TRAVESSIA DO RIO AMAZONAS EM PRAINHA: características, dilemas pontuais e convivência com o meio natural

Texto produzido e divulgado em maio de 2021 em Santa Maria do Uruará – Pará

Por: Sydney Pinto dos Santos[1]

A travessia deste rio nas proximidades do Município de Prainha – Pará, pode ser caracterizada e conceituada como um itinerário dentro do espaço fluvial do rio Amazonas de uma margem a outra, percorrido por lanchas, canoas “rabetadas”, barcos de madeira, ferry boat, e por outros tipos de embarcações, as quais, com diversas finalidades, fazem o transporte de passageiros e mercadorias, trafegando diuturnamente neste trecho de mais ou menos 9,5 quilômetros de largura, muitas vezes saindo no furo do Vira Sebo e atracando no porto da sede do município de Prainha – Pará. Sendo que neste trecho do rio a profundidade do mesmo varia entre 5 e 7 nas margens ou mais, dependendo de onde passa o “canal”, para 35 a 40 ou mais metros de profundidade, o que depende também da época do ano; quando no inverno amazônico, esta variação vai para mais.

No que tange, aos aspectos ou fatores apresentados nesta paisagem temos variados, que vão desde a composição das margens, até os troncos e vegetação que “navegam” livremente no leito do rio. Onde as terras caídas e formações de aluviões ou depósitos posteriores, são muito frequentes, pois, o fenômeno de terras-caídas tanto modifica a paisagem da margem, como consegue possibilitar a formação de “praias” no leito do rio, e que dependendo da distância para a margem, tem seu tempo de duração, o qual pode variar de anos a décadas. Quando pela força da água ocorre a desmoronamento destas formações ou ainda vão gradativamente aumentando de tamanho, formando bancos de argila, que por vezes dificultam a navegação neste trecho.

Por outro lado, a travessia que demora em torno de uma hora feita de barco ou 20 minutos feito de lancha, dependendo do ponto de partida, seja no sentido SUL - NORTE ou Norte – Sul, sendo este último contra a maré, fazendo com que haja uma demora um pouco mais de período, e qual dependendo do vento ou ainda de outros fatores meteorológicos, podem comprometer o trajeto, visto que as ondas, chamadas de “maresias” pela população local, que às vezes ultrapassam 2, 5 metros de altura, impedem que as embarcações naveguem com total segurança, não facilitando para os mais experientes comandantes marítimos-fluviais; tendo em vista que, é a vida do passageiro, que está em pauta. E as vezes causando pânico em passageiros que ora sofrem de hidrofobia ou que não possuem o “nado” como hábito particular dos povos ribeirinhos, acostumados estes, com as mais adversidades dos locais que temporariamente alagam no inverno amazônico.

Porém, para os amantes das águas, e pelos ribeirinhos que são acostumados com as intempéries locais e naturais, assim com os navegantes contumazes este trecho, independentemente da situação e horário, torna-se uma aventura ou mesmo uma situação corriqueira, provocado pelas necessidades individuais e coletivas, sempre fazendo esta conexão entre a sede (cidade de Prainha), com as comunidades da outra margem e outras regiões do município que estão localizadas na Margem direita do rio Amazonas.

E, desta forma, perceber o Amazonas, em uma travessia, em especial no início ou raiar do sol, como no entardecer, nos possibilita uma dos mais lindos espetáculos da natureza, possibilitando uma reflexão sobre nós seres humanos e sobre a nossa interação com as grandiosidades da natureza, somando-se aos outros aspectos como: o céu azul, o grande volume de água, a imensidão do rio no sentido leste-oeste, assim como o dourado do sol nestes horários, tornando uma apreciação fora do comum e, assim uma dádiva de Deus aos transeuntes, que têm nestes horários o privilégio de contemplar as maravilhas do conjunto.

Os barrancos que “navegam” livremente, compostos de toras de madeira, aningas, moitas de capim de várzea (premembeca, canarana, e outros tipos) também compõem este conjunto exuberante do ambiente fluvial, o que as vezes se tornam um empecilho para a navegação local no período noturno; mas nada que uma boa experiência dos comandantes e práticos, para contorna-los.

Os causos do local

Desde a infância convive com histórias que marcaram este trecho, inclusive a pequena costa-margem que está entre as comunidades de Vira Sebo e São Joaquim no Rio Puru (Mata Grande); onde os causos sobre “navios fantasmas”, botos em trapiches, piraíbas enormes, cobra grande e mãe dágua faziam parte do contexto histórico dos mais velhos, antigos moradores que conviviam com os rio Amazonas, e outros igarapés neste trecho, navegando naquela época na canoa a base de remo e vela; e assim promovendo e incentivando o imaginário folclórico das gerações mais jovens, como também permitindo se ter um respeito pelas coisas da natureza, dentro de um conhecimento empírico que ainda permeia a tradição cultural do povo ribeirinho, não só deste espaço retratado, mas de outros locais estabelecidos ás margens do grande rio Amazonas.

Viver com estas tradições e histórias nos faz viver e nos tronarmos pessoas mais humildes e sensíveis a causa da natureza e consequentemente ao respeito que devemos a ela, nem que para isto tenhamos que conviver e relatar as velhas histórias que fazem parte de um contexto local que ao longo dos anos foram se perdendo, inclusive relatados desde a existência da Ilha do Miriti, e outras que sumiram devido a força da água, e consequentemente desenvolvendo o fenômeno das terras – caídas, levando os sedimentos para outras regiões do leito do rio, e assim promovendo surgimento de outros acúmulos sedimentares e/ou depósitos aluvionares, principalmente de argila e outras composições de solo, como areia e silte[2].

Logo, por sua dimensão, grandiosidade e robustez, o rio Amazonas deve ser respeitado, não só por suprir esta beleza natural aos seus conviventes e transeuntes temporários, não apenas por oferecer alimentos provenientes das mais variadas espécies de pescados, crustáceos ou quelônios e crocodilianos, não por fornecer água suficiente para as pequenas industrias no local referido ou para consumo da população e aos animais; não apenas por permitir a navegação e assim consequentemente abastecer através das embarcações os lares e comércios locais; porém, por ser um ser fenomenal natural mavioso, onde o ser humano e as espécies da fauna e da flora, vivem harmonicamente, apesar das mudanças significativas impetradas e forçadas pela nova dinâmica de viver e conviver e produzir da sociedade. Sabendo, que os prejuízos são incalculáveis pelo despejo desenfreado e quantidade maior de esgoto e lixo em seu leito.

Cuidemos deste “monstro” sempre, pois assim que ele possa sempre nos mostrar a cada dia amanhecido ou a cada tarde terminada, que o ser humano faz parte dele, e desta forma apreciar como fizesse parte de sua própria vida, mesmo que sejam feitas restrições através de novos causos, os quais possam impetrar respeito, sensibilidade e benevolência a este “magnífico” curso, o qual demonstra ser mais que uma paisagem, e sim, um ser vivente e construtor de novas vidas humanas, possibilitadas pelo oferecimentos de suas particularidades: terra (praias), vegetação, água, espécies pisqueiras, e outros aspectos ou fatores motrizes.

 

[1] Professor efetivo da Rede Pública Municipal de Ensino do Município de Prainha - Pará

 Mestrando em Educação (Formação de Professores) UNINI/FUNIBER – 2021. 

[2] Silte: fragmentos bem pequenos de rocha que entram na composição de outros materiais maiores, muitos presentes nos aluviões amazônicos.