O século XV e a renovação educativa
Por Márcio Issler | 26/01/2017 | História
A educação no Quinhentos e no Seiscentos, período em que surgem temas que iremos tratar neste trabalho: além do Renascimento, a Reforma, a Contra-Reforma, a utopia, a revolução.
Sob esses temas desenvolvem-se alguns aspectos da história da civilização:
- Expansão do Humanismo por toda Europa;
- Assunção das aristocráticas exigências humanísticas e a mediação entre estas e as exigências ascético-populares numa perspectiva de reforma religiosa e social;
- Reação contra todas estas tentativas de inovação (abalam Catolicismo e Império);
- Necessidade de projeção de uma sociedade totalmente nova;
- Rompimento dos velhos equilíbrios políticos (poder da burguesia);
- Desenvolvimento de novos modos de produção.
Diante do exposto salientamos o inicio de propostas “como e quanto instruir”, ou seja, difundir a instrução mais universalmente, não somente às classes mais abastadas, mas também para as classes subalternas e para os produtores.
A Reforma e a Escola
Movimentos populares heréticos promoveram a difusão da instrução a fim de que cada um pudesse ler e interpretar a Bíblia, sem a mediação do clero. Desses movimentos surge a iniciativa de novos modelos de instrução popular e moderna.
As cidades, nas quais o povo simples se associou aos pequenos artesãos e camponeses, projetaram um sistema de instrução popular: a cidade de Meiningem (Alemanha), que decidiu por abolir os feudos e que seria necessário apenas um pároco, capelão, mestre que ensinassem juntos, gratuitamente, tanto os filhos dos ricos como dos pobres; a cidade de Munerstadt, que publicou em seus “Artigos e reivindicações” que deveriam ser mantidas apenas duas pessoas na cidade, “eloquentes e doutos”, e que juntos instruíssem todos os filhos dos cidadãos, sem nenhum pagamento, e com acesso às escrituras cristãs evangélicas.
Na Alemanha, Lutero quem deu impulso prático e força política à programação de um novo sistema escolar, voltado também à instrução de meninos destinados não à continuação dos estudos, mas ao trabalho. Podemos observar suas propostas para a educação na carta que escreveu em 1524, à qual dirige a todos os conselheiros de todas as cidades da Alemanha, para que instituam e mantenham escolas cristãs, mas dentro das quais a concepção de ensino seja para instruir homens e mulheres para suas funções na vida, e não apenas para formar padres. Prioriza o ensino baseado na utilidade social da instrução, destinada a formar homens capazes de governar o Estado e mulheres capazes de dirigir a casa, segundo a divisão do trabalho entre os sexos. Também evidencia um projeto de uma escola nova, que em três anos realize um programa educativo equivalente àquele que se exigia uma vida inteira.
Outras considerações de Lutero sobre a educação: solicitação aos pais para que enviem seus filhos à escola; e tentativa de conciliar o respeito pelo trabalho manual com o prestígio pelo trabalho intelectual.
Philipp Melanchton, conhecido como o “educador da Alemanha”, discípulo de Lutero, elabora um projeto de instrução, baseado em novos conceitos, valorizando o conhecimento da história civil e política, buscando uma pedagogia serena e humana, relacionando escola e cidade, instrução e governo, no sentido de autogoverno.
A Contra-Reforma e a Escola
O espírito da Contra-Reforma Católica é caracterizado por uma defesa intransigente da prerrogativa da Igreja Católica sobre a educação, que acaba envolvendo na condenação tanto as iniciativas alheias à extensão da instrução às classes populares como toda inovação cultural.
A orientação educativa da Igreja Católica, como resposta ao protestantismo, foi fixada no Concílio de Trento (1545-1564). Neste concílio muitas decisões foram tomadas para conter o avanço protestante pela Europa. Foi criado um índice de livros proibidos (Index), reorganizada as escolas e criado os seminários, os quais eram destinados a educar religiosamente e a instruir nas disciplinas eclesiásticas as novas levas de sacerdotes. Isso porque se acreditava que se a ideia juvenil não fosse bem orientada, seria levada a seguir os “prazeres do mundo”.
O exemplo mais bem-sucedido de novas escolas para leigos, recomendado pelo Concílio de Trento, foi o das escolas dos jesuítas, campeões máximos na luta da Igreja Católica contra o Protestantismo.
O século XV e a renovação educativa
No século XV diversas mudanças, que já vinham acontecendo, acabaram por se fortalecerem, dando início à uma modificação na estrutura do pensamento do homem da época, bem como do conceito de educação. Economia, política, cultura, educação, enfim, todos os setores são influenciados por esses novos pensamentos renascentista-humanistas, como citados abaixo:
A “revolução humanista”
- Renascimento e Humanismo: os dois períodos constituem vários aspectos de uma única civilização;
- Mudança de atitude do homem perante os problemas da vida e do mundo;
- Renascimento: filosofia e ciência; Humanismo: filologia (estudo de uma língua através de seus documentos escritos e literatura;
- Nova historiografia: não existe uma contraposição nítida entre uma Idade Média religiosa e um Renascimento pagão;
- Origem da civilização renascentista: grandes transformações políticas, sociais e culturais (iniciadas antes século XIV)
- Particular relevância: Formação dos Estados nacionais na Europa e os regionais na Itália; e afirmação definitiva de uma burguesia ativa e industriosa (centro de vida nas cidades);
- Mais prejudicada pela nova situação é a velha aristocracia feudal – não tem mais privilégios, assistindo à ascensão da pequena burguesia dos mercados e dos artesãos;
- Monopólio econômico – banqueiros, grandes negociantes, artesãos, senhor da cidade: exercem amplo controle sobre as atividades comerciais e financeiras e também protetores do saber;
- Política + Economia: nascimento novas indústrias, aumento da produção, adoção de novas técnicas – desenvolvimento dos conhecimentos (grandes descobertas geográficas);
- Século XV: economia e cultura da Europa é dominada pela burguesia das grandes cidades italianas;
- Fim século XV: fase de lento declínio por razões econômicas (difusão do comércio em toda a Europa) e políticas (nascimento das grandes monarquias francesas e inglesas e a precariedade do equilíbrio político entre os principais Estados italianos).
O Humanismo italiano como renovação educativa e pedagógica
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- Primeiro na Itália e depois no resto da Europa – nova cultura que interpreta as novas necessidades. Homem=senhor do mundo (antropocentrismo);
- Características do homem na época: não irreligioso, mas que não aceita os ideais da ascese e da renúncia; artífice da própria história, quer viver intensamente a vida na cidade com seus semelhantes; engaja-se na vida civil, política, comércio e artes.
- Nova concepção de virtude- “humanitas”. Não há mais lugar para a tradicional hierarquia nobiliárquica e eclesiástica;
- Toda produção educativa dos séculos XV e XVI é caracterizada por uma profunda aspiração a dar forma e concretude ao novo ideal de homem;
- Leitura dos clássicos grego e latino;
- Modelo formativo: orador da época helenístico-romana (vir bonus, dicendi peritus);
- Retorno à antiguidade clássica;
- Valorização da língua latina;
- Enfrentam novos problemas de sua época com soluções inspiradas em modelos e valores deduzidos da cultura antiga;
- Pedagogia: ideais antropológicos; jogos; educação física; valorização da infância (sentimento de infância-preparam-se o interesse psicológico e preocupação de ordem moral que estarão nos fundamentos da pedagogia moderna e contemporânea)
- Caráter aristocrático e conservador: humanismo é a configuração de um pensamento que representa apenas parte da sociedade (“homem nascido livre e na cidade livre”).
Pedagogia e educação no humanismo europeu
O humanismo europeu desenvolve grande parte dos temas pedagógicos do movimento italiano e concretizados numa série de experiências escolares de relevo internacional. Impõem-se especialmente na Alemanha, “dando lugar a novas instituições, novas escolas, bibliotecas, servindo – se muito da imprensa que os auxiliava com livros e subsídios de toda espécie.
O difusor do humanismo educativo na Alemanha era Roelof Huusman, mais conhecido como Rodolfo Agrícola. Opondo - se ao ensino medieval, exaltava os princípios de leitura dos clássicos apreendidos na escola de Guarani: acurada leitura, a rica e segura memorização. Outro elemento central de sua reflexão educativa é a concepção da lógica como estudo dos processos expressivos e persuasivos.
Do lado de Agrícola deve ser lembrada, sobretudo de Johannes Reuchlin, por muitos considerado a maior figura do humanismo alemão. O primeiro diretor da escola de Deventer, congregação laica, mas de inspiração religiosa, dedicada ao ensino com escolas abertas a todos.
A cultura humanística não encontra um ambiente muito favorável na França. Um sensível impulso à penetração da cultura humanística na França ocorre no fim do século com a expedição do rei Carlos VII à Itália. Não obstante o insucesso político – militar resultante, esse evento serve para despertar na cultura francesa uma atenção geral pelo humanismo italiano.
Impulso à difusão da cultura humanística na Inglaterra ocorre no fim do século XV.
As escolas do humanismo
Os mestres Guarani e Vittorino, Giovanni Conversino de Ravena, e, sobretudo Gasparino Barzizza de Bérgamo, que funda um colégio/internato em Pádua para os nobres venezianos e é o inspirador dos ensinamentos de Guarani e Vittorino. Com a obra desses autores, foi sendo elaborado “um esquema completo de educação literária adequada à época moderna”, são exploradas as melhores sugestões educativas dos clássicos gregos e latinos e se constrói um currículo formativo que dá amplo espaço às letras e às artes, à moral, e à fé, à ginástica e à ciência.
Guarini abre uma escola/internato em Ferrara, com o auxilio do seu filho Battista. Nos seus escritos, nos métodos de ensino ou seus pensamentos, nota – se, porém uma constante preocupação por questões técnicas ligadas ao ensino em aula, desenvolvidas até nos mínimos detalhes. O motivo dessa preceptiva tão minuciosa reside na intenção do autor de servir de ajuda aos mestres e preceptores do seu tempo, notoriamente bastante limitados em matéria de preparação profissional.
Refere – se a uma escola ao mesmo tempo pública (nos cursos da manhã) e particular (nos da tarde). A organização dos cursos de estudo na sua escola, tem uma ordem bastante precisa e racional. O ensino é dividido em três cursos: elementar, gramatical e retórico. O primeiro é dedicado à aprendizagem da leitura e da escrita “clara e expedita” do latim, das declinações e das conjugações. O curso de gramática é constituído de uma parte metódica e de uma parte histórica. O curso de retórica, enfim é destinado ao estudo de Cícero e de Quintiliano e à leitura de Platão e Aristóteles.
O método de Guarani baseia – se primeiramente na leitura, feita “com olho atento e com ânimo aplicado”: “ se logo á primeira leitura apreenderes o significado, repetindo para ti mesmo e condensando – o, compreende – lo – ás dentro de uma única intuição mental” e “ quando depois tiveres percorrido de igual modo e cuidado vários períodos sobre o mesmo assunto, antes que a leitura passe a outro,será preciso recolher – se e, em silêncio, encontrar o sumo das coisas lidas. Ao lado da mente, também o corpo deve ser educado, ou seja, fortalecido e enobrecido. Para tal objetivo, são úteis as caçadas e os passeios no campo, assim como os jogos aquáticos e com bola e também a dança.
Vittorino do Ramboldi transfere – se para Pádua onde abre uma escola/internato que dirige pessoalmente e que acolhe também rapazes pobres, mas dotados de taleto. Trata – se, em todo caso, do professor mais célebre do seu tempo, “tido por todos em alta estima e veneração, não só pela doutrina, mas pela integridade e a gloria de sua vida e de seus costumes”, de tal modo que os estudantes “acorriam em multidão para ele, não só de todas as partes da Itália, mas da própria Grécia, da França e da Alemanha, já que a fama de tal homem se tinha espalhado pelos mais longínquos países”.