Introdução


Cada vez mais, encontramos referenciais teóricos que nos levam a refletir a respeito da premente necessidade de se buscar e idealizar novas estratégias e paradigmas para a educação. Entender a escola como um espaço que deva privilegiar uma construção coletiva e calcada no exercício de democracia que uma educação compreendida popular solicita, é estabelecer a necessidade de se reinventar caminhos. Crescem as pesquisas dentro desta linha. O professor, o pedagogo, o especialista desta área, entende a necessidade de propor novos olhares à construção do conhecimento. Mas, apesar das dificuldades de se encontrar uma nova forma de ensinar / aprender, e aqui me refiro ao ato propriamente dito, independente de terminologias ou questões semânticas, há um referencial interessante surgindo: a utilização da tecnologia como ferramenta educativa.
O objetivo do uso dos recursos tecnológicos como a informática educativa é utilizar este ferramental disponível, sejam computadores, câmeras digitais, microfones, projetores, entre outros, como recursos ou meios didáticos que estimulem práticas pedagógicas diversificadas e mais significativas para os alunos nos diversos componentes curriculares, incentivando descobertas, pesquisas, projetos; na e para a construção dos processos de ensino e aprendizagem. Mas será que qualquer recurso tecnológico contribui para a qualificação dos processos de aprendizagem?
Paulo Freire nos preconizava uma educação libertadora onde era abominada a relação de poder e dominação instaurados pela escola tradicional. Nesta nova ação educativa libertadora, segundo o autor, deveria existir uma relação de troca horizontal entre educador e educando exigindo-se nesta troca, atitude de transformação da realidade conhecida. É por isso, que a educação libertadora é acima de tudo uma educação conscientizadora, na medida em que além de conhecer a realidade, busca-se transformá-la. Nesta perspectiva freireana, o aluno deve ser estimulado a apropriar-se do seu objeto de estudo e deve sentir-se desafiado e capaz de transformá-lo.
Caminhando por este campo conceitual estabelecido por Freire, é coerente afirmar que a tecnologia utilizada na escola deve ser capaz de proporcionar ao sujeito-aprendiz toda a sorte de modificações, reutilizações e customizações. Ou seja, o aluno deve poder experimentar e adequar a tecnologia da forma que melhor lhe convier. Mas isso é possível com o software proprietário? O Windows permite que o usuário imprima uma nova apresentação gráfica ou mais especificamente, de aplicações técnicas a seus programas?

Software Proprietário

O software denominado como proprietário é aquele cuja cópia, distribuição ou modificação são restritos ao seu criador ou detentor dos direitos de autoria. O usuário não possui acesso ao código fonte dos programas utilizados, limitação que impede as elaborações e construções possíveis de seus usuários. O software proprietário com o qual mais estamos habituados a conviver é o sistema operacional Windows e toda a gama de aplicativos a ele associados, como o pacote Office que compreende editor de texto, editor de planilha, editor de apresentação, gerenciador de e-mails e editor de banco de dados.
É preciso ressaltar que o uso do software proprietário, quando acompanhado e amparado em uma pedagogia de projetos, que contemple a pesquisa, a descoberta, a experimentação, pode ser uma ferramenta valiosa para a construção de conhecimento. Uma ferramenta valiosa, porém limitada, pois a participação do usuário se encerra nas características inerentes ao tipo de licença do software; um direcionamento comercial, valorado e de uso restrito.
Na contramão desta proposta vemos o software livre que, por sua característica maior trabalhará sob o prisma da liberdade.


Software Livre

Pensar a diferença da tecnologia em parâmetros técnicos se torna necessário uma vez que entendemos ser primordial para um modelo paradigmático significativo para a escola, o ato de transformação da realidade, conforme preconizava Freire. Entende-se "Software livre" todo o software que se refere à liberdade dos usuários executarem, copiarem, distribuírem, estudarem, modificarem e aperfeiçoarem o código fonte do mesmo. Diferentemente do que muitos acreditam o linux não é apenas um sistema operacional gratuito, disponível na Internet; o movimento do software livre mundial ressalta que o mais importante no que diz respeito a este sistema, é o caráter ideológico que ele carrega: a idéia da liberdade.
Esta "liberdade" compreende quatro diretivas para os usuários deste software:
? A liberdade de executar o programa, para qualquer propósito;
? A liberdade de customizar o programa, adaptando-o para as suas necessidades;
? A liberdade de redistribuir cópias;
? A liberdade de aperfeiçoar o programa, e compartilhar tais modificações para toda a comunidade.
Nesta direção, não consigo ver outra possibilidade senão o Linux para a escola! Pensar a educação sob a ótica de Paulo Freire nos remete diretamente ao universo do software livre. O que é mais gritante neste universo senão a liberdade de fugir da opressão do software proprietário; permitir a transformação da realidade dos códigos abertos; a relação de cooperação que se estabelece entre as comunidades desenvolvedoras de Linux; e acima de tudo, o que não é mais gritante do que a ação conscientizadora que este movimento nos permite em relação à inclusão digital, e porque não ressaltar ainda, a responsabilidade social de cada cidadão.

Com o Linux o usuário é sujeito no processo de criação; é o ator principal se assim aventurar-se. E levando-se em conta o perfil do jovem usuário que encontramos na escola hoje, é disso que precisamos. Segundo Pierre Levy, os três termos de ordem que acompanham o jovem escolarizado atual são: Interconexão, criação de comunidades virtuais e inteligência coletiva. Assim, todo o advento da Internet, a virtualização dos espaços e tempos, associado à natureza exploratória e curiosa da juventude conduz a uma atitude de apropriação dos espaços. Ou seja, por mais que nos pareça distante o ato de customização de softwares e aplicativos por nossos escolares hoje, essa possibilidade precisa existir.

Segundo Paulo Freire é essa relação dialética onde educadores e educandos que se fazem sujeitos do seu processo de construção de conhecimento, que devemos encontrar nas práticas pedagógicas desejáveis para uma escola transformadora, bem como encontramos na caminhada do software livre.
Há, sem dúvida nenhuma uma aproximação significativa na ideologia do movimento do software livre no mundo, e da escola que Freire nos indicava como ideal para a educação popular. Ambos retratam a importância de construir caminhos repletos de possibilidades, caminhos que não dependam de autorizações, de solicitações, de permissões. E sim, descortinem possibilidades de construções de espaços e de relações onde o acesso à informação e ao conhecimento possa, de fato, transformar a realidade de forma a beneficiar o bem comum.



Considerações Finais

Frente as ideias de Freire sobre a educação popular, onde a democratização do acesso, o foco na permanência e nas relações heterárquicas entre os sujeitos envolvidos, surge uma nova ordem. Não estou apenas referindo e falando de detalhes técnicos de uma determinada tecnologia, não estou atribuindo juízo de valores de como o Linux é melhor; não estou apenas falando das vantagens econômicas que são decorrentes do tipo de licença deste software, também não estou somente falando de uma postura comprometida com a responsabilidade social e inclusão digital; estou falando sim de uma possibilidade de prática pedagógica fundamentada e amparada em um discurso epistemológico legítimo.
Estou falando de um olhar dentro do viés pedagógico de um mundo que até então eram apenas comandos; configurações, instalações, placas, peças, sistemas, etc, etc. É o Linux como caminho para qualificar e possibilitar uma nova escola, um novo aluno, um novo homem, e fundamentalmente uma realidade transformada e transformadora.
Se o que buscamos é uma nova arquitetura pedagógica que contemple uma educação popular e calcada no compartilhamento de ideias, ideais e práticas inovadoras para o currículo e para a escola, não nos resta outro caminho, senão descortinar o caminho do software livre na educação. Devemos deixar de lado as intolerâncias, os medos que nos assolam, e experimentar. Experimentar um sistema operacional novo, mesmo que isso exija momentos de formação continuada de nossos professores, mesmo que isso exija investimentos e políticas públicas significativas e focadas na fluência digital de seus docentes e educadores de uma forma geral, para que haja uma verdadeira apropriação deste sistema.
A educação popular, re-significada e co-construída para a comunidade escolar deve ser fundamentada em práticas de liberdade e democratização do acesso a informação e ao conhecimento. "Ensinar" Windows na escola não é incluir digital ou socialmente. O que nos importa de fato é que o nosso aluno não seja subordinado a um software pago que restrinja suas ações.
Urge a necessidade de exercer a liberdade para aprender. Urge a necessidade de disponibilizar nas escolas o software livre. E principalmente, urge a construção de uma política pública que abarque os processos necessários de formação docente para esta implementação alcançar toda a dimensão que pode alcançar, proporcionando assim a mudança paradigmática que buscamos para a escola.



REFERÊNCIAS
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