernas e cabeça para trabalhar
Sim, eles são fortes e sabem que são
Mas são humildes e respeitam nossas regras
Sabem que devem respeitar o anfitrião
Porém, são sábios e não orgulhosos e sabem receber ajuda
Meu Deus, são imigrantes! São outro mundo entre nós.
Que sejam bem-vindos então.
Perguntem ao africano como é enfrentar um deserto
Como é passar pelo território do leão
Perguntem como escapar do leopardo, como fugir do rinoceronte
Perguntem como é nadar e evitar os crocodilos
Como é passar pelos gorilas nas montanhas
Perguntem como é vencer a savana sem ser atingido pelas grandes feras
Perguntem ao africano como é procurar água na secura
Como é fazer casa sem tijolo e cimento
Perguntem como se cozinha usando estrume de animal
Para fazer o fogo
Perguntem como caçar e pescar onde não se vê direito
Como é procurar à noite o caminho de volta
Enfim, perguntem como é ser homem, ser valente
Não, não vieram nos tomar nada
Vieram trazer muitas coisas que sequer imaginamos
Perguntem aos haitianos como fogem dos terremotos
Perguntem como sobreviveram a 2010, quando nem os religiosos resistiram
Perguntem como suportaram tamanha miséria em seu país
Perguntem como conseguiram sobreviver a biscoito de barro em seus estômagos
Acho que a resposta é esperança
Meu Deus, são imigrantes! São outro mundo entre nós.
Que sejam bem-vindos então.
Eles vieram nos enriquecer
Com seu trabalho, com sua alegria, com sua criatividade e sabedoria
São imigrantes, são homens, mulheres, jovens e crianças
Talvez os velhos não tivessem mais forças
Ou talvez esperança
Mas estes vieram, estão em nosso meio
São um mundo entre nós
Não percamos a oportunidade de sermos generosos
Um dia, talvez, nossos filhos precisem ser recebidos pelos seus filhos...
Quem sabe? Quem garante que não?
O mundo sempre deu voltas
E os outrora andarilhos viram anfitriões...