UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA

DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO MESTRADO E DOUTORADO

DISCIPLINA:

DOCENTE: PROFESSOR DOUTOR ELIZIÁRIO ANDRADE

ACADÊMICO: JEORGE LUIZ CARDOZO – ALUNO ESPECIAL

         ARTIGO

  À APROPRIACÃO DO ESPAÇO PÚBLICO E DO MEIO AMBIENTE.

Jeorge Luiz Cardozo*

 ...são os sujeitos, situados historicamente, que, pela fala, estabelecem uma relação interpessoal numa comunidade comunicativa (Habermas).

 A questão do espaço ou esfera pública particularmente em se tratando da cidade e da destruição ambiental, pode ser vista a partir de várias dimensões. Nesta monografia, trataremos basicamente de duas delas: Como espaço público político e como espaço público territorial.

 A esfera pública política é vista como uma política fora do Estado, mas que não se confunde nem com o mercado e a estrutura econômica nem com as organizações da sociedade civil, na medida em que seus objetivos são privados e são mais amplos que os de organizações mais específicas da sociedade civil. São espaços de debate das questões políticas de interesse público e de formação de uma opinião pública ativa, porque é fruto de uma discussão onde os cidadãos possam participar, não somente de forma passiva, como ocorre na maioria dos casos quando estes são apenas informados sobre os debates e decisões que ocorrem nas esferas estatais, sejam elas executivas ou legislativas.

 Do ponto de vista histórico existem muitas leituras sobre a origem da esfera pública e o papel que exerceu em diferentes realidades e formações sociais. Este é um debate relativamente novo na academia, mas deve ser feito tendo como base o que conhecemos da sua história e da nossa realidade e compreendo que a esfera pública tem um caráter de classe historicamente condicionado. Pois, trata-se concretamente, de construir instrumentos de afirmação de uma opinião pública ativa e de uma esfera pública alternativa àquele constituída pela burguesia.

   È assim que, num clássico sobre este tema, Habermas (1984) estuda a esfera pública e a opinião pública burguesa como categorias historicamente definidas e ligadas ao desenvolvimento da sociedade burguesa, da opinião pública burguesa e da imprensa nascida na Europa, durante o “outono” da idade média. Mas ele reconhece a existência histórica de outras variantes como à esfera pública “plebéia”, a “helênica” e a “esfera de representação pública feudal” – que, segundo este autor, da autoridade e do brilho na nobreza que precisavam ser exibidos.

  É neste sentido geral que Monique Augras (1978) também vê a opinião pública como um conceito histórico e ligado à prática. Identifica uma opinião pública da Ágora da polis grega que orienta a tomada de decisões em Atenas, mas de um público formado apenas pelos cidadãos, ou seja, naquela realidade, a fora os escravos, as mulheres e os jovens. Semelhantes era o caso da Vox Populi no Fórum da República Romana, onde a “voz do povo” era apenas de uma parte do povo. Na Idade Média, há também o conceito de Consensus Omminium, ou “acordo de todos”. Mas de “todos os nobres” e buscando o apoio do povo para as cruzadas. Neste caso, os hereges também ficavam de fora, pois expressavam uma opinião crítica também de forma religiosa. O advento do capitalismo, do Renascimento e a Reforma foram consolidando a idéia da existência de uma opinião crítica, e, de uma esfera pública independente do poder feudal e que tem um importante papel entre os intelectuais da Revolução Francesa de 1789, que, no seu calendário, criaram ao lado da “Festa Razão”, a “Festa Opinião”. “As proclamações republicanas assim propiciavam: ‘O povo decidiu’. Lastimavelmente, quanto mais se falava em decisão popular, menos se votava. A opinião expressava a voz do grupo que estava no poder” (Augras, 1978).

 A opinião pública e a esfera pública burguesa vão surgir à trilha da troca de mercadorias e da troca de informações iniciadas com o capitalismo financeiro e mercantil, desenvolvidos com as feiras e os burgos e o surgimento dos primeiros correios e imprensa. O crescimento do comércio, o surgimento das companhias e das sociedades por ações, o desenvolvimento cada vez maior do mercado exterior, vão exigindo maiores garantias institucionais, ou seja, no caso, políticas e militares. Paralelamente, temos o desenvolvimento do Estado-Nação, que nacionaliza economias antes mais localizadas, e do Estado Moderno como centralização política, com administração e exércitos permanentes: é a consolidação do chamado “poder público”, sendo, aqui, “público” sinônimo de “estatal”. Portanto, há um fortalecimento do Estado e da burguesia, porém o Estado sendo dirigido pela nobreza e a burguesia sendo privada do poder. Estão aí os elementos fundamentais da contradição que levará ao surgimento da esfera pública burguesa: a força emergente e paulatinamente hegemônica na economia e cada vez mais letrada e informada estava desprovida de poder político.

 Assim, para Habermas (1984), a “esfera pública burguesa pode ser entendida inicialmente como a esfera de pessoas privadas reunidas em um público” para defender a sua liberdade econômica e atacar o próprio princípio de dominação vigente naquela época, ou seja, torná-lo racional: não baseado numa superioridade determinada por uma origem hereditariamente nobre, mas no melhor argumento racionalmente submetido à opinião pública. A esfera pública burguesa surge em espaço culturais tornados públicos num campo tensional entre Estado e sociedade civil, ou seja, como uma ponte entre a sociedade decadente representada pela nobreza e a nova sociedade emergente, burguesa ao poder terá claras marcas nacionais, mas mantêm uma série de características básicas semelhantes: a reunião permanente de pessoas proprietárias privadas num público buscando formar uma opinião pública baseada nos seus interesses de classes nesta esfera pública, onde ficavam de fora as mulheres, os empregados e os jovens, pois eram vistos como pessoas sem autonomia para opinar e decidir. O parlamento, como instância muito especial da esfera pública, passa a ser um órgão do Estado, pois agora a burguesia tem poder de decisão. Mas a disputa de opinião pública vai continuar se dando fora do parlamento. E os partidos já começam a montar estratégias para  isto quando, por exemplo, apenas cerca de 2% dos ingleses tinham direitos a voto. Assim, a esfera pública política burguesa desenvolvida e institucionalizada no Estado de Direito burguês não apaga a sua contradição: surge apresentando uma idéia de opera à dominação, mas sua base social (a propriedade privada) não permitia o fim da dominação. Por outro lado, fruto de todo um processo de lutas, e em momentos históricos diferentes e da juventude na cena política, ampliando o que passou a ser considerada a opinião pública formal, com direito de voto.

 A esfera pública literária também está em decadência, pois esta não era um simples espaço de consumismo cultural, assim como a cultura burguesa não era uma mera ideologia. Agora, as leis do mercado também penetram na esfera da cultura. A mídia amplia a esfera pública, mas esta, midiatizante ampliada, apresenta produtos digeríveis e descartáveis que tiram uma visão totalizadora do real e mudam a própria forma de comunicação e raciocínio. O publico leitor dá lugar ao consumidor: o mundo criado pela mídia, pelo estado burocratizado e pelo mercado, só na aparência ainda é esfera pública. Enfim, depois do processo de chegada e consolidação no poder a burguesia já não precisa ser crítica e nem sustentar uma esfera pública crítica.

  O poder passa a ser exercido num jogo entre associações originárias da esfera privada, partidos e o aparelho do Estado os quais, através da mídia favorável, buscam o apoio ou, ao menos, a tolerância do público que, a rigor, não é mais um público ativo, mas apenas destinário de uma publicidade subvertida em seu papel original: agora a publicidade deixa de ser uma forma de transparência e controle público do poder para ser um instrumento de manipulação de um público de pessoas. Via de regra, a grande mídia pública uma opinião privada e não pública. A mídia, que deveria ser uma instituição por excelência da esfera pública, transforma o cidadão em consumidor de mercadoria. Com a nova mídia do século XX (rádio, cinema falado e televisão), posteriormente, no final do século XX e início do XXI a Internet, a esfera pública se amplia, perde vitalidade e se modifica com os interesses privados que se fazem presentes do modo privilegiado através do “jornalismo-publicitário” dirigido a um ‘público’. Agora, ao invés da imprensa intermediar a opinião pública, uma opinião (não) pública passa a ser cunhado primeiro através da mídia. Há um máximo de público e um mínimo de opinião consciente. Enquanto isto se desenvolve as técnicas de publicidade e de relações públicas, através das quais grandes empresas capitalistas e outras organizações, inclusive governamentais, passam a “trabalhar a opinião pública” e têm como tarefa central a construção do consenso e de uma opinião pública encenada.

 Apesar do tom de degradação completa da esfera pública burguesa, Habermas ainda vê a possibilidade de reconstrução de uma esfera pública, pois não existe somente a “publicidade demonstrativa e manipulativa”, mas também uma opinião crítica que disputa com ela. Mas a condição de existência de uma autêntica esfera pública politicamente ativa, é a sua auto-geração, instituição e concorrência com a decadente esfera pública política burguesa demonstrativa manipulativa. Em suas obras posteriores, Habermas (1994-1995) continua buscando uma “esfera pública autêntica” e vendo, como condições de sua existência, a sua origem não-burguesa e sua “auto-gestão” a partir de movimentos sociais e sua concorrência com o estado e o mercado.

  Portanto, da primeira revolução industrial aos dias da terceira revolução tecnociêntifica, do neoliberalismo e da globalização imperialista, ao lado do desenvolvimento dos meios de comunicação, o direito de voto foi se ampliando para atingir, no caso brasileiro, a toda a população acima dos 16 anos. Com isso, se fortaleceram as técnicas de cortejamento ou manipulação da opinião pública, a ponto de alguns autores Norte-americanos chegaram a considerarem as sondagens de opinião como uma nova forma de democracia.

  É neste sentido que, hoje, em nossa realidade, a construção de uma efetiva esfera pública democrática, passa, em primeiro lugar, pela compreensão de que o estado burguês não pode ser entendido como uma afetiva esfera pública, mas como uma organização burocratizada e fechada à participação pública. Em segundo lugar, pela consciência de que a burguesia não tem nenhum interesse em que seja constituída uma efetiva  esfera pública. Consequentemente, em terceiro lugar, pela conclusão de que a constituição de uma verdadeira esfera pública passa, necessariamente, pela construção de espaços onde o povo trabalhador possa geralmente constituir como forças que se informa debate, decide e dirige. Ou seja, como força hegemônica (Gramsci, 1978). Portanto, espaços que têm como sujeitos efetivos o conjunto dos setores hoje explorados, oprimidos, discriminados, segregados e excluídos pelo capitalismo e pela classe dominante, a burguesia. Espaços onde se possam construir novas relações políticas e que criem condições para a construção de novas correntes de opinião pública e uma nova cultura política, crítica e participativa. Espaços que devem reproduzir-nos mais diversos âmbitos da ação governamental, como a decisão sobre o orçamento ou a escola, onde o próprio projeto pedagógico só tem sentido “se construído com a participação de quem vive direta ou indiretamente o cotidiano escolar: aluno/as, professores/as, diretores/as, funcionários/as, pais, mães, Conselho Escolares, representantes das organizações da sociedade civil do entorno da escola” (Medeiros 2000).

  Casos contrários terão apenas apêndices do Estado burguês, para onde o povo é chamado para decidir aspectos secundários de sua vida material, como a aplicação de uma pequena parte dos recursos financeiros do Estado. Ou seja, um espaço para racionalizar a distribuição da pobreza, sem que possa desenvolver uma visão crítica sobre as causas da pobreza, sobre o conjunto da sociedade e sobre o próprio estado. Portanto, pensar a construção de uma esfera pública efetivamente nova e realmente pública é pensar e praticar um espaço onde o povo possa discutir e decidir sobre os rumos mais gerais de sua cidade, do seu estado, da sua nação e mesmo do mundo em que vive. Em sumo, uma esfera pública popular.

   Mas, como bem afirma Maricato (1997):

 “A grande questão está em saber em que medida as manifestações esparsas que se exercem especialmente nos marcos do poder local têm potencial para a generalização e para o rompimento dos limites as que estão confinadas pelo poder monopolista midiático. Não resta dúvida de que qualquer alternativa civilatória e solidária à barbárie excludente neoliberal passam hoje pela questão da comunicação midiática”.

  E não somente da mídia, mas do conjunto do bloco de poder, em termos nacionais e “globais”.

  Cabe, portanto, a sociedade civil organizada e outros conselhos populares, discutir mais do que a prioridade entre pavimentar uma rua ou aumentar as vagas da Bolsa Escola. Trata-se, portanto, de permitir que o povo possa conhecer e se formar sobre o conjunto das contradições da sociedade. Sobre quem são seus aliados e inimigos. Sobre suas possibilidades imediatas e por que elas são limitadas em função de uma sociedade onde o poder econômico, outros poder estatais como o (Governo Estadual, a Câmara de Vereadores, a Justiça, a Polícia, o Governo Federal), Mídia, além de outras organizações da sociedade civil pode impedir a consecução de seus objetivos.

Assim, a constituição de uma esfera pública efetivamente democrática passa pelo debate e formação de uma opinião publicamente constituída sobre o conjunto dos problemas e desafios para se construir uma cidade mais democrática e de fato governada por seus cidadãos, e não por diretrizes originadas a partir dos interesses de empresas privadas, do governo federal ou no FMI (Fundo Monetário Internacional).

 Portanto, as novas instâncias de esferas públicas construídas onde existem governos locais democráticos e populares, devem contribuir para que o governo tenha mesmo como poder local, uma “vocação de poder contra-hegemônico... eivado de vontade transformadora” (Boppré, 2000). E, neste sentido, o orçamento Participativo deve não somente promover a transferência administrativa, mas impulsionar o exercício da cidadania, integrar as comunidades e valorizar a auto-organização popular (Boppre, 2000).

  A RESISTÊNCIA CONTRA A LÓGICA MERCANTIL DA RÉS-PÚBLICA.

 “Não há dúvida de que o padrão de acumulação concentrador e excludente influenciou sobremaneira na estruturação do espaço-ambiente e nas condições de vida citadina até os dias de hoje; Como também, o desempenho medíocre da economia desde a década de 80 fez piorarem essas condições, posto que os estreitos e cada vez mais fortes laços de dependência econômica do país, em conjunturas de crise, redundam, irremediavelmente, num pesado fardo a ser carregado pelas classes trabalhadoras...” (Rodrigues, 1996).

 E, além disso, “as mazelas inerentes à degradação ambiental atingem o conjunto de sua população, porém, com um desproporcional rigor às classes trabalhadoras que enfrentam o forte processo de segregação e exclusão” (Rodrigues, 2000). Segregada territorialmente e excluída material e culturalmente.

  Aqui também cabe a discussão sobre o espaço público, como espaço territorial. Falar em espaço público de modo conseqüente significa intervir na cidade de modo a buscar a desmercadorização dos espaços de circulação, de geração de riquezas, de produção cultural, de lazer, de esportes etc...

  Falar em quem espaço público significa não somente falar em quem decide e fiscaliza, mas também em quem circula nestes espaços e quem produz neles. Em Salvador, também temos alguns casos que ilustram estes aspectos no que diz respeito ao uso do espaço que deveria ser público.

 O governo do Estado da Bahia fez uma intervenção ampla e clara, na região que engloba o Centro Histórico, que era habitado e utilizado por pequenos comerciantes e Artesãos. O espaço e o conjunto arquitetônico eram estatais, os investimentos foram estatais e os equipamentos reformados foram entregues para empresas privadas explorarem bares, restaurantes, lojas e atividades culturais, para um público ativo de renda alta. Além disso, a manutenção do espaço é feita com recurso público. É um caso onde, de uma só vez, temos: decisão de investimento autoritária, privatização de propriedade pública, privatização de recursos econômicos público, concentração de renda, segregação espacial da circulação dos cidadãos, intransparência nas decisões, ausência de fiscalização por parte dos cidadãos (o caso FORD é outro absurdo).

Estas contradições existem, pois:

  “Se a cidade tem, como potencialidade histórica, um nítido caráter includente, posto que crie as condições objetivas para que os trabalhadores assumam o papel de sujeitos das transformações sociais na medida em que tenham consciência de seu papel enquanto classe, tem também um caráter marcadamente excludente, posto que é o lugar onde se expressam os complexos mecanismos de exploração e alienação dos trabalhadores”. (Rodrigues, 1996).

 Portanto, sendo a cidade, como afirma Bemerguy (2000), “a mediação espacial dos conflitos gerados pelo modelo de desenvolvimento adotado”, diante dos conflitos que ocorrem, o “poder público” deve torrencialmente assumir o lado do “público”.

   Esta idéia e ação de democratizar e tornar público o espaço territorial da cidade, também deveria ter orientado o prefeito de Salvador, quando fala em reordenar o comércio ambulante do centro da cidade, quando reforma, ilumina e embeleza as praças da periferia, ou quando entrega os títulos de propriedades das terras, mas, ao mesmo tempo, aprova um “PDDU (Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano) que vai de encontro aos interesses coletivos e ambientais da cidade” (Cardozo, 2009). Portanto, mesmo praticando ações de interesse comum como embelezamento e restauração de áreas degradadas na cidade, podem-se desenvolver outras ações contrárias aos interesses coletivos como à aprovação do PDDU, por exemplo. Assim, mesmo intervenções que podem ampliar o turismo (e isto é desejável), devem ter como princípio norteador a democratização do espaço público para o seu próprio povo. È o inverso, portanto, da idéia e prática de muitos outros governos de transformar as cidades em meros espaços de produção e circulação de mercadorias, privilegiando a empresa capitalista. Ou, mais que isso, de transformar a cidade, ela própria, em mercadoria, desenvolvendo a guerra fiscal, priorizando os investimentos em infra-estrutura para atrair grandes empresas ou segregando a população pobre para escondê-lo dos turistas, como aconteceu, por exemplo, na restauração do Pelourinho, aqui em Salvador.

 Este princípio também deve nortear as chamadas parcerias com a sociedade civil, o setor privado e as ONGs (Organizações Não Governamentais), pois

“Os insistentes elogios à eficácia das ‘parcerias’ entre o poder público e capital privado ou poder público e comunidade na gestão de serviços públicos e infra-estrutura também dão margem a desconfianças” (pois) “a tradicional privatização dos espaços públicos no Brasil constitui um componente que ‘complexifica’ a reflexão sobre esta questão. Afinal, o que não faltaram foram ‘parcerias’ que deprimiram historicamente tanto a esfera pública como desenvolvimento de iniciativas políticas por parte da sociedade” (Maricato, 1977).

Como foi o caso, também citado por esta autora, de parceria formada entre a Prefeitura de São Paulo e empresários da região do Brooklyn, em 1996, nas quais os empresários da região arrecadaram recursos para retirar 10 mil famílias de moradores de favelas que desvalorizavam a área.

  Por outro lado, muitas vezes as ONGs são supervalorizadas no papel que podem desempenhar para enfrentar os problemas urbanos hoje. Estas podem, de fato, cumprir papéis importantes, mas, de modo algum, eliminam as obrigações do estado na implementação de políticas públicas, “nem tão pouco a capacidade de autonomia dos processos de autogestão das comunidades” (Gordilho-Souza, 1997).

 A NECESSIDADE DE CONSTRUÇÃO DE NOVAS ESFERAS DE PARTICIPAÇÃO E DECISÃO DEMOCRÁTICA NAS RÉS-PÚBLICA.

  Portanto, para nossa realidade, não se trata apenas de “afirmar” espaços públicos já existentes, mas de construir novos espaços públicos, políticos, territoriais, produtivos, culturais, midiáticos e etc., de caráter popular, num processo de transformação da sociedade e do Estado. Ou seja, num processo de construção de um poder popular que em parte reforma e mantém conquistas obtidas no estado burguês, em parte elimina outras instâncias deste estado.

 “Todas as reformas e conquistas dos trabalhadores e a própria existência do estado bem-estar social nos países aonde ele chegou a ser viabilizado, não foram capazes de eliminar o caráter de classe burguês do estado. O advento e aplicação do neoliberalismo só reacenderam este caráter com uma força que há muito não se via em termos mundiais. É a intervenção estatal para entregar à burguesia, diretamente, muitas das conquistas sociais e econômicas que os trabalhadores haviam obtido” (Almeida, 1998-a).

 Por isso mesmo, não podemos deixar de diferenciar neste organismo aquilo que é instrumento da dominação burguesa, inclusive coercitiva, daquilo que fora conquistas sociais, políticas e culturais populares. Mesmo porque os avanços nestas áreas, em mais de um século, não foram obras de burgueses conscientes e preocupados com as condições de vida das classes trabalhadoras, mas fruto de lutas, muitas vezes violentas e extra-institucionais, onde não faltaram (e continuam acontecendo) massacres de trabalhadores. Fruto também de avanços institucionais resultantes da combinação das lutas de massas com a ocupação de espaços no estado e de pressões políticas indiretas, assim como de vitórias revolucionárias em outros países. “Nestes anos, o estado mostrou que, além de ter uma hegemonia de classe, também é uma relação de forças” (Poulantzas, 1977), onde pode estar presente-como vemos em várias administrações locais mesmo sendo de forma desigual, a contra-hegemonia. Não foi à toa que a esquerda apareceu na posição de “defensora” do Estado, especialmente de suas empresas, diante do neoliberalismo (veja o caso do PT e seus aliados, por exemplo).

 “Mas não é necessário discutir somente a quem serve o Estado, mas também a forma como ele é organizado. Discutir como, numa sociedade cada vez mais complexa, se poderia viabilizar uma democracia a um só tempo direto (plebiscitária), participativa (conselhista) e representativa (com eleição de representantes parlamentares)” (Almeida, 1999).

 Por um lado, como organização de novas esferas públicas, como os conselhos de orçamento participativo e outros mais avançados que venham ser construídos em diversos locais, podem servir não somente como meios de administrar a pobreza de recursos, mas serem também efetivos canais para a construção de um novo estado, na medida em que forças populares alterem a correlação de forças mais globalizantes

 “Por outro lado, discutir como o potencial técnico dos novos meios de comunicação e informação pode ser utilizado no sentido de viabilizar a constituição de um espaço de debate político público efetivamente democrático. E mais, que através destes meios se possam construir uma democracia direta. Ou seja, a revolução tecnociêntifica e a convergência tecnológica em curso” (Negroponte, 1995 e Pretto, 1996).

   Parece que colocaram por terra o forte argumento “técnico” de que sociedades complexas, organizadas em Estados-Nação, por suas naturais dificuldades geográficas, não teriam condições de viabilizar uma democracia direta. Hoje, com o desenvolvimento da telemática, utilizando-se de forma combinada a informática, o telefone e a TV seriam tecnicamente possíveis tornar viável e freqüente a prática da democracia direta plebiscitária mesmo num grande país como o Brasil, com decisões precedidas de amplo debate público, sobre as questões mais importantes nos diversos níveis da Federação.

  “Entretanto, como se sabe esta não é apenas uma questão técnica, mas política. Pressupões uma radical democratização da mídia, do Estado e da sociedade” (Almeida, 1998).

 Mais que isso, pressupõe o direito e a possibilidade do povo decidir sobre questões como a propriedade dos grandes meios de produção a estatização dos bancos, a reforma agrária ou o pagamento da dívida externa. Ou seja, requer pressupostos revolucionários, pois a classe dominante não parece nem um pouco disposta a admitir – nem mesmo a discussão pública – sobre sua propriedade e sobre a lógica burguesa do estado atual.

  Por isso, o avanço na construção de espaços que contribuam para realizar a utopia de um poder popular na cidade é um caminho contraditório. Pois é um processo que não pode se concluir enquanto não se romperem às amarras da hegemonia do mercado em esferas mais amplas e bases territoriais nacionais e globais.

 Nesta situação, por um lado coloca-se o risco de um governo democrático e popular sucumbir às pressões do mercado, ao “melhorismo” e à burocratização. Por outro lado, está o desafio, para a esquerda, de enfrentar todas as dificuldades interpostas pelo bloco hegemônico de poder e lutar para que as organizações da sociedade civil de caráter popular, as instâncias parciais do Estado (como prefeituras, governos de estado e parlamentares) e as esferas públicas populares, se constituam como instrumentos de luta conta-hegemônica.

  Por tudo isso, é muito importante o apoio que a prefeitura de Porto Alegre e o então governo petista do Rio Grande do Sul deram a este evento do Fórum Social Mundial, mesmo com os ataques que sofreram de setores da direita. Aliás, da mesma forma que o prefeito do de Belém, no Pará também os sofreu quando apoiou decididamente a realização do II Encontro Americano pela Humanidade e Contra o Neoliberalismo realizado na capital paraense, em dezembro de 1999.

  As atitudes e ações internacionalistas também são cada dia mais indispensável para os que querem construir um projeto nacional e realizar uma esfera pública local. Eles, os grupos dominantes, os da exploração, das guerras, dos genocídios, do parasitário capital financeiro, da dívida externa e interna e do imperialismo globalizado se sentem no direito de reunir em Davos, Suíça, para continuar conspirando contra a necessidade de uma humanidade humanizada. Eles acham que nós teríamos que ficar esperando suas decisões privadas virem a público e aceitarmos. Assim, enquanto eles estão lá sugerindo a desigualdade como fatores de progresso, nós estarmos aqui defendendo publicamente nas academias a igualdade como um sonho possível. Enquanto eles estão lá defendendo o mercado como regulador natural do desenvolvimento, nós estaremos aqui defendendo o controle público, a intervenção estatal socialmente controlada e o planejamento democrático. Enquanto eles estão lá, mais uma vez, orando no altar do fim da história, como Francis Fukuyama em entrevista a revista Veja afirma que:

 “a idéia de que um ‘fim na história’ era compartilhada pelos marxistas, que acreditavam, como eu, em evolução a longo prazo da sociedade humana. A diferença é que eles achavam que o fim da história seria a vitória da utopia comunista. Depois da queda do Muro de Berlim quase ninguém ainda acredita nisso. Minha tese é que, diferentemente do que pensavam os marxistas o ponto final da história é a democracia liberal. Não considero plausível imaginar que estávamos no rumo de uma forma mais elevada de civilização. Podemos retroceder ao fascismo, à monarquia ou ao caos puro e simples. Nunca vamos ter, conteúdo, um modelo de sociedade orientada pela economia de mercado. Essa é a idéia básica de o fim da história. Nada do que ocorreu desde então, nem mesmo os atentados de 11 de setembro de 2001, mudou isso” (Fukuyama, Veja, nº. 1880, 17/11/2004).

 Nós estamos aqui reafirmando a transitoriedade do capitalismo e defendendo o socialismo democrático como necessário e possível de ser construído pelas mãos, mentes e corações de mulheres e homens sujeitos do seu futuro.

 CONCLUSÃO

 Neste período de articulação do Paradigma da Sustentabilidade Capitalista, mesmo depois de muitas vitórias políticas da sociedade civil dentro desta temática é necessário, que seja reafirmada a luta pela defesa da soberania nacional e ambiental e explicitadas, mais uma vez, as muitas razões para se dizer NÃO a mercantilização do meio ambiente e do espaço público.

  O desenvolvimento sustentável nos moldes capitalistas é uma falácia. Pois, não existe nenhum bem ou serviço comercializado livremente no mundo de hoje. Os subsídios, incentivos dos governos, as diversas práticas restritivas da concorrência afetam os preços e destroem os mercados. Desenvolvimento sustentável nos moldes capitalistas significa liberdade para as grandes corporações e cativeiro para as nações e os povos, sobretudo os que vivem no hemisfério empobrecido do sul.

  Se o modelo de desenvolvimento sustentável capitalista for avante aos moldes neoliberais, os países já não terão direito a definir e a administrar o seu próprio projeto de desenvolvimento. Estarão vulneráveis aos interesses e aos planos corporativos das grandes empresas e bancos, que visam, acima de tudo, maximizar seus lucros e sua presença nos mercados do mundo.

 Os interesses ambientais e urbanos da América Latina e do Caribe estarão subordinados a essa prioridade. Nem mesmo os povos dos dois únicos países ricos do continente – Estados Unidos e Canadá – ganharão com tal política ambiental! Apenas as grandes corporações privadas, cuja fidelidade está desvinculada das nações e fixada apenas nos seus proprietários e acionistas.

 Destarte, esse modelo de desenvolvimento sustentável poderá limitar a capacidade dos governos bem como da sociedade civil de definir políticas e de gerir seu espaço territorial e ambiental. O tal desenvolvimento sustentável nos moldes capitalista irá obrigá-los a submeter à licitação internacional as ações governamentais que venham a fazer. Isso significa retirar mais riquezas ambientais e infra-estrutura das nossas cidades.

 Significa, também, que elas serão obrigadas a abrir serviços estratégicos – educação, saúde, saneamento, segurança, comunicação – que jamais deveriam ser entregues às empresas estrangeiras!

 Outra questão importante, são os chamados acordos de livre comércio que, obrigam os países signatários, a rever suas políticas de proteção ambiental de áreas definidas soberanamente, em função dos interesses dos grupos transnacionais que, se escondem por trás dos acordos de livre comércio. Afinal, esses acordos (ALCA, CAFTA, União Européia, MERCOSUL, OMC e acordos bilaterais) criam obrigações que têm força de lei e que não respeitam a legislação local, estadual nem nacional. Isso já está acontecendo com o México depois que ele assinou o TLCAN (Tratado de Livre Comércio entre México, Estados Unidos e o Canadá), mas conhecido como NAFTA. Algumas empresas estrangeiras já processaram governos junto a um organismo de arbritagem do Banco Mundial e ganharam, recebendo indenizações milionárias.

 Esses acordos buscam transformar a água e o saneamento básico num grande negócio nas mãos das empresas transnacionais. Você já pensou: cada copo-d’água ou cada prato que você lava vai gerar lucro para empresas que vão transferi-lo em moeda estrangeira para o exterior.

 O tal desenvolvimento sustentável capitalista também impede que o país crie e implemente políticas de proteção ambiental e de participação da sociedade civil na distribuição da riqueza gerada. Sem políticas de desenvolvimento auto-gestado com participação popular orientada primeiramente para a superação das desigualdades e das injustiças, não será possível combater a destruição e a privatização ambiental e do espaço urbano no qual vive um grande número de pessoas nas nossas cidades. A prioridade do desenvolvimento sustentável capitalista não são as pessoas e sim o mercado e os chamados “investidores”.

 O desenvolvimento sustentável capitalista facilita que os recursos ambientais do país venham a ser apropriados por grandes empresas nacionais e estrangeiras. Exemplo claro disso, foi a saída da Ministra do Meio Ambiente, Marina Silva da pasta por força da “mão invisível do mercado”. Através da antipratiótica lei de patentes, isso já acontece. Mas com a assinatura da ALCA, o Brasil ficará formalmente comprometido a abrir mão da sua soberania sobre a biodiversidade, os saberes tradicionais e as práticas autóctones de produção e consumo. Isto vai afetar ainda mais seriamente as comunidades locais e Municípios e vai aumentar sua dependência de conhecimento e tecnologia importados.

 Os desenvolvimentos sustentáveis nos moldes burgueses promovem uma sociedade do consumismo, do individualismo e do materialismo, onde os ricos os/as se tornam mais ricos/as e os/as pobres mais pobres. Afinal, o que queremos? Queremos viver felizes, gozando de relações humanas baseadas na solidariedade, na amizade e na convivência pacífica entre o homem e o meio ambiente e o espaço público urbano territorial, ou seja, a rés-pública.

 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 HABERMAS, Jurgen. Mudança estrutural da esfera pública. Rio de Janeiro, biblioteca Tempo Universitário, 1984.

  1. ---------------------------------------------. Further reflections on the public Sohere. (N: Calhoun, Craig. Habermas and the public sphere.CambridgeandLondon, 1994.
  2. --------------------------------------------. Três modelos normativos de democracia. Lua Nova, São Paulo, nº. 36, 1995.
  3. GRAMASCI, Antonio Maquiavel, a política e o Estado Moderno. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1998.
  4. GORDILHO – Souza, Ângela Atuação das ONGs em habitação – ambiente cidadania. In: Gordilho – Souza, Ângela Habitar contemporâneo: Novas questões no Brasil dos anos 90. Salvador, FAUFBA/Lab. Habitar, 1997.
  5. ALMEIDA, Jorge. Como vota o Brasileiro. São Paulo, Casa Amarela, 1ª edição 1996. São Paulo, Editora Xamâ, 2ª edição, 1998.
  6. ALMEIDA, Jorge. O Manifesto e o Debate Estratégico atual. In: Almeida, Jorge e Cancelli, Vitória. 150 Anos de Manifesto Comunista. São Paulo, Editora Xamã, 1998 – a.
  7. ALMEIDA, Jorge. Mídia, Opinião pública ativa e esfera pública democrática. Comunicação e política, Rio de Janeiro, n. s., v. 6, nº1, janeiro – abril 1999.
  8. AUGRAS, Monique. Opinião pública: teoria e pesquisa. Petrópolis, Editora vozes, 1978.
  9. BEMERGUY, Esther. O Plano de Vôo. In: Rodrigues, Edmilson. Os Desafios da Metrópole Belém, Labor Editorial, 2000.
  10. BOPPRÉ, Afrânio. Esperança Interrompida. Florianópolis, Editora Insular, 2000.
  11. PRETTO, Nelson de Luca. Uma escola sem/com futuro – Educação e multimídia, São Paulo, Papirus Editora, 1996.
  12. POULANTZAS, Nicos. As transformações atuais do Estado, a crise política e a crise do Estado. In: Poulantzas, Nicos (org.), O Estadoem crise. Riode Janeiro, Edições Graal, 1977.
  13. MARICATO, Ermínio. Contradições e avanços do Habitat II. In: Gordilho – Souza, Ângela Habitar contemporâneo: novas questões no Brasil dos anos 90. Salvador, FAUFBA / LAB – habitar, 1997.
  14. MEDEIROS, Luciene. Projeto político – pedagógico para uma escola pública democrática e popular. In: Rodrigues, Edmilson e Lima, Carlos. Educação: Nave do Futuro. Belém, Labor Editorial, 2000.
  15. NEGROPONTE, Nicholas. A vida digital. São Paulo, Companhias das letras, 1995.
  16. RODRIGUES, Edmilson e Lima, Carlos. Educação: nave do futuro. Belém, Labor Editorial, 2000.
  17. RODRIGUES, Edmilson. Aventura Urbana: Urbanização, Trabalho e Meio – Ambienteem Belém. Belém, PLADES / NAEA e FCAP – UFPA, 1996.
  18. -----------------------------------. Notas sobre ocupação do Espaço, meio ambiente e qualidade de vida na região metropolitana de Belém. In: os desafios da Metrópole. Belém, labor Editorial, 2000.
  19. Revista Veja nº. 1880 de 17/12/2004.
  20. CARDOZO, Jeorge luiz. O Novo PDDU de Salvador e a Questão Ambiental e Territorial. Disponível em www.webartigos.com

 ____________________

*Jeorge Luiz Cardozo – Professor Mestre da Faculdade Dom Luiz/Dom Pedro II, Assessor Técnico da Secretaria Municipal da Educação de Salvador e Professor Licenciado da Rede Pública.