O chato

Sou um chato.

Aquele que ninguém quer ver por perto.

Que ninguém quer ouvir.

Sou o famoso mala, o estraga-prazer, o bombom-de-alho

Enfim, o chato.

Aquele que costuma dizer o que não querem ouvir

Aquele cuja sinceridade granítica, fria e insensível

Provoca as mais indigestas reações

Sou aquele que o se recusa a pular a roleta quando o cobrador (trocador) pede,

Estendendo algumas moedas em sua mão para pagar o “favor”

Sou aquele que chama o garçom (garçom é bom) para dizer que a farofa está salgada demais

Sou o que pede a pequena moeda de troco no supermercado

Para não faltar ao cobrador (quem sabe o mesmo do pulo)

Sou o chato, o inconveniente

Que chateia a quem quer que seja

Seja policial, vendedor, cobrador

Sou o que diz ao gerente do banco que não entende como um banco pode dificultar tanto a negociação de um empréstimo com um cliente que lhe dá lucro há quinze anos e ainda diz que é o 3º melhor banco do Brasil

Sou o chato de galocha, o chato de carteirinha

Aquele que diz que a água servida está morna, mesmo sendo cobrado preço de gelada.

Sou o chato, sou o cara que diz que não torce nem para Remo, nem para Paysandu porque o futebol paraense nunca o encantou, nunca o entusiasmou.

Sou o chato que dá bronca ao porteiro que não atende direito, não é educado.

Sou o chato que diz que não entendeu a professora na aula da Universidade,

Pois ela não se fez clara

Que não concorda com o regulamento que não é bem explicado, mas cobrado.

Que não aceita que algo lhe seja negado só porque “disseram que não pode”,

Mas sem explicações plausíveis.

Sou o chato que reclama do café de gosto desagradável sendo servido

Da falta de cuidados higiênicos de quem serve o sanduíche de rua

Sou o chato que diz que a propaganda é enganosa, pois a promoção de sorvete está mal explicada

Sou um tremendo chato, pois afirmo a um grupo que a situação está errada,

Que o grupo está paparicando demais o líder

Que diz ao pastor que ele se enganou, que falou o que não deveria, que ele (quanta ousadia!) está errado e deve reconsiderar

Sou o chato que questiona o companheiro de jogo de futebol dizendo: “por você que veio jogar se está sem vontade, pô?”

Ou então o chato que diz ao outro companheiro que ele é um chato, pois não para de reclamar sem necessidade

Sou o chato da turma, ou até o sem-turma por ser chato

Sou o que reclama de quem me repreende, mesmo sem ter direito algum disso

Sou o chato que desmente quem quer que seja, pois não suporta falso testemunho e não aguenta ser difamado

Sou o chato que não aceita o que o governo diz, que não acredita em tudo que a imprensa informa

Sou o chato que não aceita qualquer modismo, ou quase nenhum modismo

Que não concorda que determinados jogadores sejam chamados de craques pelos locutores ou comentaristas esportivos

Que não concorda que a Giselle Bütchen seja a toda hora chamada de lindíssima, quando é apenas bonita

Que não dá ouvidos ao que é dito por artistas da moda se não tem coerência

Que detesta apresentador de TV que elogia demais os artistas convidados sem motivo

E que chama qualquer novela de sucesso quando se sabe que algumas foram um verdadeiro fracasso

Que não aceita que Chimbinha seja considerado um grande compositor paraense e Joelma uma grande cantora, pois sua voz é irritante

Que não entende por que não param de falar da Anita e convidá-la para participar de programas de TV (quem ainda aguenta isso?)

Sou o chato que não entende por que o Lucas ficou de fora das duas últimas copas enquanto Hulk, Paulinho e Willian não disseram o que foram fazer nelas

Sou chatérrimo quando digo que algumas novelas da Globo e suas minisséries são chatas

E mais chato ainda quando digo, pra quem quiser ouvir, que detesto o sertanejo universitário,

O arrocha,

O forronejo,

O forró universitário,

O Aviões do Forró,

O tecnobrega

As músicas cantadas pelo Thiaguinho,

Pela Paula Fernades,

Mc Guimê,

Luan Santana,

etc...

Sou muito chato, e mais ainda quando escrevo, pois não me importo em ser impopular (já sou) e chatear muita gente

Sou o cara que não gosta que o atendente atenda ao telefone enquanto me atende (afinal, saí de casa, peguei ônibus, gastei tempo e dinheiro!), pois parece que quem apenas liga para ser atendido tem o mesmo peso de quem vai ao local.

Sou chato, pois não aceito entrar numa fila enorme para pedir uma informação que poderia estar escrita e visível numa parede do banco.

Sou o mala, sou o estraga-prazer, que pega a TV ligada numa série adolescente norte-americana e diz aos presentes: “Que programa mais chato!”

Sou o mala, o chato, chato, chato.

Sou o chato porque sou o do contra.

Se a música estoura nas paradas (visualizações), digo: e daí?

Se o filme é premiado ou indicado ao prêmio, como o “Será que ela volta?”, digo: “não sei por quê.”

Se o garoto é aclamado no Rock in Rio como ídolo dos adolescentes, pergunto: “Hein?”

Não se preocupe. Não é inveja. Não quero ter/ser/fazer nada disso que são ou fazem. É chatice mesmo.

Sou chato por não entrar na sala da unanimidade.

Não que eu concorde com Nélson Rodrigues. Aliás, ele mesmo é uma unanimidade de quem não gosto.

Sou chato por não considerá-lo gênio nem nada. Por não admirá-lo como dramaturgo, apenas como cronista.

Não, não sou pessimista. Apenas vejo o que ninguém vê ou não vejo o que todos vêm.

Sou chato mesmo. Não sou mal-humorado, nem sem graça. Não sou infeliz, mesmo sendo chato.

A chatice me acompanha. Tenho o dom de ser feliz e não conduzi-la a ninguém, só a chatice.

Coca-Cola, o melhor refrigerante? Nada disso, não concordo porque prefiro outro e porque sou chato.

Picolé de fruta Kibon? Que bom que existem melhores aqui no meu estado. Comprovadamente.

Cadê o picolé de cupuaçu, açaí, bacuri, uxi, dona Kibon? De chocolate o mundo todo faz.

Sou chato, hein? Para de ler isso aí!

Sou chato porque ninguém me entende. Se me entendessem, seriam chatos igual a mim.

Ser chato é ser autêntico. É não ser piolho (você sabe o resto da frase, é manjado).

Ok, sou chato, mas digo: Não ando pela cabeça dos outros.

Chato, chato, chato. Mas não ando no saco dos outros. Sou chato no bom sentido do termo.

Um chato tem cura? Tem vez? Tem voz?

Não importa. Sou chato. Ninguém me contraria. Ninguém duvida.

Mas são os chatos que mudam o mundo. Saem do marasmo porque não se conformam com o que os outros dizem, fazem ou concordam.

O verdadeiro chato é um exigente. Que ver algo melhor. Quer o melhor das pessoas.

Os melhores professores, instrutores, técnicos de futebol, pais, mães, diretores, patrões são chatos. São chatos porque exigem o melhor de seus pupilos.

A chatice modifica o mundo. Somos, nós, os chatos, visionários. Usamos a chatice para avançar, para exigir mais do que vemos nos outros.

Chatice sim, atraso não. Chatice sim, mesmice não.

Sou chato sim e admito. Mas quem, ao menos uma vez na vida, já não foi?