A partir de 30 de abril, estaremos diante de um possível conflito entre o comércio do plano piloto e a administração da cidade. Volta o debate sobre a extensão da maioria das lojas instaladas na quadras do plano piloto, em geral, em seis metros, denominados “puxadinhos”, o qual se iniciou há décadas, ora motivado por questões de interesse local dos moradores da região ora em razão da proteção especial conferida ao nosso espaço urbano em razão do tombamento da cidade.

 Ao longo dos anos, nunca houve uma política de Estado para tratar do assunto, mas, sim, políticas de governo, que se alteravam a cada governador eleito. Inadmissível esse clima de instabilidade e insegurança jurídica imposto aos comerciantes de Brasília, que ora são autorizados a expandir seus negócios e o fazem mediante a assinatura de contratos públicos e o pagamento de taxas, ora são obrigados e reduzir novamente seus espaços suportando enormes prejuízos. 

 Parecia que o problema seria resolvido com o advento da LC n° 766/2008, e posterior decreto de regulamentação n° 30.254/2009, que tratam pontualmente sobre a ocupação das áreas públicas pelos comerciantes da asa sul. Acontece, que a referida norma e, principalmente seu regulamento, louvável no sentido de tentar regularizar, por fim, a utilização dos espaços público no comércio do plano piloto, acabou trazendo diversas impropriedades que impossibilitam a regularização desses imóveis.

 Primeiro porque exige uma regularização coletiva, por blocos, inadmitindo a regularização individual, por imóvel. Com isso, a norma inviabilizou que o proprietário do imóvel cumpra a obrigação individualmente e mais, obriga que a decisão de utilizar ou não da área concedida seja coletiva, ou seja, impõe mesmo àqueles que não têm interesse em se utilizar da área pública a fazê-lo.

 Total absurdo que viola direitos fundamentais protegidosem nossa Constituição! Ora, ninguém pode ser obrigado a descaracterizar o seu imóvel porque seus vizinhos assim pretendem fazê-lo. Os imóveis são de propriedade individual e possuem matrículas próprias e totalmente dissociadas umas das outras. Não há a existência de condomínio, até porque inexistem áreas comuns nos prédios comerciais da asa sul, portanto não há qualquer vínculo entre os proprietários de imóveis que justifique a imposição da decisão coletiva.

 Aliás, há que se ressaltar, o maior impedimento para a aplicação da norma foi exatamente esta descabida exigência da regularização coletiva. Tal exigência gerou entraves tanto para o particular quanto para o Estado. A maioria dos comerciantes não chega a um consenso e os que o fazem não conseguem ter seus projetos aprovados pela administração de Brasília.

 Segundo, que o prazo para adequação dos estabelecimentos aos termos da norma, o qual se expira agora dia 30 de abril, é inviável de ser cumprido. Se não bastasse a dúvida do comerciante quanto o resultado da ADIN movida pelo MPDFT para contestar a validade da lei, ainda dependem os comerciantes da aprovação dos projetos pela administração pública, que sequer concluiu os que já se encontram em seu poder.

 

 Por fim, a LC 766/2008 concede tratamento igual aos estabelecimentos localizados nas esquinas dos comércios da asa sul, desconsiderando sua situação totalmente desigual em relação aos demais, afrontando diretamente o direito fundamental à isonomia, consagrado em diversos dispositivos legais, mas principalmente, em nossa lei suprema, a Constituição Federal. O que falar então da asa norte, excluída totalmente do alcance da Lei.

 Além disso, a solução oferecida na lei só possibilita a utilização da lateral por bares, mas não alcança outros setores do comércio, mais uma vez afrontando o princípio da igualdade.

 O Distrito Federal concedeu o direito de uso e por conta desta concessão, os estabelecimentos fizeram investimentos, contrataram pessoas e dimensionaram suas estruturas. Nenhum comerciante é invasor de área pública. Tudo foi feito com a anuência expressa do poder público. Tratá-los como bandidos contraventores ou perturbadores da ordem urbana da cidade só demonstra a incompetência do poder público na gestão do problema.

 

* Advogada, sócia da Advocacia Fernandes Melo, pós-graduadaem Direito Ambiental. OAB/DF 20.226