Um contraponto à visão de que o crescimento econômico continuado é compatível com a preservação do meio ambiente
Publicado em 21 de dezembro de 2010 por Antonio LimaJr
Este artigo foi motivado pelo lançamento da edição especial sobre sustentabilidade da Revista Veja, em dezembro de 2010, que traz uma matéria que começa com a seguinte pergunta:
O Brasil pode crescer em ritmo chinês sem agredir o ambiente?
E a resposta, como poderiam esperar os mais céticos com a revista Veja, é:
SIM!
Vejamos os argumentos:
1) Agronegócio: o Brasil é campeão em produtividade e exportação. Área plantada e produção apresentam crescimento histórico. Ainda há cerca de 10% de terras ociosas para pecuária. No ritmo de crescimento do agronegócio, ou aumenta a produtividade ou haverá invasão da Floresta Amazônica.
- O país dispõe de tecnologia para tal, acontece que é mais barato desmatar.
2) Energia: cerca de 74% da nossa energia é produzida por hidrelétricas. Nos próximos 1o anos a demanda deve crescer mais de 50%. Deve aumentar a participação dos combustíveis fósseis na matriz energética.
- Nos próximos seis anos, seriam necessários investimentos de R$2 bilhões de reais, parte disto deveria ser investido em energia eólica. Do contrário, será necessário maior uso de energia térmica e nuclear.
3) Amazônia: estaria próxima do seu limite. Um aumento de 2% no desmatamento implicaria em sua transformação em savana, um ponto sem retorno. Um desastre ambiental, péssimo para a agricultura e produção de energia (faltou dizer que será péssimo para as pessoas e seres vivos em geral).
- Não há qualquer registro de país que tenha sido capaz de conciliar preservação ambiental e expansão agrícola.
- A solução seria adotar o novo Código Florestal, "mais realista que o anterior". Preconiza as práticas de indenização a proprietários de terras para preservação da floresta, como na Costa Rica.
4) Saneamento: menos de 60% dos domicílios brasileiros têm saneamento. Mais de 8 bilhões de litros de esgoto são despejados nas nossas fontes de água. Ressalta que a poluição cresce com o aumento da industrialização e consumo. Menciona a China, com 50% de rios insalubres e possuidora de 16 cidades dentre as 20 mais poluídas do mundo.
- Seria necessário investir 55 bilhões de reais por ano (isto mesmo! R$55bi/ano) nos próximos 10 anos.
5) Transportes: as rodovias e o diesel respondem por 2/3 dos transportes de carga. Nas cidades, o modelo de transporte é o ônibus e automóvel particular (também combustíveis fósseis). Com maior produção, haverá mais transporte. Em péssimas estradas. Nas cidades sem metrô o trânsito tende a piorar.
- Para gargalos da infraestrutura viária seriam necessários R$ 22 bilhões, especialmente para ferrovias em áreas produtoras.
6) Portos: o Brasil, um dos maiores exportadores de alimentos, tem infraestrutura portuária pífia e transporte 4x mais lento que portos similares. Isto gera grandes prejuízos e desperdício de alimentos. Ao ritmo de crescimento de exportações atual, seria necessário duplicar os portos em 8 anos.
- A solução seria triplicar (isso mesmo, TRIPLICAR) os investimentos nesta infraestrutura.
7) Demografia: a fecundidade decresceu, e hoje é de 1,8 filhos por mulher (ao menos uma notícia alentadora). Crescimento econômico implica em aumento de emprego, renda e, portanto de consumo. Entretanto, para o ambiente, mais importante que o tamanho da população é o padrão de consumo (observe que o impacto ambiental das populações da América do Norte e Europa são significativamente maiores que as demais populações no mundo).
- Seriam necessárias inovações na indústria e agropecuária para aumentar produtividade sem causar danos ambientais.
Uma leitura atenta dos argumentos, apresentados na própria matéria, deveria levar a uma conclusão oposta à resposta SIM. Não obstante serem plausíveis as hipóteses de soluções tecnológicas. Mas há muito mais que isso a considerar.
Sendo mais otimista e menos realista, o leitor concluiria por uma grande interrogação. Mas podemos "engrossar o caldo", com alguns simples questionamentos:
1) Agronegócio e Amazônia:
- Uma sociedade apática vai cobrar as mudanças?
- O que faria os agricultores adotarem tecnologias mais caras, quando é mais barato desmatar? Novas leis? Legislação feita por nossos parlamentares corruptos, demagógicos e fisiológicos? O Congresso atual aprovaria o pagamento a proprietários de terras para preservarem florestas? Um valor hipoteticamente aprovado seria suficiente para competir com os lucros da atividade criminosa?
- Pouquíssimos fiscais seriam suficientes para zelar pelo cumprimento das leis em um território gigante? Ainda mais com a facilidade de corrupção fiscal, historicamente presente em nossas terras tupiniquins?
- E o orçamento para tudo isso? Lembremos que até a educação teve cortes orçamentários para 2011!
2) Energia, Saneamento, Transportes e Portos:
- De onde virão os bilhões e bilhões necessários para este magnífico Novo Milagre Econômico?
- Ainda que haja recursos - digamos que de Parcerias Público Privadas, como esperar tais decisões de investimento em infraestrutura produtiva, num país que optou pelos seguintes investimentos:
a) Copa do Mundo de 2014 ("investimentos" estimados em R$ 5 bi), só que estimativas realista são muito superiores);
b) Olimpíadas de 2016 (Rio se prepara para "investir" 25,9 Bi); e
c) Trem Bala? Trem Bala e Crescimento Sustentável?
E olhem que estamos comprometidos com tais investimentos voluptuários "até o pescoço" nos próximos anos. Em que medida estes investimentos ajudam em sustentabilidade ambiental ou em que se prestam à solução dos problemas na infraestrutura ferroviária, portuária, de transporte rodoviário e urbano, do saneamento, além da geração de energia limpa?
No caso do trem bala, estima-se:
- O gasto de R$ 33 bi com o trem bala seria suficiente para construir 300km de metrô, o que é cinco vezes a malha de São Paulo;
- Este mesmo gasto seria suficiente para construir 11 mil km de ferrovias comuns (permitiria trocar grande parte do transporte em péssimas rodovias e queimando diesel por transporte em ferrovias novinhas, reduzindo, ainda, o grande desperdício de alimentos perdidos no transporte);
- Novamente, as previsões são muito otimistas. Outros países gastaram muito mais que o previsto no trem bala. E nossa topografia é desvantajosa em relação a estes, o que tende a aumentar ainda mais os gastos reais. Há quem acredite que o gasto com o trem bala vá dobrar. Isto significará maiores tarifas e/ou maiores incentivos fiscais, abrindo mão de mais arrecadação de impostos;
- Ainda, pode-se argumentar que este investimento é privado. Mas não esqueçamos que o Estado abdicará de anos de arrecadação de impostos, o que equivale a gastos. Sem falar que este serviço, com benefício fiscal, concorrerá com outros serviços de transporte, como ônibus e ponte aérea, com impacto negativo na arrecadação oriundas destas outras fontes;
- Investir em saneamento? Os fatos estão aí: milhões de pessoas sem saneamento, milhares de mortes, especialmente mortalidade infantil, por doenças ligadas à falta de saneamento. Qual foi a opção política? Copa, Olimpíadas e Trem Bala! O povo e a natureza podem esperar...
Além do mais, todos os anos milhões são gastos em saneamento, grande parte "enterrados" ou que escoaram pelos ralos da corrupção. E cadê a capacidade de realização e a efetividade dos gastos, nesta nossa cultura de desvios de recursos públicos, de ineficiência e de ausência de práticas de cidadania, na cobrança de adequada destinação dos recursos públicos?
3) Demografia e hábitos de consumo:
- Embora o crescimento das taxas de fecundidade estejam em declínio, eles ainda são positivos. Ou seja, nossa população ainda está crescendo. Quanto ao desmatamento decorrente da expansão das cidades onde vivemos, e do aumento do consumo, que tal apresentar projeções baseadas no comportamento recente, para saber se aumentará 2%, tornando a Amazônia uma Savana?;
- Nosso PIB está crescendo. Logo, estamos enriquecendo. Se seguirmos o mesmo caminho que os nossos irmãos ocidentais da America do Norte e Europa seguiram historicamente, e continuam seguindo, seremos cada vez mais insustentáveis.
- E nada indica que os debates sobre sustentabilidade e preservação ambiental vão conquistar o gosto da preferência popular. Basta ver os assuntos euforicamente disputados nas redes sociais!
Certamente ainda seriam pertinentes muitos outros argumentos, mas estes parecem bastar para ressalvar a leitura da matéria da Veja:
Os dados e argumentos apresentados são bons e verossímeis. Mas as conclusões... estas não são condizentes com a própria argumentação apresentada na matéria. Salvo se o leitor estiver movido por uma grande dose de otimismo e credulidade quanto ao bom comportamento da humanidade.
O que mais chama a atenção é a afirmação de que uma das chaves para a requerida sustentabilidade seriam:
"Inovação tecnológica só existe se há aumento do consumo, aumento da produção e da riqueza de um país."
Segundo a matéria, seria um pensamento afim da teoria da curva ambiental de Kuznets (Prêmio Nobel de 1971). Em resumo: nas fases iniciais da industrialização ocorre um aumento da poluição e dos impactos ambientais, que depois se estabilizam e, por fim, decrescem, com o aumento do nível de renda e educação da população. Seria um padrão de "U" invertido.
A suposta adequação da teoria de Kuznets à idéia da sustentabilidade do crescimento chinês no Brasil (ou em qualquer outro país), em harmonia com a preservação ambiental, não se sustenta, devido a simples constatações, presentes na própria edição especial da Veja:
- "A Europa detinha 7% das florestas do planeta e hoje conta com mísero 0,1%. Nos Estados Unidos, quase não há mais terras disponíveis para produzir alimentos."
- "Com as pegadas ecológicas da Oceania (5,4 gha), e dos Estados Unidos e Canadá (7,9 gha) precisaríamos parar em 2,5 bilhões e 1,7 bilhão de habitantes, respectivamente."
(detalhe, hoje já temos 7 bihões de habitantes em nosso planeta, logo, estes países, que são os mais ricos e mais educados em todo o mundo, são os mais insustentáveis de todos! E quando os demais enriquecerem e forem educados, já não terão mais qualquer floresta ou ambiente natural.)
Ou seja, os focos do problema são dois, especialmente:
1) A quantidade de pessoas no planeta; e
2) O modelo de produção e consumo baseado no pressuposto do crescimento continuado e "laissez faire" (nos países ricos, é mais comum as pessoas se encherem de alimentos e gorduras, além do necessário, para depois gastarem com academia ou redução de estômago. Já os pobres...).
Sobre explosão demográfica, cabe mencionar um milionário australiano, Dick Smith, que ofereceu um prêmio de U$ 1 milhão para alguém que afronte o crescimento populacional global.
Mas nem tudo está perdido. E espero que decidamos por um caminho que não leve ao nosso fim. De qualquer modo, a natureza deve sobreviver à espécie humana, embora não necessariamente como já foi um dia.
Talvez, depois de muito sofrimento de milhões de pessoas e de grandes catástrofes ambientais, cada vez mais inesperadas e surpreendentes, a população mundial - especialmente a que deveria ter mais discernimento - acorde e reveja os seus conceitos sobre o modelo de produção baseado em contínuo crescimento econômico, em consumo desenfreado, no desprezo pelas outras espécies de seres vivos e na exploração insaciável dos recursos naturais do nosso planeta.
São estas as conclusões que posso chegar com a leitura que faço do mundo. Pessimista? Creio que não, do contrário não estaria aqui discutindo o assunto, pois seria puro sadismo. Mas alguém poderia me mostrar uma leitura diferente?
De qualquer modo, tenhamos fé!
A matéria da Revista Veja é assinada por Gabriela Carelli. Os comentários são do autor do artigo.
O Brasil pode crescer em ritmo chinês sem agredir o ambiente?
E a resposta, como poderiam esperar os mais céticos com a revista Veja, é:
SIM!
Vejamos os argumentos:
1) Agronegócio: o Brasil é campeão em produtividade e exportação. Área plantada e produção apresentam crescimento histórico. Ainda há cerca de 10% de terras ociosas para pecuária. No ritmo de crescimento do agronegócio, ou aumenta a produtividade ou haverá invasão da Floresta Amazônica.
- O país dispõe de tecnologia para tal, acontece que é mais barato desmatar.
2) Energia: cerca de 74% da nossa energia é produzida por hidrelétricas. Nos próximos 1o anos a demanda deve crescer mais de 50%. Deve aumentar a participação dos combustíveis fósseis na matriz energética.
- Nos próximos seis anos, seriam necessários investimentos de R$2 bilhões de reais, parte disto deveria ser investido em energia eólica. Do contrário, será necessário maior uso de energia térmica e nuclear.
3) Amazônia: estaria próxima do seu limite. Um aumento de 2% no desmatamento implicaria em sua transformação em savana, um ponto sem retorno. Um desastre ambiental, péssimo para a agricultura e produção de energia (faltou dizer que será péssimo para as pessoas e seres vivos em geral).
- Não há qualquer registro de país que tenha sido capaz de conciliar preservação ambiental e expansão agrícola.
- A solução seria adotar o novo Código Florestal, "mais realista que o anterior". Preconiza as práticas de indenização a proprietários de terras para preservação da floresta, como na Costa Rica.
4) Saneamento: menos de 60% dos domicílios brasileiros têm saneamento. Mais de 8 bilhões de litros de esgoto são despejados nas nossas fontes de água. Ressalta que a poluição cresce com o aumento da industrialização e consumo. Menciona a China, com 50% de rios insalubres e possuidora de 16 cidades dentre as 20 mais poluídas do mundo.
- Seria necessário investir 55 bilhões de reais por ano (isto mesmo! R$55bi/ano) nos próximos 10 anos.
5) Transportes: as rodovias e o diesel respondem por 2/3 dos transportes de carga. Nas cidades, o modelo de transporte é o ônibus e automóvel particular (também combustíveis fósseis). Com maior produção, haverá mais transporte. Em péssimas estradas. Nas cidades sem metrô o trânsito tende a piorar.
- Para gargalos da infraestrutura viária seriam necessários R$ 22 bilhões, especialmente para ferrovias em áreas produtoras.
6) Portos: o Brasil, um dos maiores exportadores de alimentos, tem infraestrutura portuária pífia e transporte 4x mais lento que portos similares. Isto gera grandes prejuízos e desperdício de alimentos. Ao ritmo de crescimento de exportações atual, seria necessário duplicar os portos em 8 anos.
- A solução seria triplicar (isso mesmo, TRIPLICAR) os investimentos nesta infraestrutura.
7) Demografia: a fecundidade decresceu, e hoje é de 1,8 filhos por mulher (ao menos uma notícia alentadora). Crescimento econômico implica em aumento de emprego, renda e, portanto de consumo. Entretanto, para o ambiente, mais importante que o tamanho da população é o padrão de consumo (observe que o impacto ambiental das populações da América do Norte e Europa são significativamente maiores que as demais populações no mundo).
- Seriam necessárias inovações na indústria e agropecuária para aumentar produtividade sem causar danos ambientais.
Uma leitura atenta dos argumentos, apresentados na própria matéria, deveria levar a uma conclusão oposta à resposta SIM. Não obstante serem plausíveis as hipóteses de soluções tecnológicas. Mas há muito mais que isso a considerar.
Sendo mais otimista e menos realista, o leitor concluiria por uma grande interrogação. Mas podemos "engrossar o caldo", com alguns simples questionamentos:
1) Agronegócio e Amazônia:
- Uma sociedade apática vai cobrar as mudanças?
- O que faria os agricultores adotarem tecnologias mais caras, quando é mais barato desmatar? Novas leis? Legislação feita por nossos parlamentares corruptos, demagógicos e fisiológicos? O Congresso atual aprovaria o pagamento a proprietários de terras para preservarem florestas? Um valor hipoteticamente aprovado seria suficiente para competir com os lucros da atividade criminosa?
- Pouquíssimos fiscais seriam suficientes para zelar pelo cumprimento das leis em um território gigante? Ainda mais com a facilidade de corrupção fiscal, historicamente presente em nossas terras tupiniquins?
- E o orçamento para tudo isso? Lembremos que até a educação teve cortes orçamentários para 2011!
2) Energia, Saneamento, Transportes e Portos:
- De onde virão os bilhões e bilhões necessários para este magnífico Novo Milagre Econômico?
- Ainda que haja recursos - digamos que de Parcerias Público Privadas, como esperar tais decisões de investimento em infraestrutura produtiva, num país que optou pelos seguintes investimentos:
a) Copa do Mundo de 2014 ("investimentos" estimados em R$ 5 bi), só que estimativas realista são muito superiores);
b) Olimpíadas de 2016 (Rio se prepara para "investir" 25,9 Bi); e
c) Trem Bala? Trem Bala e Crescimento Sustentável?
E olhem que estamos comprometidos com tais investimentos voluptuários "até o pescoço" nos próximos anos. Em que medida estes investimentos ajudam em sustentabilidade ambiental ou em que se prestam à solução dos problemas na infraestrutura ferroviária, portuária, de transporte rodoviário e urbano, do saneamento, além da geração de energia limpa?
No caso do trem bala, estima-se:
- O gasto de R$ 33 bi com o trem bala seria suficiente para construir 300km de metrô, o que é cinco vezes a malha de São Paulo;
- Este mesmo gasto seria suficiente para construir 11 mil km de ferrovias comuns (permitiria trocar grande parte do transporte em péssimas rodovias e queimando diesel por transporte em ferrovias novinhas, reduzindo, ainda, o grande desperdício de alimentos perdidos no transporte);
- Novamente, as previsões são muito otimistas. Outros países gastaram muito mais que o previsto no trem bala. E nossa topografia é desvantajosa em relação a estes, o que tende a aumentar ainda mais os gastos reais. Há quem acredite que o gasto com o trem bala vá dobrar. Isto significará maiores tarifas e/ou maiores incentivos fiscais, abrindo mão de mais arrecadação de impostos;
- Ainda, pode-se argumentar que este investimento é privado. Mas não esqueçamos que o Estado abdicará de anos de arrecadação de impostos, o que equivale a gastos. Sem falar que este serviço, com benefício fiscal, concorrerá com outros serviços de transporte, como ônibus e ponte aérea, com impacto negativo na arrecadação oriundas destas outras fontes;
- Investir em saneamento? Os fatos estão aí: milhões de pessoas sem saneamento, milhares de mortes, especialmente mortalidade infantil, por doenças ligadas à falta de saneamento. Qual foi a opção política? Copa, Olimpíadas e Trem Bala! O povo e a natureza podem esperar...
Além do mais, todos os anos milhões são gastos em saneamento, grande parte "enterrados" ou que escoaram pelos ralos da corrupção. E cadê a capacidade de realização e a efetividade dos gastos, nesta nossa cultura de desvios de recursos públicos, de ineficiência e de ausência de práticas de cidadania, na cobrança de adequada destinação dos recursos públicos?
3) Demografia e hábitos de consumo:
- Embora o crescimento das taxas de fecundidade estejam em declínio, eles ainda são positivos. Ou seja, nossa população ainda está crescendo. Quanto ao desmatamento decorrente da expansão das cidades onde vivemos, e do aumento do consumo, que tal apresentar projeções baseadas no comportamento recente, para saber se aumentará 2%, tornando a Amazônia uma Savana?;
- Nosso PIB está crescendo. Logo, estamos enriquecendo. Se seguirmos o mesmo caminho que os nossos irmãos ocidentais da America do Norte e Europa seguiram historicamente, e continuam seguindo, seremos cada vez mais insustentáveis.
- E nada indica que os debates sobre sustentabilidade e preservação ambiental vão conquistar o gosto da preferência popular. Basta ver os assuntos euforicamente disputados nas redes sociais!
Certamente ainda seriam pertinentes muitos outros argumentos, mas estes parecem bastar para ressalvar a leitura da matéria da Veja:
Os dados e argumentos apresentados são bons e verossímeis. Mas as conclusões... estas não são condizentes com a própria argumentação apresentada na matéria. Salvo se o leitor estiver movido por uma grande dose de otimismo e credulidade quanto ao bom comportamento da humanidade.
O que mais chama a atenção é a afirmação de que uma das chaves para a requerida sustentabilidade seriam:
"Inovação tecnológica só existe se há aumento do consumo, aumento da produção e da riqueza de um país."
Segundo a matéria, seria um pensamento afim da teoria da curva ambiental de Kuznets (Prêmio Nobel de 1971). Em resumo: nas fases iniciais da industrialização ocorre um aumento da poluição e dos impactos ambientais, que depois se estabilizam e, por fim, decrescem, com o aumento do nível de renda e educação da população. Seria um padrão de "U" invertido.
A suposta adequação da teoria de Kuznets à idéia da sustentabilidade do crescimento chinês no Brasil (ou em qualquer outro país), em harmonia com a preservação ambiental, não se sustenta, devido a simples constatações, presentes na própria edição especial da Veja:
- "A Europa detinha 7% das florestas do planeta e hoje conta com mísero 0,1%. Nos Estados Unidos, quase não há mais terras disponíveis para produzir alimentos."
- "Com as pegadas ecológicas da Oceania (5,4 gha), e dos Estados Unidos e Canadá (7,9 gha) precisaríamos parar em 2,5 bilhões e 1,7 bilhão de habitantes, respectivamente."
(detalhe, hoje já temos 7 bihões de habitantes em nosso planeta, logo, estes países, que são os mais ricos e mais educados em todo o mundo, são os mais insustentáveis de todos! E quando os demais enriquecerem e forem educados, já não terão mais qualquer floresta ou ambiente natural.)
Ou seja, os focos do problema são dois, especialmente:
1) A quantidade de pessoas no planeta; e
2) O modelo de produção e consumo baseado no pressuposto do crescimento continuado e "laissez faire" (nos países ricos, é mais comum as pessoas se encherem de alimentos e gorduras, além do necessário, para depois gastarem com academia ou redução de estômago. Já os pobres...).
Sobre explosão demográfica, cabe mencionar um milionário australiano, Dick Smith, que ofereceu um prêmio de U$ 1 milhão para alguém que afronte o crescimento populacional global.
Mas nem tudo está perdido. E espero que decidamos por um caminho que não leve ao nosso fim. De qualquer modo, a natureza deve sobreviver à espécie humana, embora não necessariamente como já foi um dia.
Talvez, depois de muito sofrimento de milhões de pessoas e de grandes catástrofes ambientais, cada vez mais inesperadas e surpreendentes, a população mundial - especialmente a que deveria ter mais discernimento - acorde e reveja os seus conceitos sobre o modelo de produção baseado em contínuo crescimento econômico, em consumo desenfreado, no desprezo pelas outras espécies de seres vivos e na exploração insaciável dos recursos naturais do nosso planeta.
São estas as conclusões que posso chegar com a leitura que faço do mundo. Pessimista? Creio que não, do contrário não estaria aqui discutindo o assunto, pois seria puro sadismo. Mas alguém poderia me mostrar uma leitura diferente?
De qualquer modo, tenhamos fé!
A matéria da Revista Veja é assinada por Gabriela Carelli. Os comentários são do autor do artigo.