Democracia na Era da Informação

É fato inconteste que a internet e as novas tecnologias revolucionaram e continuam a revolucionar as formas de se viver em sociedade, é a chamada Era da Informação. A complexidade do mundo contemporâneo envolve todos os seus setores. O Estado está em transformação, tanto quanto o mercado e a sociedade. Da mesma forma, o padrão de relacionamentos entre eles está sendo alterado. É fundamental um olhar que dê conta da complexidade dessas transformações, dessas relações e dessas novas configurações.

O século XX caracterizou-se pelo intenso e acelerado incremento das tecnologias da informação e da comunicação, seja por meio do desenvolvimento e expansão da internet e das novas formas de comunicar, seja pelo desenvolvimento de dispositivos tecnológicos que permitiram cada vez mais o acesso fácil a esta inovação, atendendo assim às prementes necessidades do modelo capitalista neoliberal.Como marco político destaca-se o surgimento do Estado Democrático de Direito, após um nebuloso período (vinte e um anos de Regime Militar), tendo como fundamento a dignidade da pessoa humana, positivada pela Constituição Federal de 1988, elevada à condição de direito fundamental.

O Estado, por meio do ordenamento jurídico, busca assegurar esse valor humano supremo; a dignidade da pessoa humana torna-se um valor que por si próprio justifica a existência do ordenamento jurídico e o baliza. O catálogo de direitos fundamentais é a expressão de um sistema de valores que encontra o seu ponto central na personalidade humana desenvolvendo-se livremente dentro da comunidade social e na sua dignidade. A liberdade de expressão e o direito à informação são também direitos assegurados constitucionalmente, e que que estão intrinsecamente ligados à dignidade da pessoa humana em um Estado Democrático de Direito.

A dignidade da pessoa não consiste apenas no fato de ser ela,diferentemente das coisas, um ser considerado e tratado como um fim em si e nunca como meio para a consecução de determinado resultado. Ela resulta também do fato de que pela sua vontade racional , só a pessoa vive em condições de autonomia, isto é, como ser capaz de guiar-se pelas leis que próprio edita. (COMPARATO, 2001, p. 20).

Surge então, em oposição ao colapsado Estado de Bem-Estar Social o Estado Neoliberal, também conhecido como Estado Mínimo, com a proposta de uma diminuição do aparelho estatal, da busca de eficiência por meio da desburocratização, tendo como princípios a flexibilização, a economicidade, a imparcialidade, a transparência e a moralidade. Nasce a ideia de “gestão cidadã” com a colaboração entre os indivíduos (sociedade civil) e o Estado, entre os setores público e privado, e a ideia da descentralização dos serviços. Ressurge o ideal da democracia, cunhada agora não da mesma forma de antes. Concomitantemente ocorre o “boom” da comunicação e das tecnologias da informação, que foi essencial para possibilitar a reestruturação e o desenvolvimento do capitalismo, já que o conhecimento e o processamento de informação tornaram-se elementos fundamentais dos processos produtivos e, portanto, decisivos no sucesso deste novo modelo de desenvolvimento. Significava uma tentativa da antiga sociedade de reaparelhar-se com o uso do poder da tecnologia para servir a tecnologia do poder. (CASTELLS, 2000).Manoel Castells (2003, p. 7) asseveram que “a rede é a mensagem”. Realmente, a internet está sendo responsável por uma verdadeira revolução cultural,especialmente na forma de se comunicar. Ela eliminou barreiras físicas e temporais, horizontalizou a comunicação, democratizou – até certo ponto, especialmente quando se fala de inclusão digital – o acesso à informação. (LEVY, 2011).Contudo, não foi apenas na esfera econômica que se fizeram sentir as “ondas de choque” deste “boom” tecnológico. A internet proporciona interações até pouco tempo impossíveis de serem feitas. É possível se manter contato frequente por meio de som e imagem com uma pessoa distante, conhecer as mais diferentes opiniões sobre a crise do Oriente Médio e emitir também a sua opinião, que por sua vez será compartilhada por outros tantos milhões de interessados no assunto. A comunicação é feita de todos para todos, com interações multidimensionais. Isto porque a internet oferece uma grande variedade de informações, não apenas material de origem oficial. Com possibilidade de interação pela web, todos os indivíduos passam a ser produtores e consumidores de conteúdo ao mesmo tempo. A cada dia a quantidade de dados publicados na internet cresce de forma avassaladora

.O “boom|” ressoou nas mais diferentes esferas, e afetou inclusive a velha Democracia.! O Brasil vive, já a algum tempo, uma crise de representação política sem precedentes, em decorrência da acentuada falta de credibilidade depositada nas instituições políticas, nos partidos políticos e em seus agentes políticos, agravada pela onda generalizada de corrupção, baixo crescimento econômico, burocracia ineficiente e grande disparidade entre as classes sociais com parâmetros mínimos de redistribuição de riquezas, que acarreta em um ambiente de desconfiança generalizada e descrença na possibilidade de participação.

Observa-se sistematicamente o declínio da participação política, inversamente proporcional à crescente alienação e insatisfação por parte dos cidadãos,demonstrando que a democracia de procedimento não tem conseguido se legitimar por seus próprios valores. Os cidadãos, como alternativa preferencial na resolução de seus problemas, têm se distanciado cada vez mais das instituições convencionais – nomeadamente o Estado –, da política e da democracia formal como interlocutores efetivos.

Diante desta constatação impõe-se uma grande questão: como reconstruir um ambiente que estimule a participação do cidadão na esfera pública?

Uma das questões clássicas da Democracia é como assegurar, de um modo justo, a participação dos membros da comunidade em seus processos deliberativos.Na Atenas do século V a.C., a Democracia era praticada por meio da Assembleia popular, em que todos os homens adultos, cidadãos da polis podiam debater e votar os assuntos pertinentes ao interesse geral. Uma democracia participativa nos moldes de uma Assembleia popular dependia necessariamente de uma comunidade que fosse razoavelmente pequena, e em que todos os seus membros pudessem estar próximos o suficiente para ter acesso ao local de deliberação e, consequentemente, manter seu interesse de participar através da formação de uma identidade comum: na Atenas do século V a.C. os cidadãos habilitados a participar da Assembleia popular - descontados mulheres, escravos e estrangeiros, que não possuíam direito de cidadania, - contavam em torno de 20 mil.(DAHL, 1999)

Impensável a prática de um modelo participativo como este na atualidade, em que as cidades - considerando-se a existência das megalópoles – contam, com milhões de habitantes, e as distâncias geográficas são grandes.Neste contexto, a web pode proporcionar um meio de comunicação entre o público e os governantes, permitindo a troca de informações, a consulta e o debate de maneira direta, rápida e sem obstáculos burocráticos. A democracia virtual ou e-democracia é uma forma de discussão de debates entre o governo e a população através da internet. Os cidadãos podem participar ativamente em todos os estágios do processo de decisão: desde a avaliação das necessidades, a recolha da informação, o exame de decisão, a avaliação e a correção das ações. A utilização da internet pode reduzir os custos da participação política e permitir o envolvimento de diferentes parceiros de interlocução, seja por meio da troca de e-mails numa base cidadão-cidadão, seja por meio dos chats e dos grupos eletrônicos de discussão, até as amplas conferências. Isso significa um potencial de interação inédito se comparado com os veículos de comunicação tradicionais, e tem uma grande relevância pois permite a existência da chamada contra-notícia: do questionamento das informações trazidas pela mídia que até então somente eram contestadas por organizações também pertencentes à própria mídia.! Essa interação potencializada revolucionou o modo com as pessoas recebem a informação. De meros receptores da informação, os indivíduos podem tornar-se, rapidamente, produtores e reprodutores de informação.

É a era das redes sociais, em que todos falam com todos e para todos sobre tudo ao mesmo tempo. Os cidadãos não dependem mais das informações transmitidas pela mídia, pelas empresas, ou pelo governo: para ter conhecimento ou formar julgamento sobre um determinado assunto baseiam-se nas informações disponíveis na rede, a credibilidade da informação vem do outro, daquele que não está inserido em nenhuma destas instituições e que por esta razão carrega em si imparcialidade.

A internet dá voz ao cidadãos. As redes sociais, por seu caráter de disseminação da informação e produção de conteúdo descentralizado, carregam em si a era da transparência. Essa é uma das adaptações a que as instituições (empresas e governo) de hoje têm dificuldade em aderir quando se propõem a interagir com os indivíduos nas redes. As instituições são obrigadas a prestar contas de seus serviços ou produtos, e mais importante que isso, de seus valores, e devem fazê-lo numa linguagem próxima à de seu interlocutor, buscando o entendimento claro de sua mensagem.

Diversas são as vantagens na utilização da internet no processo democrático: a interatividade, a inexistência de uma relação hierárquica na comunicação, os baixos custos para os utilizadores, a agilidade como meio de comunicação, a inexistência de barreiras geográficas.

A democracia participativa é a única saída para crise constituinte do ordenamento jurídico pátrio no que toca o exercício direto da vontade popular, um direito que já se encontra positivado no parágrafo único do artigo 1o da Constituição Federal de 1988 que afirma que “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.” (BRASIL, 1988)

O uso da internet como instrumento democrático já tem ocorrido em países ao redor do mundo: na Europa e nos Estados Unidos o uso da Internet e outras redes de computador no setor público acenderam um debate sobre formas novas da democracia. A Islândia, num procedimento bastante inovador tem usado as redes sociais, como o Facebook por exemplo, para debater sua reforma constitucional.

Ao que parece, e conforme o exemplo islandês, a internet amplia os canais democráticos, contudo há de se considerar que naquele país, há de cerca de 310 mil habitantes, contribuem para a participação os altos níveis educacionais e o fato de 100% da população ter acesso à Internet – realidade bastante diferente do Brasil.

Ainda corroborando esta ideia, análises realizadas sobre o uso de tecnologias da Internet por governos, com o fornecimento de serviços e interação com os cidadãos - também chamado e-governo – constataram a contribuição para o realce da democracia.

No Brasil esta utilização é ainda muito incipiente. Incipiente também os canais de comunicação entre o governo e os governados, entre as empresas e os consumidores: persiste a hierarquização e o jogo de interesses. Mas, alguns passos já foram dados. A Câmara dos Deputados criou o portal e-Democracia, e disponibilizou uma consulta pública para receber sugestões da população sobre a punição de crimes cometidos pela internet. Um dos maiores e mais graves entraves para a utilização deste instrumento da democracia participativa é a falta de um marco regulatório deste setor, e ainda a ausência de definição de uma política pública voltada para a Internet. Curiosamente uma das piores barreiras para a utilização da web como ferramenta da democracia participativa seja derrubada pelo próprio movimento nesta direção.

No âmbito do Poder Executivo já há uma inclinação para a regulamentação da tipificação dos crimes na internet , bem como uma proposta de marco civil para disciplinar a área de informática no País. Com isso, será possível atribuir penas para crimes como, por exemplo, os ataques dos hackers aos sites do governo. Atualmente, apenas alguns crimes praticados pela Internet são passíveis de punição via Código Penal (CP) e Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

Esse novo marco representará, sem dúvida, um grande avanço. Mas ainda é preciso muito debate. Mais do que nunca, o acesso à Internet hoje é fundamental para o desenvolvimento social, cultural, educacional e econômico de qualquer nação. As democracias podem e devem fazer uso dos recursos tecnológicos para aprimorar seus canais de comunicação. A inclusão digital passa a integrar cada vez mais as políticas governamentais. Mas ainda falta maior consciência e uma cultura de bom uso desses canais. Para criar essa nova cultura, é preciso maior participação e envolvimento popular. O debate está aberto. E o principal canal pode até mesmo ser a própria internet.