RESUMO

 Este estudo tem como tema a história do direito da criança e o adolescente em conflito com a lei, por meio de uma revisão literária realizada em livros e materiais já publicados. Este estudo irá abordar o inicio dos estudos sobre a adolescência, a teoria de Michael Sullivan e Eric Erikson sobre a adolescência e suas fases, e as pesquisas de Piaget sobre o desenvolvimento, tratando em seguida, o adolescente, sob o olhar jurídico. 

 1. O DIREITO DA CRIANÇA

Do ponto de vista do Direito, a história do direito juvenil pode ser dividida em três etapas: a) de caráter penal indiferenciado; b) de caráter tutelar; c) de caráter penal juvenil. A primeira etapa do caráter penal indiferenciado marca o tratamento dado pelo direito desde o nascimento dos códigos penais, do conteúdo eminentemente retribucionista do século XIX até a primeira década do século XX. A segunda etapa, do caráter tutelar da norma, teve sua origem nos Estados Unidos e se erradicou pelo mundo no início do século XX. Em vinte anos, iniciando em 1919 com a Legislação da Argentina todos os países da América Latina adotaram o novo modelo, resultado da indignação moral devido à situação de promiscuidade do alojamento. Partindo do movimento dos Reformadores, novas ideias foram sendo introduzidas, fazendo prevalecer modificações em relação ao velho sistema. Com as novas leis e administração da Justiça de Menores, nasceu e se desenvolveu o positivismo filosófico. Houve a separação de adultos e de menores, sendo que ainda hoje, persiste a colocação de menores de idade na prisão de adultos, problema que em muitas regiões ainda é sem importância. Surge a terceira etapa, Convenção das Nações Unidas de Direitos da Criança inaugurando um processo de responsabilidade juvenil, caracterizada por conceitos como separação, participação e responsabilidade.  Separação: refere-se à necessária distinção, para começar o plano normativo dos conflitos com as leis penais;  Participação: refere-se ao direito da criança expressar livremente sua opinião de acordo com sua maturidade;  Responsabilidade: partindo da maturidade é que este conceito se forma e se converte numa responsabilidade de tipo especificamente penal. Estes conceitos encontram-se estabelecidos na Convenção das Nações Unidas de Direito da Criança, nos artigos 12, 37 e 40. O Brasil foi o pioneiro na América Latina a reconhecer a terceira etapa inaugurando o Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei n. 8.069/90. Esta etapa foi incorporada na normativa brasileira e afirmada no art. 227 da Constituição Federal cuja regulamentação no Estatuto promoveu uma completa metamorfose no Direito da Criança, elevando-a de menor à condição de cidadão, fazendo-a sujeito de direitos. Toda a história do progresso humano foi uma série de transições através das quais costumes e instituições, umas após outras foram deixando de ser consideradas necessárias à existência social e passaram para a categoria de injustiças universalmente condenadas (SARAIVA, 2009, p. 24). Em 1808, quando D. João VI desembarcou no Brasil com sua corte, estavam em vigência as Ordenações Filipinas, vigorando até 1830, com o advento do Código Penal do Império. A Igreja Católica, primada pelo Direito Canônico presidiu a Jurisdição do Estado, fazendo com que a idade da razão, devido à tradição do catecismo católico fosse alcançada aos sete anos. Segundo Saraiva (2009, p. 28) “[...] no início do século XIX, sete anos era o marco da responsabilidade penal”. As Ordenações Filipinas asseguravam apenas, em favor dos menores de dezessete anos, a inaplicabilidade da pena de morte. Devido no século XIX, a imputabilidade penal iniciar aos sete anos, o menor era eximido da pena de morte, concedendo-lhe a redução da pena de morte. Havia um sistema chamado jovem adulto que levava o jovem entre dezessete anos e vinte e um anos a condenação de morte ou dependendo das circunstâncias, ter sua pena diminuída, ficando a imputabilidade penal para os maiores de vinte e um anos, incluindo a morte em certos delitos. Enquanto no Brasil vigorava essa lei, na Inglaterra se construía o embrião do Direito da Infância, sendo publicada a primeira normativa para combater o trabalho infantil, conhecida como Carta dos Aprendizes de 1802, ato que limitava a jornada de trabalho à criança trabalhadora ao máximo de doze horas diárias e proibia o trabalho noturno. O primeiro Código Penal brasileiro em 1830, fixando a idade de imputabilidade penal plena em 14 anos. Foi previsto ainda no Código um sistema biopsicológico para que entre sete e quatorze anos houvesse uma punição. Devido a essa abertura que Dom Pedro II teve em 1840, sendo que aos 14 anos de idade foi emancipado para poder governar o Brasil, casando-se aos dezessete anos. No Brasil a luta pelos Direitos da Infância confundiu-se com a luta do movimento abolicionista incluindo a Lei do Ventre Livre – Lei n. 2.040 de 28 de setembro de 1871. Era uma lei perversa cujo teor não se estuda na escola quando se aborda o movimento abolicionista. Assim estava escrito no artigo 1º, § 1º da Lei do Ventre Livre (BRASIL, 2016c): Art. 1º Os filhos da mulher escrava que nascerem no Império desde a data desta lei, serão considerados de condição livre. §1º Os ditos filhos menores ficarão em poder e sob a autoridade dos senhores de suas mães, os quais terão obrigação de criá-los e tratá-los até a idade de oito anos completos. Chegando o filho da escrava a esta idade, o senhor da mãe terá a opção, ou de receber do Estado a indenização de 600$000, ou de utilizar-se dos serviços do menor até a idade de 21 anos completos. No primeiro caso o governo receberá o menor, e lhe dará destino, em conformidade da presente lei. A indenização pecuniária acima fixada será paga em títulos de renda com o juro anual de 6%, os quais se considerarão extintos no fim de trinta anos. A declaração do senhor deverá ser feita dentro de trinta dias, a contar daquele em que o menor chegar à idade de oito anos e, se a não fizer então, ficará entendido que opta pelo arbítrio de utilizar-se dos serviços do mesmo menor. A citada lei criou duas categorias: a do escravo por tempo determinado até 21 anos, e a do abandonado para ser livre em instituições de acolhimento. Na verdade foi no final do século XIX e início do século XX que o Brasil veio conhecer as instituições públicas de abrigamento. Antes deste fato, a Igreja tinha o quase monopólio do atendimento em abrigos às crianças em situação de abandono. Em 1889, com o advento da República, o Código Penal do Império deu lugar ao Código Penal dos Estados Unidos do Brasil. No Código Penal do Império a imputabilidade penal passou para um critério biopsicológico baseado no discernimento entre sete e quatorze anos. No século XIX, para o Direito Civil não havia distinção entre uma criança e um cachorro, ao menor do ponto de vista da responsabilidade civil, sendo que o método educativo era o castigo físico delegando aos pais o poder de educar as crianças da forma que entendesse ser melhor, levando a Sociedade Protetora dos Animais de Nova Iorque a se preocupar com os direitos da criança, que segundo eles era gente e não animal. Em 1899, foi criado em Illinois, EUA, o primeiro Tribunal de Menores, e paralelamente foi se construindo a Doutrina do Direito do Menor, fundada no binômio carência/delinquência, sendo que dois episódios foram fundamentais para a afirmação do Direito do Menor: 1º) Realização do Primeiro Congresso Internacional de Menores em Paris, no período de 29 de junho a 1º de julho de 1911. Foi um evento de grande importância porque assentou os princípios do novo direito, sendo lançados os fundamentos da Doutrina da Situação Irregular consagrando o binômio carência/delinquência; 2º) O segundo episódio foi a Declaração de Gênova de Direitos da Criança, adotada pela Liga das Nações em 1924. O binômio carência/delinquência foi o fundamento das primeiras legislações brasileiras em relação ao Novo Direito da Criança, distinguindo as mesmas entre bem nascidas daquelas excluídas, estabelecendo uma ação entre a infância e a infância delinquente, criando uma categoria jurídica: os menores. Encontra-se no artigo 3º, § 16 da Lei n. 4.242 de 05.01.1921, a exclusão de qualquer processo penal de menores que não tivessem completado ao quatorze anos de idade, abandonando o sistema biopsicológico. A Lei n. 4.242/21, adotou a imputabilidade penal, fixando-a em 14 anos. O Decreto nº 16.272 de 20 de dezembro de 1923 criou as primeiras normas de Assistência Social que visava à proteção de menores abandonados e delinquentes. Em seguida foi estabelecido o Código de Menores definindo que “quando com idade maior de 14 anos e inferior a 18 anos, submeter-se-ia o menor abandonado ou delinquente ao regime estabelecido neste Código” (KROMER JUNIOR citado por SARAIVA, 2009, p. 42), explicitando situações de incidência da norma, que cinquenta anos depois seriam praticamente reproduzidas no art. 2º do Código de Menores de 1979 revogado pelo ECRIAD (BRASIL, 2016b) Art.2º - Para efeitos deste código, considera-se em situação irregular o menor: I- Privado de condições essenciais à sua subsistência, saúde e instrução obrigatória, ainda que eventualmente em razão de: a) falta, ação ou omissão dos pais ou responsável; b) manifesta impossibilidade dos pais ou responsáveis provê-las; II- Vítima de maus-tratos ou castigos imoderados impostos pelos pais ou responsável; II- Em perigo moral, devido a: a) encontrar-se, de modo habitual, em ambiente contrário aos bons costumes; b) exploração em atividade contrária aos bons costumes; IV- Privado de representação ou assistência legal, pela falta eventual dos pais ou responsável; V- Com desvio de conduta, em virtude de grave inadaptação familiar ou comunitária; VI- Autor de infração penal. Em 1942, no Governo de Getúlio Vargas, foi criado o SAM – Serviço de Assistência aos Menores e de acordo com Saraiva (2009, p. 45), A ideia de incapacidade dos menores, colocados como insusceptíveis de qualquer responsabilidade, os colocava em uma condição similar aos inimputáveis por sofrimentos psíquico, tanto que as medidas aplicáveis aos menores se faziam por tempo indeterminado, em um caráter muito semelhante à medida de segurança aplicável aos inimputáveis por incapacidade mental. [...] o final da década de 40, é marcado pelo advento, em 1948, da Declaração Universal dos Direitos do Homem. Onze anos depois a ONU produziu um novo documento - a Declaração dos Direitos da Criança, que afirmou o direito à infância. Essa lei foi ratificada pelo Brasil e evoluiu no final da década de oitenta, no século XX, para a Doutrina da Proteção Integral, superando a etapa da indiferença, para a nova condição de sujeito do processo, titular de direitos e obrigações próprios de sua peculiar condição de pessoa em desenvolvimento.