GISELE ALVES DE MIRANDA SOUZA IVAN AGNALDO DE SOUZA LANDIN JOSÉ ISMAEL DOS SANTOS NETO WILLIAM MARCELO DE PAIVA CRISE HÍDRICA DE 2013/2014 EM SÃO PAULO: CAUSAS, EFEITOS E POSSÍVEIS SOLUÇÕES Projeto apresentado à Universidade Virtual do Estado de São Paulo como exigência parcial para aprovação na Disciplina Projeto Integrador do segundo Bimestre do Curso de Engenharia. Área de concentração: Engenharia Orientador: Profº Samuel Gomes Duarte UNIVERSIDADE VIRTUAL DO ESTADO DE SÃO PAULO SÃO JOSÉ DOS CAMPOS DEZEMBRO 2014 RESUMO Nos anos 2013 e 2014, a Região Metropolitana de São Paulo experimentou a ameaça de colapso de seu sistema de fornecimento de água, em função da queda, a limites críticos do nível dos principais rios e reservatórios que a abastecem, em meio a um período de escassez de chuvas. Este trabalho não encontrou, ao analisar séries históricas de dados pluviométricos, indícios de que esta estiagem, como afirmam alguns especialistas, fosse parte de uma tendência de redução gradual, a ser causada pelo aquecimento global e pelo desmatamento da amazônia. Isso reforça a hipótese de que, no cerne do problema, está a constatação de que o crescimento da capacidade da estrutura de armazenamento e captação de água não acompanhou o aumento da demanda, impulsionado pelo crescimento demográfico, entre outros fatores. Palavras-chave: fornecimento de água, escassez de chuvas, aquecimento global, desmatamento. ABSTRACT In the years 2013 and 2014, the metropolitan area of São Paulo experienced the threat of collapse of its water supply system, due to the decrease, to critical limits, of the level of the major rivers and dams that supply it with water, amid a period of rain shortage. This study has not found, through the analysis of time series of rainfall data, indications that this drought, as some experts state, has been part of a gradual downward trend caused by the global warming and the deforestation of the Amazon Rain Forest. This reinforces the hypothesis that, at the heart of the problem is the fact that the growth of the capacity of the structure of water abstraction and storage has not matched the increase in demand, driven by the population growth, among other factors. Keywords: water supply, rain shortage, global warming, deforestation. LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 1 - Pluviometria mês a mês no triênio 2012, 2013 e 2014 (mm).....................11 Figura 2 - Índices pluviométricos anuais de 2004 a 2013 (mm).................................12 Figura 3 - Índices pluviométricos anuais de 1961 a 2013 (mm).................................12 Figura 4 - Desvios dos índices pluviométricos anuais de 1961 a 2013 em relação à média do período (mm) e linha de tendência (polinomial)..........................................13 Figura 5 - Crescimento demográfico da RMSP de 1960 a 2010................................13 Figura 6 - Evolução da taxa de crescimento demográfico da RMSP, de 1970 em relação a 1960, e assim sucessivamente, até 2010, e linha de tendência (exponencial)...............................................................................................................14 LISTA DE TABELAS Tabela 1 - Médias pluviométricas anuais dos cinco decênios de 1961 a 2010 (mm).11 Tabela 2 - Simulação do consumo por toda a população da RMSP para diferentes valores de consumo per capita, a partir do valor recomendado pela ONU (110 l/habitante/dia), e comparação com o volume máximo de armazenamento do Sistema Cantareira (990.000.000 m³).........................................................................15 SUMÁRIO 1 Introdução e Justificativa.....................................................................................7 2 Problemas e Objetivos da Pesquisa...................................................................8 3 Metodologia Empregada.....................................................................................9 4 Análise dos Dados............................................................................................10 5 Considerações finais.........................................................................................16 6 Referências..................................................................................................................17 7 1 INTRODUÇÃO E JUSTIFICATIVA A crise hídrica que atingiu a região Sudeste, mais notadamente o Estado de São Paulo, no ano de 2014, expôs a vulnerabilidade a que se sujeita até mesmo o estado mais rico da federação, que somente, até a data da conclusão deste trabalho, não deixou uma população de dezenas de milhões de pessoas totalmente desprovida de abastecimento de água graças a um gigantesco sistema de armazenamento, composto por represas e lagos interligados, que se encontra, porém, à beira do colapso, à espera de um regime de chuvas mais generoso. Pelo seu potencial de provocar estragos, não somente ao conforto e segurança sanitária da população, mas também à atividade econômica, tornam-se inadiáveis medidas de mitigação e investimentos por parte dos governos, como também mudanças de hábitos dos consumidores, com o propósito de reduzir a demanda sobre um sistema de armazenamento que se encontra no seu limite de vulnerabilidade. Tais medidas, investimentos e mudanças de hábitos não devem vislumbrar somente o momento imediato, mas sim um horizonte mais longo, a fim de que uma crise dessa proporção não volte a ameaçar nossa sociedade e economia. 8 2 PROBLEMAS E OBJETIVOS DA PESQUISA Muito tem se discutido acerca da influência do aquecimento global e do desmatamento da floresta amazônica sobre a ocorrência de eventos extremos, que incluem períodos de estiagem em regiões, a princípio, historicamente não afetadas por tais eventos. Este trabalho busca, unicamente por análise estatística de séries históricas de dados, confirmar ou negar as alegações de que haveria uma tendência de redução dos índices pluviométricos, como resultado dos dois eventos citados. Essa constatação, se ocorrer como positiva, não deverá significar que investimentos na estrutura de armazenamento, captação, tratamento e distribuição de água deixem de ser necessários. Aliás, têm sido apontadas como inadiáveis, soluções por parte dos governos estaduais e federal, com vistas à disponibilização de fontes alternativas, mesmo que onerosas, que garantam água, em volume e qualidade que assegurem o conforto da população e as atividades industriais, comerciais e públicas. Entre as alternativas em estudo, estão usinas de dessalinização da água do mar e estações para tratamento e reuso da água de esgotos. Este trabalho também analisa outro fator apontado como causa fundamental da crise: o aumento dos consumos absoluto e per capita, relacionados ao crescimento demográfico e à mudança nos padrões de consumo, esta última, possivelmente impulsionada pelo aumento de renda e seu consequente impacto no poder aquisitivo e no padrão de vida de várias camadas sociais, experimentados principalmente após a estabilização econômica iniciada em 1994. 9 3 METODOLOGIA EMPREGADA Para a produção deste relatório, dados brutos em arquivos em formato de texto (.txt) obtidos de órgãos públicos, em especial o Inmet e o IBGE, foram tratados e manipulados com o uso de planilhas eletrônicas, que permitiram uma visualização mais intuitiva e efetiva de oscilações, evoluções e tendências de índices em séries históricas, com a geração de gráficos e utilização de ferramentas estatísticas. Fez-se uso também de pesquisas em sítios eletrônicos de veículos da Imprensa, para que se apurasse o que mais tem sido discutido, afirmado e questionado acerca dos temas abordados. 10 4 ANÁLISE DOS DADOS 4.1 POSSÍVEIS CAUSAS, INDÍCIOS DE ANOMALIAS E OUTROS FATORES A CONSIDERAR 4.1.1 Aquecimento Global, Desmatamento da Amazônia e o regime de chuvas em São Paulo. Em meio à discussão sobre o que seria a causa da estiagem que afeta São Paulo e outros estados da região sudeste, há especialistas que apontam a escassez de chuvas na região de 2013 e 2014 como parte dos efeitos das mudanças climáticas resultantes de um alegado aquecimento global, sendo este, de acordo com outros estudos, consequência do aumento da concentração de CO2 e outros gases resultantes da atividade antropogênica na atmosfera. Outro fator apontado por especialistas, seria o desmatamento da floresta amazônica, que estaria provocando um desequilíbrio na produção da humidade que se desloca pela atmosfera, trazendo chuvas para a região hoje afetada pela redução dos índices pluviométricos. Tais afirmações, que são, de fato, controversas entre os próprios especialistas, deveriam permitir a constatação de uma tendência de declínio na pluviometria nas últimas décadas. Isso, todavia, não se verifica na análise de dados feita neste estudo. A Tabela 1 apresenta as médias dos índices pluviométricos de 5 decênios, de 1961 a 2010, registradas por uma mesma estação meteorológica do Inmet, em São Paulo, com uma clara tendência de aumento, o que contradiz as afirmações de que se chove cada vez menos ao passar dos anos. De acordo com os dados, no decênio 1991 - 2010 choveu 23,8% mais que no decênio 1961 - 1970 (médias de 1.352,1 mm e 1.673,4 mm por ano, respectivamente). E ainda, nos três decênios intermediários, verifica-se também uma sequência de aumentos gradativos na pluviometria (1.480,2 mm, 1.505,3 mm e 1.670,9 mm). 11 Tabela 1 - Médias pluviométricas anuais dos cinco decênios de 1961 a 2010 (mm) Período Pluviometria média anual Evolução sobre o período anterior 1961-1970 1.352,1 - 1971-1980 1.480,2 +9,47 1981-1990 1.505,3 +1,70 1991-2000 1.670,9 +11,00 2001-2010 1.673,4 +0,15 Dados: Inmet 4.1.2 Atipicidade da pluviometria no biênio 2013-2014 O presente período de escassez de chuva deu seus primeiros sinais em 2013 (Figura 1). Já em janeiro daquele ano, foi registrada, na estação meteorológica de Mirante de Santana, do Inmet, em São Paulo, a marca de 169,2 mm, ante os 332,6 mm do mesmo mês de 2012. Portanto, 49,1% menos. A comparação entre o mês de dezembro dos dois anos mostra uma queda ainda mais acentuada no volume de chuvas registrado: 83,1 mm em 2013 contra 401,9 mm em 2012, 79,3% menos. Porém, deve-se levar em conta que esse volume registrado em dezembro de 2012 é o maior da série, desde 1961, podendo ser considerado incomum, uma vez que a média para esse mês na série histórica de 1961 a 2012 é de 218,3 mm, com desvio padrão de 80,7. Se a base de comparação for a média citada, a redução é de 61,9%, ainda um valor notável. Figura 1 - Pluviometria mês a mês no triênio 2012, 2013 e 2014 (mm) Dados: Inmet Esse declínio na pluviometria parece, de fato, atípico, quando visto pela perspectiva do histórico mais recente (Figura 2). Porém, ao se expandir o horizonte de análise para períodos históricos mais longos, o que se constata é que a atual estiagem está longe de ser um evento nunca antes experimentado ou um recorde 12 histórico absoluto. Há registros, na história brasileira, de períodos de estiagem muito piores e mais marcantes que o atual. De fato, na série histórica usada neste estudo, destaca-se a seca de 1963 (Figura 3), ano em que culminou uma sequência de anos de reduzido índice de precipitação, que afetou não somente São Paulo e outros estados da região Sudeste, mas também a região Centro-oeste, Nordeste e partes da Amazônia e região Sul. Naquele ano, a estação meteorológica do Mirante de Santana, em São Paulo, registrou 894,9 mm, sendo o número 35,7% menor que o registrado pela mesma estação em 2013, e ainda menor que a precipitação acumulada de janeiro a novembro de 2014 (997,4 mm). Figura 2 - Índices pluviométricos anuais de 2004 a 2013 (mm) Dados: Inmet Figura 3 - Índices pluviométricos anuais de 1961 a 2013 (mm). Dados: Inmet Ao se comparar os índices pluviométricos anuais da série com a média de todo o período (Figura 4), nota-se facilmente que, de 1961 a 1985, a predominância é de registros abaixo da média, enquanto que, entre 1986 a 2013, há uma clara prevalência de índices superiores à média. 13 Figura 4 - Desvios dos índices pluviométricos anuais de 1961 a 2013 em relação à média do período (mm) e linha de tendência (polinomial). Dados: Inmet 4.2 CRESCIMENTO POPULACIONAL E AUMENTO DO CONSUMO PER CAPITA No centro das atenções relacionadas à crise hídrica de 2014, está a RMSP, com uma população estimada em quase 20 milhões de pessoas em 2010. O prospecto de um colapso do sistema Cantareira, e de outros mananciais que abastecem a região, trouxe à tona a necessidade de um melhor planejamento e maiores investimentos na estrutura de armazenamento, coleta, tratamento e distribuição de água para o consumo nos setores industrial, comercial, público e residencial. A região passou, nas últimas cinco décadas, por vigoroso crescimento demográfico (Figura 5) e viu sua população aumentar de 4,7 milhões, em 1960, para 19,7 milhões, em 2010, representando um crescimento de 315%. Figura 5 - Crescimento demográfico da RMSP de 1960 a 2010 Dados: IBGE 14 Embora as taxas de crescimento demográfico nessa região estejam em declínio (Figura 6), esse crescimento, em números absolutos, ainda deverá acrescentar desafios à segurança do abastecimento. Considerando-se o consumo diário per capita de 161 litros por habitante estimado pela Sabesp, cada 1 milhão de novos habitantes representam uma demanda adicional de pouco menos de 59 milhões de metros cúbicos de água por ano, ou uma vazão média complementar de 1,9 m³/s. Esse volume equivale a 5,9% da capacidade total de armazenamento do sistema Cantareira (990.000.000 m³). Figura 6 - Evolução da taxa de crescimento demográfico da RMSP, de 1970 em relação a 1960, e assim sucessivamente, até 2010, e linha de tendência (exponencial) Dados: IBGE Estimativas sobre o consumo per capita de água em São Paulo variam consideravelmente de acordo com a fonte e a metodologia adotadas para o cálculo. O fato é que todos os diferentes números disponíveis apontam para um consumo bem superior àquele recomendado como ideal pela ONU, de 110 litros por pessoa por dia. A Tabela 2 apresenta uma simulação de consumo total da RMSP para vários valores de consumo per capita, a partir do valor recomendado pela ONU, usando também o volume total de armazenamento do sistema Cantareira como base de comparação. O Cantareira é apenas um dos mananciais que abastecem a região, mas o mais importante de todos, e por isso será aqui usado como referência. Esses números reforçam a constatação óbvia de que a solução para o risco de colapso no abastecimento também envolve o uso racional do recurso por parte da população. 15 Tabela 2 - Simulação do consumo por toda a população da RMSP para diferentes valores de consumo per capita, a partir do valor recomendado pela ONU (110 l/habitante/dia), e comparação com o volume máximo de armazenamento do Sistema Cantareira (990.000.000 m³) Consumo per capita (l/dia) Volume total anual (m³) Equivalência ao volume máximo do Sistema Cantareira (%) Vazão equivalente (m³/s) 110 790.311.596 79,8 25,1 120 862.158.105 87,1 27,3 130 934.004.614 94,3 29,6 140 1.005.851.123 101,6 31,9 150 1.077.697.631 108,9 34,2 160 1.149.544.140 116,1 36,5 170 1.221.390.649 123,4 38,7 180 1.293.237.158 130,6 41,0 190 1.365.083.666 137,9 43,3 200 1.436.930.175 145,1 45,6 Dados: IBGE, ONU, Sabesp 16 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS A busca pela segurança hídrica deve se embasar em premissas comuns às da sustentabilidade. Recursos naturais, mesmo aqueles tidos como abundantes e renováveis, podem ser degradados e chegar a um grau de exaustão que supere sua renovabilidade, como é o caso na crise objeto deste estudo. Nesse contexto, fica claro que tanto o Poder Público quanto a sociedade têm responsabilidades a assumir e devem agir em conjunto para atingir esse objetivo comum. Culpar eventos de escala planetária, como o aquecimento global, ou a devastação de áreas distantes, como a floresta amazônica, além de não encontrar sustentação nos dados históricos, pode ter o efeito colateral de levar as pessoas a tratar do assunto como um problema cuja solução está fora de seu alcance e responsabilidade. É importante, porém, ressaltar que este trabalho, de modo algum, nega que esses eventos possam influenciar o regime de chuvas em São Paulo ou em qualquer outro lugar. Apenas constata que não há, na série histórica estudada, indicação de uma tendência que aponte para uma situação permanente de escassez de chuvas. A principal conclusão a que se chegou, é a de que a solução mais prática, rápida, eficaz e de menor custo é a adoção de hábitos racionais de consumo. São fartas e amplamente divulgadas por veículos de Imprensa, em especial a televisão e o rádio, dicas de como economizar água por meio de simples mudanças de hábitos de consumo em atividades rotineiras, como banho e higiene pessoal. Também se verificou a crescente oferta de dispositivos de baixo custo (alguns com preço em torno de R$ 10,00 no mercado), que reduzem a vazão de torneiras, chuveiros e descargas de sanitários em até cerca de 80%, dependendo da altura da coluna d'água, oferendo um potencial gigantesco de economia a ser explorado. Enquanto o Governo faz sua parte na ampliação da infraestrutura de abastecimento, cabe a cada um de nós fazer a sua parte, a bem da garantia do conforto e dos benefícios econômicos que a água nos proporciona. 17 6 REFERÊNCIAS GUIMARÃES, J. R. D. Desmatamento, Secas e queimadas, um círculo suicida. Ciência Hoje, UOL, Rio de Janeiro, 31 out. 2014. Disponível em Acesso em 21 dez. 2014. SANTOS, JULIANA; BIBIANO, BIANCA. Como São Paulo pode superar a crise hídrica. Veja Online, São Paulo, 19 out. 2014. Disponível em Acesso em 21 dez. 2014. PRESSINOTT, FERNANDA. Cooperativas paulistas têm até 30% de prejuízos com estiagem. Valor Econômico, São Paulo, 18 mar. 2014. Acesso em 21 dez. 2014. BRENHA, E; GERAQUE, E. Consumo de água na Grande São Paulo cresce mais que a produção. Folha de S. Paulo, São Paulo, 3 abr. 2014. Acesso em 21 dez. 2014.