O imigrante

De onde vieram,

De onde são, geralmente ouvimos perguntarem

Mas a curiosidade é motivada pelo medo

Medo do desconhecido, do outro

Medo de receber novas vidas entre nós

Medo de conhecer o desconhecido

De se envolver com quem não nasceu e cresceu junto a nós

São eles os imigrantes, os que vieram de longe

Porém, não tão longe que venham de outro planeta

Não tão longe que não conheçam o significado de amizade, boas-vindas

Não, não são alienígenas, são pessoas

Sim, de fato não falam como nós, não entendemos suas palavras

Não conhecemos seus artigos, substantivos e verbos

Mas poderemos conhecer seus adjetivos aos poucos

Através de uma amigável aproximação

Serão temerosos, alegres, ingênuos, sabidos ou curiosos?

Serão “elétricos”, enérgicos, firmes, rápidos, focados, tensos, preocupados?

Ou serão calmos, brandos, tímidos, flexíveis, afáveis, tranquilos, pacientes?

Ou uma mistura disso tudo ou de alguns desses adjetivos?

Perguntemos, então. Aproximemo-nos; ofereçamos nossas boas-vindas

Como gostaríamos que oferecessem a nós se estivéssemos em seu lugar

Por que o medo, gente? Por que o temor?

Vieram ocupar o nosso espaço ou vieram nos mostrar como dividi-lo com quem precisa?

Vieram buscar nossas riquezas ou ensinar-nos como desfrutá-las?

Vieram “roubar nossos empregos” ou ensinar-nos a trabalhar?

Vieram destruir nossas famílias ou ensinar-nos como cuidar delas?

Vieram invadir nossas escolas ou ensinar-nos a valorizá-las?

Meu Deus, são imigrantes! São outro mundo entre nós

Sejam bem-vindos então

Sim, vieram de longe

Sim, falam outro idioma, são de outra cultura

E que mal nisso há?

São seres humanos, tão humanos quanto nós

São irmãos e irmãs e precisam de nós

Sim, vieram de longe, e por que será?

Que tal perguntar, se preocupar?

Que tal saber, entender e se por no lugar?

Que tal entender que vieram porque precisaram?

Que tal saber que isso aqui também há?

Quantos saíram do Piauí, Maranhão e Ceará?

Pernambuco, Bahia e Pará?

São Paulo, Rio grande do Sul e Paraná?

Saíram daqui e foram para lá

Vieram dali e foram para acolá

Cansaram-se e resolveram voltar

Atrás de sonhos, promessas, lendas, esperança

Sim, muitos de nós tentaram sair do seu lugar

Esperando serem bem recebidos por lá

Sim, somos todos iguais

Fugitivos da pobreza, da incerteza, da enganação

Fugimos da violência, da carência, da pior situação

Porque queremos ver os nossos filhos crescerem com saúde

Alegria, emprego, família e realização

Sim, nós sabemos sair quando o momento requer

Sabemos migrar com coragem mesmo não tendo certeza

Do que de fato encontraremos

Minha família buscou renda em São Paulo no tempo da fartura

Aprendi a falar garoa, a chupar cana e comer rapadura

Apreciar maria-mole, geladinho e pão-de-forma

Conheci o Ibirapuera, o Zoológico e Aparecida

Sim, já fui imigrante, já conheci o desconhecido

Graças a Deus, eu e minha família fomos bem recebidos

Foram quatro anos de lutas, experiências e aprendizado

Depois voltamos para Belém, no Pará, nosso estado

Sim, já fui imigrante, sei bem como é

Falar diferente, ouvir diferente, mas entender

Que a amizade não pode faltar

A generosidade e alegria ajudam a saudade segurar

Aqueles que ficam pra trás fazem falta

Mas os que surgem substituem com sua presença

E aí, ao invés de perdermos as amizades antigas, somamos novas

Que logo nos farão viver melhor em terra alheia

Meu Deus, são imigrantes! São outro mundo entre nós.

Que sejam bem-vindos então.

Vieram de longe, terras que desconhecemos

Vieram com coragem, serenidade, humildade

Vieram porque sabem que aqui há seres humanos

Há pessoas que lhes respeitem, que lhes deem esperança

Vieram porque precisavam fugir da miséria, guerras e perseguições

Catástrofes, fome e violência

Desemprego, falta de respeito e clemência

Sim, vieram para viver, vieram aqui para saber

O que podem por nós fazer em troca de paz, provisões e liberdade

Ah! Se soubéssemos o que passaram!

Que desertos atravessaram

Que perigos enfrentaram

Não, não queriam vir; foram obrigados

Queriam continuar a enfrentar as adversidades em sua terra natal

Porém, não podiam, não tinham mais como suportar tanto mal

Tantos perigos a enfrentar

Tantas bombas para se desviar

Não, não podiam prosseguir

O governo sem os proteger, os inimigos a perseguir

Não, senhores, não conseguiram suportar

Tanta dor a enfrentar, violência em todo lugar

As mães chorando se perguntando:

“Estão todos loucos? A nossos filhos estão matando!”

Tentem senhores, tentem se colocar em seu lugar

Tentem entender o que é uma dor, conhecer a face do horror

Violência sem fim, estupros, assaltos, tortura, de marginais ou policiais

Militares que militam contra a família, contra a paz

Eles vieram a nós como o filhote de urso busca sua mãe

Pois alguma coisa ele enfrenta, alguma coisa ele suporta

Mas também tem seus medos e limitações

E assim busca refúgio na sua protetora

São eles, os imigrantes, também fortes

Porém, não podem contra soldados, contra homens armados

Precisam proteger seus filhos e esposas

Precisam encontrar outro lugar

Algo mais fácil e digno de enfrentar

Algo em que possam esperar, trabalhar, agir

Meu Deus, são imigrantes! São outro mundo entre nós.

Que sejam bem-vindos então.

Sim, vieram de outro mundo

África, Cuba, Bolívia, Haiti

Peru, Venezuela, Síria, e daí?

Sim, vieram de outros países, de outros continentes

Vieram de longe pra sentir nosso calor humano

Para fugir de balas, canhões, bombas, aviões

Petroleiros, empresários corruptos, desgovernos

Fazendeiros, milícias, rebeldes, baderneiros

Assassinos, covardes, egoístas, ditadores

Sim, eles vieram de lá

Vieram pedir socorro

Vieram em busca de um lugar onde descansar a cabeça

Dormir e sonhar com um novo amanhã

Eles vieram em busca de nós, de nossa generosidade, compreensão

Vamos decepcioná-los como os políticos fazem a nós?

Vamos agir como Trump que não sabe dividir a riqueza?

Que não sabe agradecer a quem ajudou a enriquecer a América?

Meu Deus, são imigrantes! São outro mundo entre nós.

Que sejam bem-vindos então.

Foram os antepassados desses africanos que cortaram e moeram

A cana-de-açúcar que desenvolveu a economia brasileira

Foram eles que escavaram as minas que trouxeram o ouro de nossa terra

E encheram os bolsos dos europeus que agora lhes rejeitam

Foram eles que araram os campos, que enfrentaram os perigos da mata

Que suportaram as chicotadas para fazer o serviço direito

Seus avós estão enterrados em nossas terras

Sua cultura vive entre nós ainda hoje

Capoeira, vatapá, moqueca e acarajé

Feijoada, carimbó, lundu, vocabulário, samba no pé

Sim, eles vieram, pois aqui tem o que precisam

Oportunidade, renda, paz, esperança

Universidade, escola para suas crianças

Peruanos, equatorianos, bolivianos, andinos?

Sejam bem-vindos entre nós

Pois vieram trazendo suas mãos vazias e cheias de calos

De tanto trabalho em suas bandas

Perguntem-lhes como plantar o milho em montanhas

Como domar o lhama, montá-lo e guiá-lo em ribanceiras perigosas

Perguntem-lhes como ouvir os ventos dos Andes, como mastigar a folha coca

Para não sentirem as vertigens das alturas

Perguntem-lhes como construíram Machu Pichu há milhares de anos

Perguntem-lhes como tocar a flauta pan, como produzi-la

Perguntem às mulheres como costurar as túnicas, mantas e vestes andinas

Como suportar o frio, como criar seus bebês com saúde em lugar tão severo

Perguntem como fazer um chá, uma sopa, um cozido andino

Como entender tamanha riqueza cultural?

Tanta coisa a nos ensinar e tememos conhecê-los

Meu Deus, são imigrantes! São outro mundo entre nós.

Que sejam bem-vindos então.

Os sírios estão entre nós

São outra cultura, outro modo de vida

Mas não vêm de mãos nuas, nem de mentes vazias

Trazem suas riquezas, suas formas de trabalhar

Quem sabe outra maneira de contar, enumerar, guardar?

Quem sabe novos modos de amarrar, de marcar, de sinalizar?

Quem sabe nova maneira de tecer, cozinhar, domesticar

Sim, talvez saibam melhor do que nós como lidar com cabras, ovelhas

Como extrair o leite, como preservar o alimento

Talvez tenham outro uso do tijolo, da areia, do cimento

Quem sabe apontam o lápis de outra forma, talhem madeira de outra maneira?

Ou talvez lavem e empilhem louças de outro jeito, ou arrumem seus tecidos diferente?

Sim, senhores. Sejamos curiosos. Sejamos generosos conosco e com eles

Aprendamos como fazem, aprendamos o que fazem

Tanta coisa a aprender, tanto a receber

E pensamos que estão nos tirando, nos substituindo

Aprendamos, com eles, como sermos fortes

Pois vieram da guerra, entendem de sofrimento

Admiremos sua coragem, pois enfrentaram o que, talvez, nunca enfrentaremos

Têm muito a nos ensinar

A viver, a valorizar o que temos, a valorizar quem temos

Sim, são imigrantes, vieram do nosso planeta e estão entre nós

Aprendamos a lutar como eles lutaram

A não desistir como eles não desistiram

Aprendamos a chorar e lamentar na hora da perda

Mas também a comemorar na hora da conquista

A celebrar a liberdade e a paz

A brindar a vitória, por menor que seja

A agradecer pela saúde, pelos dois braços, duas pernas e cabeça para trabalhar

Sim, eles são fortes e sabem que são

Mas são humildes e respeitam nossas regras

Sabem que devem respeitar o anfitrião

Porém, são sábios e não orgulhosos e sabem receber ajuda

Meu Deus, são imigrantes! São outro mundo entre nós.

Que sejam bem-vindos então.

Perguntem ao africano como é enfrentar um deserto

Como é passar pelo território do leão

Perguntem como escapar do leopardo, como fugir do rinoceronte

Perguntem como é nadar e evitar os crocodilos

Como é passar pelos gorilas nas montanhas

Perguntem como é vencer a savana sem ser atingido pelas grandes feras

Perguntem ao africano como é procurar água na secura

Como é fazer casa sem tijolo e cimento

Perguntem como se cozinha usando estrume de animal

Para fazer o fogo

Perguntem como caçar e pescar onde não se vê direito

Como é procurar à noite o caminho de volta

Enfim, perguntem como é ser homem, ser valente

Não, não vieram nos tomar nada

Vieram trazer muitas coisas que sequer imaginamos

Perguntem aos haitianos como fogem dos terremotos

Perguntem como sobreviveram a 2010, quando nem os religiosos resistiram

Perguntem como suportaram tamanha miséria em seu país

Perguntem como conseguiram sobreviver a biscoito de barro em seus estômagos

Acho que a resposta é esperança

Meu Deus, são imigrantes! São outro mundo entre nós.

Que sejam bem-vindos então.

Eles vieram nos enriquecer

Com seu trabalho, com sua alegria, com sua criatividade e sabedoria

São imigrantes, são homens, mulheres, jovens e crianças

Talvez os velhos não tivessem mais forças

Ou talvez esperança

Mas estes vieram, estão em nosso meio

São um mundo entre nós

Não percamos a oportunidade de sermos generosos

Um dia, talvez, nossos filhos precisem ser recebidos pelos seus filhos...

Quem sabe? Quem garante que não?

O mundo sempre deu voltas

E os outrora andarilhos viram anfitriões...