DIFERENCIAÇÃO SEXUAL

Emanuel Isaque Cordeiro da Silva
Instituto Agronômico de Pernambuco
 Embrapa Semiárido


• OBJETIVO

Os estudantes de Veterinária e de Zootecnia estão ligados à disciplina Reprodução Animal, um pelos mecanismos fisiológicos para evitar e tratar as possíveis patologias do trato reprodutivo dos animais domésticos, e outro para o entendimento dos processos fisiológicos visando o manejo reprodutivo e a procriação para a formação de um plantel geneticamente melhorado.


Sendo assim, a finalidade do presente trabalho é apresentar os mecanismos que regulam as diferenças sobre o desenvolvimento embrionário relativos à diferenciação e determinação sexual de machos e fêmeas, que também incluem o desenvolvimento dos órgãos envolvidos na reprodução e a origem das diferenças entre ambos os sexos.

•INTRODUÇÃO

Os organismos que se reproduzem sexualmente são descendentes de organismos ao qual não existia a diferenciação sexual. Em algum momento da evolução surgiu a reprodução sexual como um mecanismo para incrementar a diversidade genética e facilitar a troca de informações genéticas mediante o material genético da fêmea com o do macho. Devido sua origem comum, na maioria das espécies, tanto os machos como as fêmeas possuem todos os genes necessários para desenvolverem-se em qualquer dos sexos. O que efetivamente faz diferença entre os sexos é a forma e a ordem ao qual se expressam os genes durante o processo de desenvolvimento. A diferenciação sexual é regulada principalmente por mecanismos epigenéticos, mais do que as diferenças genéticas de grande magnitude entre os sexos.


Todo o controle epigenético de qualquer processo de desenvolvimento depende basicamente de uma série de expressões gênicas, através da qual a expressão de certa combinação de genes resulta na presença de determinadas proteínas, conhecidas como os fatores de transcrição, que induzem ou reprimem a expressão de outro(os) gene(es), a partir dos quais se produzem novas proteínas, que em certos casos também atuam como fatores de transcrição para outros genes, e assim sucessivamente. Logo, a expressão ou falta de expressão de um gene ao início da série pode resultar em um ladrão totalmente diferente da expressão de outros genes subsequentes, o que pode ocasionar profundas mudanças no processo de desenvolvimento e até a mutações indesejáveis.


O padrão predeterminado de expressões gênica relativo a diferenciação sexual na maioria das espécies tanto domésticas quanto selvagens, leva ao desenvolvimento de um dos sexos (o padrão predeterminado dos mamíferos é o sexo feminino). Em consequência, a diferenciação faz com que um indivíduo do sexo oposto exija a expressão de um gene de determinação sexual que desvie a subsequente série de expressões gênica em direção ao dito sexo. Nos mamíferos, a expressão do gene SRY, localizado no cromossomo Y (e portanto ausente nas fêmeas), redige o padrão de diferenciação sexual de sua via pré-estabelecida feminina em direção ao padrão masculino. A existência de uma única diferença genética (presença do gene SRY nos machos e ausentes nas fêmeas), vai se amplificando e termina resultando no desenvolvimento de indivíduos diferentes entre si. Esse é um mecanismo de diferenciação sexual cromossômica.


O primeiro passo de uma série de diferenciação sexual, em sentido estrito, não depende nem requer necessariamente a presença de um gene diferente em algum dos sexos. O gene “disparador” da diferenciação sexual pode estar presente em todos os embriões, porém pode expressar-se somente em algum deles, devido a fatores ambientais que formam parte da sua regulação epigenética, isto é, uma determinação sexual ambiental. Em algumas espécies de tartarugas ou de lagartos a expressão ou falta de expressão do gene “disparador”, por exemplo, depende da temperatura existente durante a incubação dos ovos, pelo qual alguns embriões desenvolvem-se como machos e outros como fêmeas, apesar de não existir diferença genética entre eles, simplesmente como consequência da temperatura: a determinação sexual depende da temperatura a que cada um deles foi submetido durante a incubação. Em certas espécies as temperaturas mais elevadas facilitam o desenvolvimento de fêmeas e outras de machos, enquanto que em outras espécies as temperaturas amenas (intermediárias) resultam em machos, e as inferiores como as superiores induzem o desenvolvimento de fêmeas. A existência dessa diversidade indica que a temperatura por si mesma não é a que induz ou a que provoca o desenvolvimento do macho e da fêmea, senão a que atua somente como um regulador inicial da diferenciação sexual. Em outras espécies o fator ambiental que regula a determinação sexual pode ser distinto. A densidade populacional, por exemplo, pode atuar como um regulador.


Podemos concluir que a determinação sexual dependente da temperatura ou de outros fatores ambientais estabelece-se antes da determinação sexual cromossômica, a qual evoluiu depois como um método que oferece maior certeza e resultado, já que a proporção de machos e fêmeas não é afetada por mudanças ambientais ou de hábitat.

•FORMAÇÃO INICIAL DA GÔNADA

Basicamente em todos os embriões, inicialmente se formam as chamadas gônadas indiferenciadas (com o potencial de desenvolver-se em ovários ou testículos) a partir da invasão das cristas genitais pelas células germinais primordiais, que migram desde seu local de origem no epiblasto, perto do lugar onde o saco vitelino se une com o intestino primitivo e que chegam até às cristas genitais que são engrossamentos de tecido situados na região mesonéfrica do embrião.


A migração das células germinais primordiais ocorre muito cedo sobre o processo de desenvolvimento do embrião (dia 26 nos bovinos). Ao chegas as cristas genitais, as células germinativas proliferam-se e se organizam com as células somáticas já existentes nas cristas para ir formando a gônada (figura 1). Para regular essa remodelação e conformação adequada da gônada vários genes se expressam, como o OCT-4 (que aparentemente mantém a totipotencialidade da gônada), assim como o SF-1 (Fator esteroidogênico 1) e o WT-1 (gene associado ao tumor de Wilms). Esses dois últimos genes estimulam a proliferação celular e estabelecimento dos cordões sexuais. Nessa etapa inicial do desenvolvimento todos esses genes se expressam sem distinção de sexo, pelo que a gônada em formação mantém a capacidade de se diferenciar em testículo ou em ovário.

Figura 1: migração das células germinais primordiais em direção a crista gonodal. Diferenciação das gônadas femininas e masculinas. Fonte: ZARCO, 2018.

•SEXO CROMOSSÔMICO

Têm-se observado que nos mamíferos a determinação sexual depende diretamente dos cromossomos. As fêmeas possuem dois cromossomos sexuais X (um contribuído do óvulo e o outro por um espermatozoide “X”). Os machos, por sua vez, possuem um cromossomo sexual X(proveniente do óvulo) e um cromossomo sexual Y, que provém de um espermatozoide “Y” (figura 2). A metade dos espermatozoides produzidos por um macho são X e a metade Y, isso porque durante a espermatogênese a divisão meiótica provoca que a partir de cada espermatócito primário, célula diploide que por pertencer a um indivíduo macho tem um cromossomo X e um Y, se originem das espermátides haploides a cada um das que eles tocam cromossomos X, e outras espermátides haploides as que eles tocam os cromossomos Y. 
Dessa forma, de acordo com o tipo do espermatozoide que fertilize o ovócito, se originará um indivíduo com cariótipo feminino “XX” ou um cariótipo masculino “XY” (figura 2). Esse processo é conhecido como sexo cromossômico, ao qual se determina o momento da fertilização.


Figura 2: nos mamíferos todos os óvulos produzidos pelas fêmeas possuem um cromossomo sexual X. A metade dos espermatozoides produzidos pelos machos possuem um cromossomo X e a outra metade possui um cromossomo Y. Dependendo do cromossomo presente no espermatozoide que fertilize o óvulo pode-se gerar um indivíduo XX (fêmea) ou um XY (macho). Fonte: ZARCO, 2018.

O cromossomo “Y” é uma “invenção” relativamente recente na história da evolução das espécies e do estudo da genética. Surgiu a partir de uma mutação de um cromossomo “X”, que resultou na perda de um de seus braços, que é por onde se originou a morfologia do cromossomo Y. A maioria dos genes presentes no cromossomo Y também existem no cromossomo X; assim mesmo somente alguns genes do cromossomo Y foram evoluídos até ser diferentes dos genes do cromossomo X.


Embora os machos possuam um cromossomo que não está presente nas fêmeas, esse mesmo cromossomo não aporta toda a informação genética original. Todos os genes existentes nas fêmeas estão também presentes nos dos machos, já que eles também possuem um cromossomo X. 


Uma particularidade do cromossomo Y, ao existir somente uma cópia nos machos, é que ele sofre um entrecruzamento com um cromossomo análogo durante o processo de meiose, pelo que o cromossomo Y de um macho é idêntico ao de seu progenitor e ao de seus descendentes, exceto no caso em que ocorra uma mutação espontânea. Em contraste, os cromossomos X das fêmeas (um proveniente do pai e outro da mãe) se entrecruzam durante a meiose, por onde cada óvulo produzido pela fêmea terá uma combinação de alelos distinta em seu cromossomo X. Ao estudar as diferenças presentes na sequência de DNA do cromossomo Y, é possível identificar a distância filogenética entre os indivíduos (quanto mais diferenças existirem entre os cromossomos significa que seu ancestral comum está mais longe). Algo análogo ocorre com o DNA das mitocôndrias, que sempre são aportados pela mãe e nunca sofrem recombinação genética.


Gene SRY

Um dos poucos genes do cromossomo Y que não possuem correspondência com o cromossomo X é o gene SRY (Sex-determining Region of the Y chromossome – região do cromossomo Y determinante do sexo). Esse gene se expressa somente na gônada em formação nos embriões machos, em particular em células precursoras das células de Sertoli; ele codifica uma proteína da família SOX (SRY-like Box) que é uma família formada por proteínas que possuem um domínio de união ao DNA e que atuam como fatores de transcrição. Ao produzir-se a proteína SRY nas células precursoras das células de Sertoli estimula-se a expressão (transcrição) de outro gene análogo, denominado SOX-9 que, por sua vez, atua como um fator de transcrição que ativa a expressão de outros genes, como o FGF-9 (Fibroblast Growth Factor-9), ou seja ele é o estimulante de ativação dos demais. Os produtos dos genes SOX-9 e FGF-9 iniciam uma cascata de expressões que provocam a diferenciação das células de suporte da gônada indiferenciada (crista genital) em células de Sertoli. Em seguida, essas células dirigem a diferenciação das células intersticiais da crista genital em células de Leydig, o que finalmente resulta na formação de um testículo. Outro dos efeitos da proteína codificada por SOX-9 é um estímulo maior da expressão de seu próprio gene, pelo qual é produzido um ciclo de retroalimentação positiva que favorece a continuidade do processo de formação testicular.


Como nos embriões da fêmea não existe o gene SRY, a gônada indiferenciada não é estimulada para expressar os genes SOX-9 nem o FGF-9 nas células de suporte (que nesse caso serão precursoras de células da granulosa). A gônada, em mudança, expressa em forma constitutiva, isto é, sem a necessidade de estimulação, outra cascata de genes que incluem o WNT4 (Wingless-integration Factor 4) e o RAPO1 (Respondina-1), que por sua vez iniciam uma cascata de expressão gênica, a qual provoca a diferenciação das células somáticas da gônada indiferenciada para formação das células da granulosa e células da teca, esse feito conduz, por sua vez, a formação de um ovário. No embrião macho a proteína SOX-9 inibe a expressão dos genes WNT4 e RSPO-1, pelo que a presença do gene SRY, e portanto de SOX-9, inibem a formação de um ovário ao mesmo tempo que estimulam a formação do testículo (figura 3).


Em suma, se o embrião possui genótipo XY (um embrião macho), o gene SRY começa a expressar-se sobre as células precursoras da gônada imediatamente depois da formação da mesma, quando os cordões sexuais primários estão se desenvolvendo na medula. A expressão do gene, assim como a presença subsequente das proteínas SOX-9 e FGF-9 estimula a distinção das células de Sertoli e que se organizem os tubos seminíferos a partir dos cordões sexuais primários. Em contrapartida, em um embrião com genótipo XX (fêmea) não existe o gene SRY, pelo qual é impossível que se elevem os níveis das proteínas SOX-9 e FGF-9 e as células precursoras não se diferenciam em células de Sertoli, e portanto os cordões sexuais primários sofrem regressão. Depois de alguns dias, começam a organizar-se os cordões sexuais secundários e as células precursoras iniciam a expressão do gene WNT4, o que leva as mesmas a diferenciar-se em células da granulosa, que serão a base para a conformação dos folículos ovarianos.


Se em um embrião XY, macho, a expressão do gene SRY demora, é formada um ovo-testículo devido a que algumas das células somáticas das cristas gonodais começam a expressar o gene WNT4, e a diferenciar-se em células da granulosa, enquanto que em outras a proteína SRY chega a tempo para dirigir a diferenciação para formação das células de Sertoli. 


No ovário em formação é expressado um gene denominado DAX-1 (Dosage-sensitive Sex Reversal). Esse gene, localizado no cromossomo X, codifica uma proteína que é um membro da família dos receptores nucleares ao que lhe falta o domínio de união ao DNA, pelo que parece atuar no bloqueio de diversos fatores de transcrição, entre os que se encontra o SRY. Como a proteína DAX-1 impede a ação da proteína SRY, um excesso de expressão do gene DAX-1 pode provocar a feminilização gonodal de indivíduos XY, macho, embora tenham SRY. Em condições normais, a expressão adequada do gene DAX-1 não é capaz de evitar a masculinização gonodal de embriões com o gene SRY, daqui o nome de reversão sexual dependente da dose. 


Figura 3: série  de expressão gênica para a determinação gonodal. SRY (Região do cromossomo Y determinante do sexo), SOX-9 (SRY-like Box-9), FGF-9 (Fator de crescimento de fibroblastos-9), WNT4 (Wingless-integration Factor-4), RSPO-1 (Respondina-1). Uma vez que o SRY induz a expressão de SOX-9 na gônada masculina, inicia-se um processo de feedback positivo mediante o qual os níveis de expressão de SOX-9 e FGF-9 vão aumentando, ao mesmo tempo que inibem a expressão de WNT-4 e RSPO-1. Na gônada feminina não se expressam SRY, SOX-9 e nem FGF-9, o que permite que se expressem os genes WNT-4 e RSPO-1, que iniciam uma cascata de sinalização que dirige a formação de um ovário. Fonte: ZARCO, 2018.

• DIFERENCIAÇÃO SEXUAL DOS GENITAIS

Uma vez que se formam os testículos, todo o desenvolvimento subsequente dos órgãos e as características “masculinas” em lugar das femininas é em consequência dos hormônios produzidos pelos testículos em formação, incluindo os andrógenos e o hormônio inibidor dos ductos de Müller. Mediante a ausência de testículos todo o desenvolvimento dos órgãos genitais internos e externos segue um padrão feminino, sem levar em conta se estão presentes os ovários; o que significa a ausência de hormônios gonodais determina que o embrião se desenvolva como fêmea, uma vez que não requerem hormônios ovarianos para desencadear o padrão feminino. Por sua vez, as gônadas masculinas (os testículos), produzem substâncias que desviam o desenvolvimento em direção ao padrão masculino.


Sob etapas relativamente rápidas da diferenciação todos os embriões possuem dois pares de dutos sexuais, os dutos de Wolff ou mesonéfricos e os dutos de Müller ou paramesonéfricos (figura 4). A testosterona secretada pelos testículos do feto macho em desenvolvimento atua sobre os dutos de Wolff, o que induz a formação posterior dos dutos deferentes, do epidídimo e das glândulas seminais (figura 4).


Figura 4: formação dos órgãos genitais internos a partir dos dutos de Wolff no macho e dos dutos de Müller na fêmea. Fonte: ZARCO, 2018.

Os testículos produzem ao mesmo tempo, uma glicoproteína chamada Hormônio Inibidor dos Dutos de Müller (Müllerian Inhibiting Hormone, MIH, também chamado de Anti-Müllerian Hormone, AMH); como o seu nome indica, inibe o desenvolvimento dos dutos de Müller ou paramesonéfricos, provocando sua regressão, que impede a formação dos órgãos genitais característicos da fêmea como os ovidutos, o útero, a cérvix e a porção cranial da vagina (figura 4).


O MIH é uma glicoproteína da família dos fatores de crescimento transformativo β (TGFβ). O gene MIH possui locais de união para os produtos dos genes SOX-9 e SF-1, pelo que a presença simultânea de ambos fatores de transcrição é necessária para a secreção do MIH e leva a cabo sua função de iniciação dos dutos de Müller sobre o embrião macho (vale lembrar que nessa etapa tanto a gônada de embriões machos como de embriões fêmeas expressam o gene SF-1, mas somente o macho expressa o SOX-9, para que unicamente esse último produza MIH). O certo é que na gônada do embrião fêmea não se produzem quantidades importantes da proteína SOX-9, além de que se produz a proteína DAX-1, mesma que antagoniza tanto a SOX-9 como a SF-1, todo o qual impede a produção de MIH e resulta no desenvolvimento dos dutos de Müller até a formação dos ovidutos, útero, cérvix e a porção cranial da vagina (figura 4).


Assim, na fêmea, ao não haver testículos não circulam concentrações elevadas de andrógenos, o que impedirá o desenvolvimento dos dutos de Wolff, enquanto que os dutos de Müller se desenvolvem já que não haverá a presença do MIH para impedi-lo. O desenvolvimento dos genitais internos e externos femininos não requerem a presença de nenhum hormônio ovariano o que levará a cabo de maneira predeterminada (ou pré-estabelecida) na ausência de testículos.


Outra estrutura interna que também se desenvolve de forma distinta nos machos e nas fêmeas é o seio urogenital, que no embrião macho é estimulado pela testosterona para formação da próstata, das glândulas bulbouretrais e da uretra peniana, enquanto que na fêmea forma a porção caudal da vagina. 


A respeito dos órgãos genitais externos (figura 5), nos embriões de ambos os sexos existem estruturas precursoras chamadas de tubérculo genital e pregas vestibulares. Na fêmea o tubérculo genital da origem ao clitóris e as pregas vestibulares dão origem aos lábios vulvares sem a necessidade da atuação de hormônios ovarianos, já que o padrão “por via pré-estabelecida” é feminino. Em contrapartida, no macho, tanto o tubérculo genital quanto as pregas vestibulares respondem ao hormônio 5α-dehidro-testosterona (DHT), ao qual se formam as células da pele da zona genital a partir da testosterona que é secretada pelos testículos. Para isso existem nas células a enzima 5α-reductasa, que transforma a testosterona em DHT. Uma vez formada, a DHT atua sobre as pregas vestibulares do embrião macho para que se fusionem e formem o escroto (em lugar dos lábios vulvares), e sobre o tubérculo genital para formar o pênis (em lugar do clitóris).


Figura 5: estruturas que se desenvolvem nos embriões de cada sexo a partir do seio urogenital, o tubérculo genital e as pregas vestibulares. A cor do né de cada estrutura final corresponde com a cor do nome da estrutura a partir da qual se originou. Fonte: ZARCO, 2018.

 

•DIFERENCIAÇÃO SEXUAL DO SISTEMA NERVOSO

Existem inúmeras diferenças funcionais entre o sistema nervoso da fêmeas e o do machos, em humanos podem incluir diferenças tão complexas como a maior capacidade de verbal da mulher ou a maior capacidade de orientação espacial do homem. Nessa parte será abordada aquelas diferenças que influenciam diretamente sobre a função reprodutiva, como as diferenças na regulação da secreção de gonadotropinas ou as diferenças na capacidade de comportamento sexual masculino ou feminino.


É necessário lembrar que, apesar de que essas diferenças se originem durante um período crítico da vida fetal ou neonatal (dependendo da espécie), geralmente se fazem presentes até que o animal chegue a vida adulta e demonstre obter ou não a capacidade para se comportar como macho ou como fêmea uma vez que é exposto aos hormônios sexuais que são secretada depois da puberdade.


Igualmente aos processos acima citados, podemos afirmar que nos mamíferos o padrão pré-estabelecido de comportamento sexual e de secreção de gonadotropinas é o feminino. Se durante os primeiros dias de vida neonatal uma rata fêmea não é exposta a nenhum hormônio gonodal, ao chegar a vida adulta ela terá a capacidade de se comportar como fêmea na presença de estrógenos, assim como de secretar um pico pré-ovulatório de GnRH/LH em resposta aos mesmos (figura 6). Essa rata, portanto, não poderá se comportar como macho embora que em sua vida adulta seja exposta a testosterona. O sistema nervoso do rato macho recém-nascido que é exposto aos andrógenos produzidos pelos testículos, em detrimento, faz com que adquiram o potencial para se comportar como machos em sua vida adulta e que perdem o potencial para ter conduta de fêmeas na presença e/ou administração de estrógenos (processo conhecido como desfeminização do SNC).


Se por meios de experimentos injetamos testosterona em uma rata fêmea recém-nascida, essa rata não poderá se comportar como fêmea em sua vida adulta, e passará a se comportar como macho. A castração neonatal de um rato (visando evitar a exposição de seu SNC a andrógenos testiculares), assim mesmo, resultará em sua vida adulta um padrão feminino (SNC feminizado e não masculinizado). 


O hipotálamo das ratas adultas possui uma área em que o número, características e densidade dos corpos neurais difere em machos e fêmeas, essa área é denominada como “núcleo sexualmente dimórfico do hipotálamo”, e tem demonstrado que quando as ratas são tratadas com testosterona na vida neonatal, a morfologia de seu núcleo sexualmente dimórfico será masculinizado em sua vida adulta, enquanto que a castração neonatal de ratos resulta em um núcleo sexualmente dimórfico feminizado em sua vida adulta. Isso significa que a exposição ou não a testosterona na vida neonatal é o que determina que tipo de núcleo sexualmente dimórfico se desenvolverá, o que por sua vez está relacionado com o tipo de conduta que o animal poderá expressar em sua vida adulta. 


Não deixa de ser um paradoxo que ao injetar uma dose elevada de estrógenos nos primeiros dias de vida de uma rata, os núcleos sexualmente dimórficos da mesma se desenvolverão como macho e em sua vida adulta seu potencial de conduta estará masculinizado e desfeminizado. O hormônio “feminino” conhecido como estradiol, masculiniza o hipotálamo e a conduta do animal. Logo, se a rata neonatal for exposta a injeção de andrógeno não-aromatizado (que não pode ser transformado em estrógenos pelas células) ela não se masculiniza. A masculinização e desfeminização dos ratos ou das ratas tratados com testosterona, na realidade, não são provocados pela própria testosterona, senão pelos estrógenos que se formam dentro dos neurônios quando absorvem a testosterona do sangue e a aromatizam para transformá-la em estrógenos (figura 6).


Figura 6: desfeminização e masculinização do sistema nervoso central por meio da testosterona, que quando não absorvida pela  α-fetoproteína pode entrar nos neurônios, onde se aromatizam para serem transformados em estrógenos, hormônio que é responsável pela desfeminização. Fonte: ZARCO, 2018.
 
Por que as ratas, que possuem ovários funcionalmente produtores de estrógenos, não se masculinizam? A resposta está em uma proteína denominada α-fetoproteína que circula em altas concentrações nos fetos e nos recém-nascidos. Essa proteína possui a capacidade de unir-se aos estrógenos, ao qual impede seu entrada nas células. Os ratos, em desenvolvimento, produzem testosterona, no entanto não possui afinidade pela α-fetoproteína, o que permite com que ela circule livremente. Ao chegar ao SNC, a testosterona (que não foi absorvida) pode entrar nos neurônios e dentro deles se aromatizam e transformam-se em estrógenos, que finalmente masculinizam o SNC. A diferenciação sexual do hipotálamo depende, em síntese, da presença ou ausência dos testículos, o que permite que se produza ou não o hormônio testosterona que pode não ser absorvida por parte da α-fetoproteína, transformar-se em estrógenos e masculinizar o SNC.


•CONCLUSÃO

Nos mamíferos todo o processo que se requerem para o desenvolvimento de um macho depende da existência de somente um gene do cromossomo Y, o gene SRY; a ausência desse gene resulta no desenvolvimento de uma fêmea.

A presença ou ausência do gene SRY determina, então, a cadeia de eventos morfogênicos que ocorrerá em sua expressão ou não, para desenvolver todos os órgãos e características de um macho ou de uma fêmea. Por essa razão, os indivíduos com uma monossomia XOA (síndrome de Turner) são fêmeas (por não possuir o cromossomo Y nem o gene SRY), enquanto que os indivíduos triploides XXY (síndrome de Kleinefelter) são machos embora possuam dois cromossomos X. Em algumas espécies, no entanto, têm-se identificado machos que são cromossomicamente XX; nesses casos é determinado invariavelmente que por ser um erro durante a meiose a região do cromossomo Y em que reside o gene SRY tem sido transloucada ao cromossomo X.  Da mesma forma, em alguns casos tem sido encontrado fêmeas com cariótipo XY; que nelas se identifica uma mutação inabilitante do gene SRY. Isso demonstra experimentalmente que por meio da engenharia genética é possível produzir machos com cariótipo XY mas com o gene SRY eliminado (knockout). Como é de se esperar, esses machos desenvolvem ovários e todos seus órgãos genitais, tanto internos quanto externos, e se desenvolvem como fêmeas.


Os machos cromossomicamente XX transgênicos aos que se insertam uma cópia do gene SRY, desenvolvem testículos e um fenótipo masculino, embora sejam estéreis por causa da ausência de alguns genes do cromossomo Y que são necessários para a realização de uma espermatogênese normal.


As falhas nos mecanismos de diferenciação sexual podem, diretamente,  ocasionar anormalidades como as observadas nas bezerras Freemartin, que são bezerras originadas de uma gestação gemelar em que seu gêmeo era macho. O que sucede é que na espécie bovina, quando há uma gestação gemelar, é produzido um certo grau de anastomose entre as placentas dos fetos, o que permite a troca de sangue e de células entre ambos. Os produtos recebem, então, algumas células de seu gêmeos, que encontram seu lugar no órgão correspondente e se integram a ele. No caso particular das gônadas, quando o ovário primitivo de um embrião fêmea é colonizado por algumas células gonodais de seu gêmeo macho, essas células expressam o gene SRY, o que fará com que essa região da gônada se diferencie como testículo. Como resultado, se desenvolve um ovo-testículo (com maior ou menor proporção de tecido testicular dependendo do grau de colonização da gônada em formação por células provenientes do gêmeo macho). Ademais, ao haver certa quantidade de tecido testicular produtor de MIH, circularão sobre o feto fêmea níveis desse hormônio que, embora baixos, afetarão o desenvolvimento normal dos dutos de Müller, fazendo com que as bezerras Freemartin possuam genitálias internas ausentes ou pouco desenvolvidas. Os andrógenos produzidos pelas zonas de tecido testicular, por fim, são suficientes para causar um certo grau de masculinização, que se manifesta como um clitóris mais grande que o normal ou um desenvolvimento corporal masculinizado.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

ARNOLD, Arthur P.; CHEN, Xuqi; ITOH, Yuichiro. What a difference an X or Y makes: sex chromosomes, gene dose, and epigenetics in sexual differentiation. In: Sex and gender differences in pharmacology. Springer, Berlin, Heidelberg, 2013. p. 67-88.


CUNNINGHAM, James. Tratado de fisiologia veterinária. Elsevier Health Sciences, 2011.


DERIVAUX, Jules; BARNABÉ, Renato Campanarut. Reprodução dos animais domésticos. Zaragoza: Acribia, 1980.


DA SILVA, Emanuel Isaque Cordeiro. Desenvolvimento Embrionário e Diferenciação Sexual nos Animais Domésticos. Disponível em: researchgate.net/diferenciação_sexual. Acesso em: Julho de 2020.


HAFEZ, Elsayed Saad Eldin; HAFEZ, Bahaa. Reprodução animal. São Paulo: Manole, 2004.


HIDALGO, C. Galina et al. Reproducción de animales domésticos. México: Limusa, 2008.


MACLAUGHLIN, David T.; DONAHOE, Patricia K. Sex determination and differentiation. New England Journal of Medicine, v. 350, n. 4, p. 367-378, 2004.


MCCARTHY, Margaret M.; ARNOLD, Arthur P. Reframing sexual differentiation of the brain. Nature neuroscience, v. 14, n. 6, p. 677, 2011.


PLANT, Tony M.; ZELEZNIK, Anthony J. (Ed.). Knobil and Neill's physiology of reproduction. Academic Press, 2014.


REY, Rodolfo. Diferenciación sexual embrio-fetal: De las moléculas a la anatomía. Revista chilena de anatomía, v. 19, n. 1, p. 75-82, 2001.


SENGER, P. L. Embryogenesis of the pituitary gland and male or female reproductive system. In. Pathways to Pregnancy and Parturition. Current Conception Inc, v. 1, p. 8-76, 1997.


ZARCO, L. Diferenciación sexual. In. PORTA, L. R.; MEDRANO, J. H. H. Fisiología reproductiva de los animales domésticos. Cidade do México: FMVZ-UNAM, 2018.

 


Emanuel Isaque Cordeiro da Silva
Todos os direitos autorais reservados
Belo Jardim ©2020