DOENÇA RENAL: DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO.

Resumo

O presente trabalho tem por objetivo abordar o funcionamento dos rins, suas funções, o diagnóstico e a terapêutica especializada. Sendo os rins órgãos reguladores da excreção e da reabsorção seletiva de água, eletrólitos e diversas substâncias, a função primordial dos rins é a manutenção da homeostase, regulando o meio interno. O diagnóstico precoce e o encaminhamento imediato para o nefrologista são etapas essenciais no tratamento da doença renal. O diagnóstico fundamenta-se nos sinais e sintomas, no entanto, o diagnóstico laboratorial e de imagem devem ser requisitados para a conclusão da lesão e a existência de cálculos renais. A medida da taxa de filtração glomerular (TFG) é a prova laboratorial mais utilizada na avaliação da função renal.  Quando é diagnosticado, o tratamento é realizado conforme o estágio em que se encontra a doença.

Descritores: Doença renal: diagnóstico e tratamento.

Abstract         

This study aims to assess the functioning of the kidneys, their function, diagnosis and specialized treatment. Being kidneys regulators excretion and selective reabsorption of water, electrolytes and several substances, the primary function of the kidneys is to maintain homeostasis by regulating the internal environment. Early diagnosis and immediate referral to the nephrologist are essential steps in the treatment of renal disease. The diagnosis is based on signs and symptoms, however, the laboratory diagnosis and imaging should be required for the completion of the lesion and the existence of kidney stones. The measurement of glomerular filtration rate (GFR) is the most widely used laboratory test in the evaluation of renal function. When it is diagnosed, treatment is carried out as the stage at which the disease is found.

Descriptors: Disease renal: diagnostic and treatment

Introdução

A Doença Renal Crônica (DRC) emerge em anos recentes como um sério problema de saúde pública. Em 2007, estimava-se que existiam mais de 2 milhões de brasileiros portadores de algum grau de disfunção renal. Obesidade, dislipidemia e tabagismo aceleram a sua progressão culminando com a necessidade de terapia renal substitutiva.1

Na avaliação da função renal, a medida da TFG é a prova laboratorial mais utilizada. Para tanto, o teste realizado com maior frequência no laboratório clínico é a dosagem da creatinina sérica.2

As doenças crônicas são representadas por um grupo que, de modo geral, apresenta uma história natural prolongada e que acarretam alterações patológicas irreversíveis, com consequente incapacidade residual. Entre estas, encontra-se a DRC que pode ser referida como um diagnóstico sindrômico de perda progressiva e irreversível da função renal de depuração.3

Quando os rins perdem suas funções regulatórias, excretórias e endócrinas caracteriza-se a doença renal, a qual pode ser aguda ou crônica. A DRA é definida como perda da função renal de maneira súbita, horas ou dias, em geral associada a outras doenças graves, provocando acúmulo de substancias nitrogenadas (ureia e creatinina), acompanhada ou não da diminuição da diurese.4

A DRC consiste em lesão e perda lenta, progressiva e irreversível das funções renais, de forma que, em sua fase mais avançada, os rins não são mais capazes de manter o equilíbrio metabólico e hidroeletrolítico do paciente, e pode afetar o bom funcionamento de todos os outros órgãos do corpo.5

Metodologia

Trata-se de uma revisão bibliográfica de aspecto narrativo. A revisão bibliográfica foi feita utilizando-se os sites: Google Acadêmico, Biblioteca Virtual da Saúde (BVS), e as bases de dados da SciELO e Medline. Em artigos publicados em português e inglês no período de 2003 a 2008, utilizando-se como descritores: doença renal: diagnóstico e tratamento.

Revisão da literatura

Doença renal aguda

Como referido anteriormente a DRA é definida como perda rápida da função renal, com azotemia (elevação de ureia e creatinina).6 Os estágios de gravidade são baseados nas alterações da creatinina sérica ou no volume urinário, sendo considerado o pior resultado; já os critérios de evolução, são definidos pela duração da perda da função renal.7

Deve-se evitar a combinação de vários fatores potencialmente agressivos em duas ou mais combinações como: agentes de radiocontraste, desidratação, icterícia, aminoglicosídeos, mioglobinúria e hemoglobinúria.9,10

 Doença renal crônica

       Uma vez desenvolvida a DRC, a perda progressiva da filtração glomerular, principal marcador da DRC, é associada a um conjunto extenso e complexo de alterações fisiológicas, as quais resultam em um grande número de complicações e morbidades.11 Como a TFG diminui com a idade, a prevalência de DRC aumenta nos paciente idosos; cerca de 17% das pessoas com mais de 60 anos apresentam TFG menor que 60mL/min.12

                Entre as patologias que podem induzir à DRC, conhecidas como doenças de base, destacam-se o diabetes melittus, a hipertensão arterial e as glomerulonefrites.13 Estudos apontam alguns fatores que contribuem para a progressão da DRC estabelecida, tais como: proteinúria persistente; dieta elevada de proteína e fostato, dislipidemia, hiperfosfatemia, anemia, doença cardiovascular, tabagismo e obesidade.14

Diagnóstico clínico

            Na DRC, os sintomas manifestam-se lentamente. Contudo, no estágio inicial, os efeitos sobre o estado geral de saúde são assintomáticos. Com o progresso da doença, ou seja, à medida que a insuficiência renal avança e ocorre acúmulo de substâncias no sangue, o indivíduo apresenta sintomas de fadiga, cansaço fácil, espasmos musculares e câimbras, anemia, retenção de líquidos no corpo, redução do volume de urina, falta de ar, inchaço, hipertensão, falta de apetite, náusea, vômitos, coma e confusão mental. Quando a doença atinge um estado avançado surgem úlceras e sangramento intestinal e o paciente apresenta uma coloração amarelo-acastanhada.15

Avaliação laboratorial da função renal        

Cistatina C

            A cistatina C é produzida em ritmo constante por células nucleadas, e seu nível plasmático parece são sofrer variações por causa extra-renais, o que caracteriza como marcador adequado da taxa de filtração glomerular. Seu ritmo de síntese não parece ser alterado por coexistência de processos inflamatórios e é razoavelmente constante.17

            A cistatina C é uma proteína plasmática de baixo peso molecular (13kDa), membro da família de inibidores competitivos da cisteína proteinase lisossomal. Suas funções estão envolvidas na proteólise extracelular, modulação do sistema imune e atividade antiviral e antibactericida. É considerado um marcador endógeno da função renal devido sua produção estável por todas as células nucleadas.18 É filtrada pela membrana basal dos glomérulos e quase que imediatamente reabsorvida e degradada pelos túbulos proximais, sendo a filtração glomerular sua única via de eliminação.19

            Ela pode detectar a lesão renal aguda um ou dois dias antes da creatinina, e além disso, não é afetada por baixas dose de hormônio tireoidiano e deficiência ou excesso de corticoide. 20

Proteinúria e microalbuminúria

            Na avaliação de outras funções dos rins, além da filtração glomerular, a pesquisa de proteinúria de um modo geral e, em especial, de microalbuminúria traz muita informação e é um marcador precoce de lesão renal, como, por exemplo, em fases incipientes de nefropatia diabética.21

            Comparando-se a concentração urinária de albumina e o índice albumina/creatinina com a excreção urinária de albumina na urina de 24 horas, ambos os exames realizados em amostra isolada são capazes de prever satisfatoriamente microalbuminúria de 24 horas.22 A microalbuminúria é definida como a presença de 30 a 300 mg de albumina na urina de 24 horas, ou uma taxa de excreção de 20 a 200 µg de albumina por minuto23. O mecanismo fisiopatológico que explicaria a microalbuminúria está embasado em um processo inflamatório sistêmico que levaria a uma disfunção endotelial e um consequente aumento da permeabilidade capilar.24

Ureia

Apesar de ser filtrada livremente pelo glomérulo, não ser reabsorvida nem secretada ativamente, a ureia é um fraco preditor da TFG, pois 40%-70% retornam para o plasma por um processo de difusão passiva, que é dependente do fluxo urinário. Outros fatores podem mudar significativamente os valores plasmáticos da ureia sem terem relação com a função renal, destacando-se a dieta e a taxa de produção hepática.A principal utilidade clínica da ureia parece estar na determinação em conjunto com a creatinina. A razão ureia sérica/creatinina sérica pode indicar estados patológicos diferentes. Em valor abaixo do esperado ela pode ser encontrada em patologias como a necrose tubular aguda, baixa ingestão de proteínas, condições de privação alimentar ou redução da síntese de ureia por insuficiência hepática.25

Creatinina

A creatinina é filtrada livremente no glomérulo. Ao contrário da ureia, a creatinina é ativamente secretada em uma pequena parcela, mas o suficiente para superestimar a TFG. A quantidade secretada não é constante e depende do indivíduo e da concentração plasmática desse analito, dificultando sobremaneira a determinação de uma constante de secreção. Em termos gerais, 7%-10% da creatinina presente na urina é secretada.2

Na pratica clínica, a TFG pode ser determinada pela dosagem da creatinina sérica e/ou pela depuração desta pelo rim. A depuração da creatinina pode ser realizada em urina coletada no período de 24 horas, porém a coleta urinária adequada, seja por falta de compreensão do procedimento ou tipo de atividade do paciente, é um limitador do método.16

Tratamento

            Atenção a fatores nutricionais e metabólicos pode prevenir muitas das complicações de DRA. À ênfase no manejo dos pacientes com DRA está diretamente relacionada à prevenção de complicações, pois a função renal, usualmente, começa a melhorar espontaneamente após uma a duas semanas. Necessário o suporte nutricional nos pacientes com DRA uma vez que eles apresentam alto risco para desnutrição, em consequência do hipercatabolismo e da reduzida de ingestão de nutrientes.26 O tratamento da DRA é multifatorial, visando aperfeiçoar a recuperação da função renal e prevenção de novas lesões, mesmo antes da definição de causa da DRA, inicia-se com correção da volemia, restabelecimento do equilíbrio eletrolítico e controle das manifestações de uremia.8

            Os tratamentos disponíveis nas doenças renais terminais são: a diálise peritoneal ambulatorial contínua, diálise peritoneal automatizada, diálise peritoneal intermitente, hemodiálise e o transplante renal. Esses tratamentos substituem parcialmente a função renal, aliviam os sintomas da doença e preservam a vida do paciente, porém, nenhum deles é curativo.27

Discussão

Frente aos fatores analisados e aos resultados obtidos com relação a doença renal que foram constituídos por vários artigos pesquisados, verificou-se que no estágio terminal, a sobrevivência do indivíduo portador de DRC está condicionada a utilização de métodos de filtragem artificial do sangue, tais como hemodiálise e diálise peritoneal ou a realização do transplante renal. Tais procedimentos devem ser iniciados precocemente para evitar o aparecimento de complicações graves, fazendo-se necessário um diagnóstico laboratorial e clínico completo e específico.Embora a implementação da medicina baseada em evidência para a pratica clínica tenha resultado em avanços significantes no tratamento da doença renal, faz-se necessária uma melhor preparação do paciente que inicia a TRS, assim como a redução das taxas de mortalidade. 27

 Conclusões       

            A DRC é um problema de grande relevância e é conhecida como uma doença complexa que exige múltiplas abordagens no seu tratamento. O diagnóstico precoce, encaminhamento imediato e instituição de medidas diminuir/interromper a progressão da doença renal estão entre as estratégias-chave para melhorar os desfechos.

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