QUEBRANDO O SILÊNCIO: A HISTORICIDADE DA ESCRITA FEMININA ANTIESCRAVISTA, ANALOGIAS COMPARATIVAS ENTRE – MARIA FIRMINO DOS REIS E PAULINA CHIZIANE  .

                        Nikelly Maria Alves da Silva¹

Centro Universitário Leonardo Da Vinci – UNIASSELVI – Curso Biblioteconomia (3592733) prática modulo I.

 

RESUMO

Este artigo tem como objetivo apresentar a historicidade na escrita literária afro-brasileira, escrita por mulheres negras, enfatizando as escritoras Maria Firmino dos Reis e Paulina Chiziane, uma brasileira e outra Moçambicana. O romance Úrsula, foi o escolhido com o objetivo de   buscar compreender a historicidade de sua escrita em uma analogia comparativa ao romance Balada de Amor ao Vento da escritora Paulina Chiziane, primeira mulher negra a publicar um romance em seu país. É de grande importância compreender como se dá o olhar das escritoras diante de todas as adversidades reveladas em suas obras.  A voz feminina representada por escritoras negras, gerando um tom de verossimilhança e originalidade de quem se reconhece na trama. A verdade e valorização representativa da voz do negro sobre uma vertente de igualdade frente ao rico, por meio do poder que a literatura tem em se fazer ouvir por mundos antes não alcançados. De um lado a visão da contemporaneidade de Paulina Chiziane, que modelam as personagens da autora, no intuito de constituir novas identidades femininas. E do outro Maria Firmino dos Reis com um argumento romântico, humanista e cristão, capaz de despertar a atenção para os seus possíveis leitores sobre a indignidade e a injustiça que era o regime escravocrata, pelo menos sob o seu ponto de vista no século XIV.

Palavras-chaves: Literatura afro-brasileira; Mulher Negra; Voz Feminina.

 

SUMMARY

This article aims to present the historicity in Afro-Brazilian literary writing, written by black women, emphasizing the writers Maria Firmino dos Reis and Paulina Chiziane, one Brazilian and the other Mozambican. The novel Ursula was chosen with the aim of trying to understand the historicity of her writing in a comparative analogy to the novel Balada de Amor ao Vento by writer Paulina Chiziane, the first black woman to publish a novel in her country. It is of great importance to understand how writers look at all the adversities revealed in their works. The female voice represented by black writers, generating a tone of verisimilitude and originality of those who recognize themselves in the plot. The truth and representative appreciation of the voice of black people on an aspect of equality in the face of the rich, through the power that literature has in making itself heard in worlds previously unreached. On the one hand, the contemporary vision of Paulina Chiziane, who model the author's characters, with the aim of constituting new female identities. And the other Maria Firmino dos Reis with a romantic, humanist and Christian argument, capable of arousing the attention of her potential readers about the indignity and injustice of the slave regime, at least from her point of view in the 14th century.

Keywords: Afro-Brazilian literature; Black woman; Female Voice.

 

1. INTRODUÇÃO 

              As representações sobre escravidão no romance Úrsula e as analogias do romance Balada de Amor ao Vento é o tema deste artigo. Procuramos compreender como a escritora Chiziane, ao longo da segunda metade do século XIX, representou os cativos de seu tempo, e como, através deles, construiu uma fala dissonante em relação à escravidão no século XIX, as diferenças políticas inscritas em sua terra. Sua escrita traz pelo menos os três tempos históricos do país: o colonial, a independência e o pós-colonial, analisando ambas as vozes negras femininas, Maria Firmino dos Reis representou os cativos em sua escrita, percebendo como ela lutou contra discursos considerados dominantes, em relação à escravidão da época.

Entendemos como representações aquilo que Roger Chartier coloca em seu livro A História Cultural:

As percepções do social não são de forma alguma discursos neutros: produzem estratégias e práticas (sociais, escolares, políticas) que tendem a impor uma autoridade à custa de outros, por elas menosprezadas, a de legitimar um projeto reformado ou a de justificar para os próprios indivíduos as suas escolhas e condutas. Por isso esta investigação sobre as representações supõe-nas como estando sempre colocadas num campo de concorrências e de competições cujos desafios se enunciam em termos de poder e de dominação. As lutas de representações têm tanta importância como as lutas econômicas para compreender os mecanismos pelos quais um grupo impõe, ou tenta impor, a sua concepção do mundo social, os valores que são seus, e o seu domínio. Ocupar-se dos conflitos de classificações ou de delimitações não é, portanto, afastar-se do social – como julgou durante muito tempo uma história de vistas demasiado curtas –, muito pelo contrário, consiste em localizar os pontos de afrontamento tanto mais decisivos quanto menos imediatamente materiais. (CHARTIER, 1990, p. 59).

 

           A escravidão foi tema de diversos literatos em períodos passados e presentes, mas o que demonstramos aqui é que Maria Firmina dos Reis e Paulina Chiziane tiveram um olhar diferenciado para isso, não apenas pelo fato de serem mulheres, mas pela forma como abordaram essas temáticas.

 

2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA: AS ESCRITORAS: A MULHER NA LITERATURA

 

         Maria Firmina dos Reis nasceu em São Luís, em 11 de outubro de 1825. Filha de João Pedro Esteves e Leonor Felipe dos Reis, a menina mudou-se aos cinco anos de idade para a vila de Guimarães, próxima a São Luís. Maria Firmina dos Reis foi a primeira mulher afrodescendente, nordestina e de origem humilde a relatar no romance Úrsula (1859), através de um discurso crítico e denunciativo, tornando públicas as condições a que estavam submetidos o negro e a mulher da sociedade brasileira.

          Recontar a história da escritora e reler seus textos não é apenas falar da história de uma mulher negra que escreveu no século XIX, mas também tentar entender seus textos, como e para quem ela escreveu e quais seriam os objetivos. Por meio dos escritos deixados por Maria Firmina dos Reis, tentar compreender como essa escritora percebia o mundo que a cercava; como, através da literatura, ela tentou interferir nesse mundo, usando, como bem pensou Nicolau Sevcenko, “a Literatura como missão”. (SEVCENKO, 2003, p. 7).

A escravidão na literatura brasileira foi abordada principalmente sob a ótica dos brancos. Caso exemplar disso é o romance A Escrava Isaura, de Bernardo Guimarães, na qual a personagem principal é uma escrava branca que sofre os agouros de, mesmo sendo branca, por uma infelicidade do destino nasceu cativa. Os demais personagens escravos negros aparecem no romance de forma submissa e às vezes até como malfeitores, que é o caso da escrava negra Rosa que, por ter muita inveja de Isaura, acaba prejudicando-a de todas as formas. Assim, o escravo negro ser abordado de forma positiva na literatura brasileira e com dignidade é caso sui generis da escrita de Maria Firmina dos Reis. Sobre análise do romance A Escrava Isaura em comparação com Úrsula ver: (CARVALHO, 2006. p. 53-69).

 

             Natural de Manjacaze, na província de Gaza, ao sul de Moçambique, Paulina Chiziane veio para Maputo ainda criança e teve sua educação escolar na capital do país, sua língua materna é Chope. Em Lourenço Marques, atual Maputo, fala-se ronga e nas escolas aprende-se o português. Portanto, a escritora traz em sua experiência linguística o mosaico que compõe Moçambique e, consequentemente, na constituição de sua identidade. Sua história pessoal traz as marcas de um mosaico de culturas histórico-físico-culturais, sua escrita é desenhada por esses traços. Na sua literatura, encontra-se mais que um olhar comprometido com o presente; observa-se também uma ampla reflexão acerca da relação entre tradição e a contemporaneidade, salientando o papel da mulher na construção das identidades de Moçambique contemporaneamente.

            Considerada a primeira romancista do país, publicou seu primeiro romance Balada de Amor ao Vento, em 1990. Neste livro, temos estampadas as contradições entre os costumes locais e a colonização. A história é ambientada nos tempos da colonização e descreve o estatuto do “eu feminino” em uma sociedade patriarcal e poligâmica, localizada em Gaza, no sul de Moçambique.

O norte é uma região matriarcal, onde as mulheres têm mais liberdade, enquanto o Sul e o Centro são regiões patriarcais, extremamente machistas [...] onde a mulher, além de cozinhar e lavar, para servir uma refeição ao marido tem de fazê-lo de joelhos. (ORNELLAS, 2006, p.27).

 

           Os textos de opiniões de ambas as escritoras, tem um fator muitíssimo importante para suas escritas serem tão revolucionarias, são textos onde a escritora é observadora social de seu tempo, no seu tempo e para seu tempo. Nesse sentido, a escritora captura o determinado momento e engendra uma transformação social para a sua comunidade, para o país, partindo de uma experiência da sua condição. São os textos de opinião que deixam à mostra o papel do escritor. Para entendermos o historicismos da escrita feminina e do papel atribuído às mulheres é necessário compreender os moldes adotados pelo patriarcalismo que ditavam as normas da sociedade demandada pela burguesia, porém, mesmo diante do domínio patriarcal, as mulheres foram sujeitos ativos da história por meio de lutas e reinvindicações civis, políticas e sociais tanto no passado, como em nossa atualidade contemporânea.

 

3. QUEBRANDO O SILÊNCIO: ESCREVIVÊNCIAS

          As escritoras Maria Firmino dos Reis e Paulina Chiziane, escrevem “com o corpo de mulher negra em vivência”. O termo “escrevivências” é uma reflexão que se referir justamente a um tipo de escrita que parte da experiência cotidiana individual ou coletiva, das lembranças e das memórias de uma multidão de pessoas que viveram um passado de escravidão e ainda hoje sofrem os efeitos do racismo. Essas mulheres escritoras negras, além de terem de enfrentar o racismo presente em suas vidas, “tiveram ainda de enfrentar a recusa do gosto pautado numa estética literária branca e uma cultura europeizada”, mas nem por isso esmoreceram, pois são “mulheres que se fizeram livres para e com a escrita”. Essa é a força de mulheres que sempre sofreram a privação, a rigidez de executarem trabalhos físicos pesados, muito mal pagos, “impostos pelo simples fato de serem mulheres e negras.

            A escrita de Chiziane aproxima-se da ideia de que as identidades são constituídas por diversos planos: histórico, político, social e cultural; compreende que essas determinações não são imutáveis. Dessa maneira, busca sedimentar uma identidade feminina balizada nessas mutações, questionando firmemente as imposições do masculino e suas tradições, desconstruindo uma identidade forjada por uma sociedade marcadamente herdeira de costumes patriarcais, coloniais ou não.

          Apresentando fortes traços de resistência em sua escrita Maria Firmino dos reis, denuncia as opressões daquela sociedade, dando voz a esses grupos oprimidos, dando voz ao negro e principalmente relatando a luta para a publicação de seus escritos, deixando grandes   marcas na literatura afro-brasileira, desse menosprezo vivenciado por ela, por ser “(...) mulher brasileira” como ela mesma se refere. O diferencial nos escritos da autora é a entrega de igualdade ao negro, a pena da escrita   e deixá-lo falar ao invés de falar por ele.  Esse fato, por si só, nos comprova que através de Úrsulade Maria Firmina dos Reis, o negro sobe um patamar que por muito tempo lhe foi negado: o de ser humano.

“Escritores são pessoas que vivem em um determinado tempo e estão inseridas em uma determinada sociedade. Suas escritas surgem confirmando ou negando a eficácia, a validade dessa mesma sociedade, para todos os sujeitos pertencentes ao grupo. Assim sendo, a construção dos discursos e as temáticas abordadas pelas escritoras e escritores encontram-se intimamente relacionadas ao local de fala das mesmas”. (PALMEIRA, 2010, p.381)

 

           A batalha por uma sobrevivência literária feminina negra na contemporaneidade, vem sendo digna e ganhando mais luz e mais força. A cada dia crescem mais as experiências, nas pesquisas das literaturas afro-brasileiras, e mais clara se tornam as reflexões sobre a vida e sobre o mundo no qual os autores viveram e vivem. As escritas femininas estão para quebrar o silêncio, para comunicar-se, para apelar à solidariedade e encorajamento das outras mulheres ou homens que acreditam que se pode construir um mundo literário com mais igualdade e voz, conectando-se o pensamento sobre os limites do género de maneira consciente isolando-se da vitimização e assim ir quebrando o silêncio do que foi legitimado sem consensos de uma historicidade escravocrata.

 

4. ANALOGIAS COMPARATIVAS NOS ESCRITOS: ÚRSULA E BALADA DE AMOR AO VENTO

 

           As escritoras romancistas analisadas, tem ideologias que caminham juntas, escritas provocantes que assustam de uma forma belíssima ao mostrarem com teor de suas palavras, o que trazem em seus ideais de liberdade e mostram que a   escrita é um espaço de conquista onde se pode negociar a própria identidade, o que sou, o que faço, quais são os meus sonhos, e pelo o que devo lutar.   O romance Úrsula se divide em vinte capítulos e um epílogo, dos quais três capítulos contemplam a fala de personagens cativos. Inicia-se com duas almas generosas que a escritora coloca em pé de igualdade: o jovem Tancredo e o escravo Túlio, que por sinal salva a vida do mancebo. No próprio título do capítulo, percebemos claramente a intenção da autora em romper as barreiras que separavam dois mundos tão desiguais, os de senhores e dos cativos. – trecho do livro;

 

‘’ O homem que assim falava era um pobre rapaz, que ao muito parecia contar vinte e cinco anos, e que na franca expressão de sua fisionomia deixava adivinhar toda a nobreza de um coração bem formado. O sangue africano refervia-lhe nas veias; o mísero ligava-se à odiosa cadeia da escravidão; e embalde o sangue ardente que herdara de seus, pais, e que o nosso clima e a servidão não puderam resfriar, embalde- dissemos – se revoltava; porque se lhe erguia como barreira- o poder do forte contra o fraco! (REIS, 2004, p. 22).’’

 

          A autora, ao descrever a primeira aparição de Túlio, já o apresenta, com respeito um escravo de pouco mais ou menos 25 anos, que herdara do sangue africano e na sua “franca fisionomia” a nobreza de um coração bem formado. Túlio era um escravo digno e que, no romance, salvara a vida de Tancredo, o jovem mancebo, que será o noivo de Úrsula. Nessas passagens, a autora se colocará francamente contra a escravidão e tecerá um discurso fortemente antiescravista nos trechos que seguem;

 

Ele entanto resignava-se; e se uma lágrima a desesperação lhe arrancava, escondia-a no fundo da sua miséria. Assim é que o triste escravo arrasta a vida de desgostos e de martírios, sem esperança e sem gozos! Oh! Esperança! Só a têm os desgraçados no refúgio que a todos oferece a sepultura! Gozos! só na eternidade os anteveem eles! Coitado do escravo! Nem o direito de arrancar do imo peito um queixume de amargurada dor!!... Senhor Deus! Quando calará no peito do homem a tua sublime máxima- ama a teu próximo como a ti mesmo- e deixará de oprimir com tão repreensível injustiça ao seu semelhante, a aquele que também era livre no seu país...aquele que é seu irmão?! E o mísero sofria; porque era escravo, e a escravidão não lhe embrutecera a alma; porque os sentimentos generosos, que Deus lhe implantou no coração, permaneciam intactos, e puros como a sua alma. Era infeliz; mas era virtuoso; e por isso seu coração enterneceu-se em presença da dolorosa cena, que se lhe ofereceu à vista. (REIS, 2004, p. 22-23).

 

            A passagem é forte e está claro que Maria Firmina, ao adotar o discurso humanitário de pedir um pouco de humanidade e amor ao semelhante, coloca o escravo em pé de igualdade com os homens brancos. Afinal, são “duas almas generosas”: o escravo Túlio e o jovem branco e rico Tancredo. Para a autora, o que os separava não seria a nobreza de coração, nem a humanidade, mas “a odiosa cadeia da escravidão” que, ao contrário do que pensavam alguns, não embrutecera o coração do escravo Túlio. O mesmo poderia ser uma vítima da escravidão, porém nunca um algoz de brancos, por isso, seu coração permanecia nobre. Um coração que nascera livre e que herdara da mãe África a nobreza de sentimentos.

 

           No romance Balada de Amor ao Vento, Paulina Chiziane retrata, e evidência as estampadas contradições entre os costumes locais e a colonização, a matriz africana como sua voz cultural, mesmo considerando as intervenções da cultura dominante, a contadora de histórias denuncia com clareza as histórias ambientadas nos tempos da colonização e descreve o estatuto do “eu feminino” usando elementos Simbolicamente naturais para descrever de uma forma bela, o mergulho em costumes, lendas e perspectivas de populações distantes do litoral, o que, segundo entendemos, permite destacar uma das linhas de força de sua escrita: a evocação da tradição – seja dos ritos e crenças, seja das maneiras de contar – como força propulsora para uma modernidade do relato, fazendo com que a memória e tempo presente, ancestralidade e modernidade confluam em uma narrativa bastante densa, valorizando-se a sua escrita sagrada.

               Balada de Amor ao vento é ambientado numa aldeia à beira do rio Save, no sul de Moçambique, onde o elemento água é descrevido e comparado de uma forma poética com a vida e o mergulho na liberdade e no renascer para uma nova história do ser que antes foi reprimido, essa força pode ser identificada na voz da narradora que no romance conta a história de Sarnau, uma menina pertencente ao “rebanho dos Twalufo3”, sonhadora e geniosa, que ainda menina apaixona-se por Mwando, um garoto que estuda para ser padre. Mutuamente apaixonados, iniciam um romance que resulta na expulsão do aspirante religioso do colégio e o início das decepções afetivas da menina. Sarnau segue a tradição de sua tribo, que acredita na força da natureza, na influência dos antepassados e na feitiçaria. Casam-se no regime poligâmico e praticam o lobolo4, dentre outros rituais.

 

No sono de Vera há trovoadas, rugidos, estrondos. As águas de todos os mares elevam-se e abraçam o fogo da terra em Chamas. Dumezulu, o dragão dos céus, fustiga a terra com lanças de fogo. O vento ulula com insistência fazendo a chuva cair no dilúvio dos séculos. Sonâmbula, vai à janela para assistir o fim do mundo. Desperta. Não há dragão nenhum, nem chuva, nem trovoada e a natureza continua o seu curso. Há uma voz que a chama. Mãe! Mas ela não escuta, os ouvidos ainda viajam no pesadelo. Mãe! Desta vez a voz ouve-se distante, nas ondas de fogo que pouco a pouco vai esmorecendo. (CHIZIANE, O sétimo juramento, 2008, p. 194)

 

            Simbolicamente, a água é um dos elementos ligados à vida; é nossa primeira morada, lugar onde a vida é gestada. É o primeiro encontro de amor entre nós e nossa mãe. Primordial, é considerada o ponto de partida para o surgimento da vida - toda a vida vem da água-, daí sua simbologia estar ligada à matrix-mãe. É um símbolo do Gênese, do nascimento e sempre nos reporta à origem. Associada ao banho e ao batismo, a água está relacionada à operação da Solutio nos textos da alquimia. É um dos símbolos do inconsciente, sendo que o ato de entrar na água e dela sair possui uma analogia com o ato de mergulhar no inconsciente; ser lançado à água é similar a ser entregue ao seu próprio destino. A reflexão proposta pela autora pauta-se na realidade histórica e cultural de Moçambique e, para dar vivacidade ao texto e traduzir a vida, os costumes e comportamentos das mulheres em palavras, que por muito tempo foram proibidas e expressarem seus pensamentos, ela toma a oralidade como marca de sua escrita. Vale ressaltar que a tradição oral em Moçambique é fonte não somente para a literatura como também para a história.

A predominância da oralidade em África é resultante de condições materiais e históricas e não uma resultante da “natureza” africana; mas muitas vezes este fato é confusamente analisado, e muitos críticos partem do princípio de que há algo de ontologicamente oral em África, e que a escrita é um acontecimento disjuntivo e alienígena para os africanos. (LEITE, 2006, p. 33).

 

             Moçambique é inscrito e traduzido pela força e potencialidade do universo oral, o que de certo modo é também uma tentativa de representar as heterogeneidades que compõem o país, as tradições, as culturas e as mulheres nestes espaços. Paulina Chiziane inaugura uma geo-poética feminina, na qual o narrador, o espaço e os personagens compartilham uma visão de mundo em comum, respaldada pela dinâmica da narração calcada na oralidade e na autenticidade de que ela está carregada. Em Balada de Amor ao Vento, Chiziane inverte o lugar da cidade, pois o comum é a cidade possuir seus rios; em Mambone é a terra que é “residente nas margens do rio Save” (p11). Ao deslocar os espaços, organiza seu discurso a partir da fluidez do rio, que sendo rio é água, e sendo água é segredo.

            O intuito aqui foi trazer um pouco do olhar de Maria Firmina dos Reis, e Paulina Chiziane por meio dos romances Úrsula, e Balada de Amor ao Vento, a importância da escrita feminina negra, uma que viveu metade do século XIX, e outra que permanece viva em nossa contemporaneidade. Embora, não tenha me aprofundado na extensão de toda a obra, de ambas as escritoras, até porque não caberia nas exigências deste trabalho, mas configura-se aqui a grandiosa importância de seus escritos onde sempre buscaram colocar voz nesse mundo de injustiças da servidão do seu povo, que clamavam por liberdade e apropriação de uma identidade, mesmo longe de suas raízes africanas, procurando através do seu encanto literário preservar seus costumes e manter viva sua identidade cultural.

 

           Enfim, podemos inferir que as autoras procuram em seus escritos dar voz ao negro e à mulher, tematizando a partir de uma perspectiva de sua visão a representação do eu feminino negro, narrando a sua história cheia de sofrimentos, sonhos e fé, com argumentos antiescravista.

 

5.REFÊNCIAS 

https://www.brasildefato.com.br/2016/09/21/a-escrita-sagrada-da-romancista-mocambicana-paulina-chiziane

 

ORNELLAS, S. Paulina Chiziane e alguns sentidos do influxo africano. Ensaios e Resenhas. http://www.verbo21.com.br/arquivo/64ltx3.htm. 2006. Acesso em 11/2012.

 

http://www.letras.ufmg.br/literafro/arquivos/autoras/MariaFirminaArtigoEduardo.pdf

 

file:///C:/Users/user/Downloads/Balada%20de%20Amor%20ao%20Vento%20by%20Paulina%20Chiziane%20[Chiziane,%20Paulina]%20(z-lib.org).pdf

 

file:///C:/Users/user/Downloads/Ursula-2a-edicao-Cadernos-do-Mundo-Inteiro%20(1).pdf

 

DOCUMENT´RIOS:             

https://www.youtube.com/watch?v=WiLijX_7dDk

https://www.youtube.com/watch?v=Nzg3jtQgj_k