Qual Era a Grande Metáfora Sobre a Criação Humana Que Dominava a Idade Média? Qual Foi a Principal Contribuição de Edward Tyson Nesse Processo? Como Foi a Sua Experiência Com o Chimpanzé?

Durante a Idade Média uma grande metáfora dominou e dificultou os esforços europeus para descobrir o lugar do homem na Natureza e, essa metáfora, era o conceito da própria existência humana. Conforme os filósofos da época, todo o universo consistia “numa série ordenada de seres, do mais inferior, mais simples e mais minúsculo, do fundo ao mais superior e completo do topo”. 

A metáfora da cadeia do ser humano estava repleta de ambiguidades e contradições, mas quantos elos compunham essa cadeia? Em que divergia um elo do seu vizinho, para baixo ou para cima da escala? As respostas a tais perguntas pressupunham um conhecimento total da Natureza, o que era prerrogativa exclusiva do Criador. 

Como o homem estava muito distante da perfeição do seu Criador, também não haveria espaço acima do homem para um número infinito de seres superiores? O homem era apenas um “elo médio” entre o mais inferior e o mais superior? Se havia de fato uma cadeia contínua, não poderia o homem diferir apenas infinitamente do elo não humano seguinte? 

Por muito sedutora que fosse para poetas a cadeia do ser humano não ajudava muito os cientistas e, embora os naturalistas falassem de “elos perdidos”, não se sentiam encorajados para fazerem esforços a fim de adquirir conhecimentos a respeito do homem pelas suas similaridades com outros animais. 

A cadeia do ser revelou-se flexível e acabaria por aceitar uma ideia de evolução. Mas pelo menos até o século XVIII, descreveu o produto e não o processo da Criação e foi apenas mais uma forma de louvar a sabedoria e a plenitude do Criador. Para descobrir o seu lugar na Natureza, o homem precisaria de uma noção de história, de fazer uma ideia de como e quando todas as diferentes espécies tinham aparecido, e também precisaria de ver como o seu próprio corpo era semelhante aos corpos de outros animais. 

Edward Tyson era um médico inglês bem qualificado, o qual estava pronto para desbravar os caminhos da descoberta da história natural para a anatomia comparada. Jamais conquistou um lugar ao lado de Vesálio, Galeno, Newton ou Darwin e nunca procurou poder no novo parlamento da ciência. Mas, o que Sir William Harvey foi para a Fisiologia, Tyson viria a ser para a Anatomia Comparada. 

Quando começou suas experiências anatômicas, Tyson travou conhecimento com Robert Hook, o qual ilustrou alguns de seus artigos e conseguiu a sua eleição para membro da Royal Society em 1679. Como curador, ele foi encarregado de planejar demonstrações para as reuniões da sociedade e pregava o evangelho moderno da ciência desenvolvimentista da sociedade. E rejubilava com a riqueza de fatos que chegavam em grandes quantidades do Novo Mundo. 

Tyson dizia que “a anatomia de um animal será a chave para abrir várias outras e, até a altura em que possamos ter o todo completado, será muito desejável termos tantas quantas possamos dos mais diferentes e anômalos”. Um dia, quando ele visitava as docas da sua cidade – na sua habitual procura por peixes para dissecar – um vendedor ofereceu-lhe uma toninha. Este era o único cetáceo encontrado em águas britânicas. Foi uma felicidade para o futuro da ciência que aquele espécime tivesse se perdido no rio Tamisa. 

A Royal Society tinha um especial interesse pela anatomia de todas as raridades e a toninha nunca havia sido dissecada. Robert Hook comprou o “peixe” de 43 kg e o levaram para dissecação. Tyson lançou-se ao trabalho, convencendo Hook a ajudá-lo e fazia desenhos enquanto dissecava. Seu relatório revelou os perigos de classificar animais pela sua forma exterior, pois John Ray já havia classificado as toninhas como peixes. “Se vemos uma toninha pelo exterior, não há nada mais do que um peixe, mas se vemos no interior, não há nada de menos”. A sua anatomia interna convenceu Tyson de que a toninha era, na realidade, um mamífero, similar aos quadrúpedes terrestres, “mas que vive no mar e tem só dois membros anteriores” – escreveu ele. 

Outro acaso que lhe proporcionou o pioneirismo nos caminhos das origens humanas foi quando um marinheiro, voltando de uma viagem à África, trouxe um chimpanzé que morrera ao chegar ao porto. Tyson adquiriu o corpo a fim de dissecá-lo e, como não dispunha de refrigeração para conservá-lo, teve de efetuar a dissecação rapidamente e convidou William Cowper para assisti-lo e fazer os desenhos. O trabalho de ambos foi publicado em 1699 e, assim como o livro de Vesálio inaugurou a Anatomia Humana, este volume copiosamente ilustrado inaugurou uma nova era na Antropologia Física. 

Nunca antes houvera uma demonstração pública do parentesco físico do homem com os animais e, se Vesálio pormenorizou e desenhou a estrutura do corpo humano, Tyson pormenorizou a anatomia do que mostrou ser o parente mais chegado do homem entre os animais. Era evidente a implicação de que se encontrava ali o “elo que faltava” entre o homem e toda a criação animal. 

Tyson concluiu que o chimpanzé se parecia mais estritamente como o homem do que os outros primatas. As diferenças entre o homem e outros animais se tornaram apenas questões de nuance, para serem enumeradas numa lista. A dissecação pericial de Tyson deu à conversa teológica da natureza “animal” do homem um significado de um rigor completamente novo – e teologicamente perigoso. Dessa forma, pode-se dizer que Tyson estava no limiar da Antropologia Física.

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