Trabalho é coisa do demo; feriado é de Deus?
Por Daniel Ribeiro | 17/06/2009 | ReligiãoOs vereadores de Estância Velha, crentes
fidelíssimos em Deus, resolveram acrescentar no
calendário dos acontecimentos, eventos e feriados
municipais, mais um “dia de descanso” em homenagem
ao Deus em que crêem. Assim, os divinizados edis
“discutiram” com os setores sociais, com a
população e, chegaram a conclusão de
que todos, deístas, ateístas e agnosticistas,
queriam um dia de sua faina laboral, para freqüentar as
igrejas católicas (trata-se de um rito católico)
para de procissões, em profunda
meditação elevando seus espíritos a
presença do Divino, cujo corpo se consubstancia num
pedaço de cereal, a hóstia. Tal dogma
católico se comemora na lembrança do
sacrifício do Filho de Deus, pela
redenção de todos os seres humanos, inclusive,
dos ateístas, agnosticistas e, dos próprios
vereadores.
Considere-se a iniciativa dos edis estancienses
louvável se fossem todos os cidadãos estancienses
cristãos, em primeiro lugar, e católicos e
evangélicos, em seguida. Nesse ponto, a lei do feriado tem a
sua lógica. Vejamos: havendo um feriado, no dia 21 de maio,
que no calendário cristão-católico
é considerado o dia da ascensão do Senhor aos
céus depois de sua jornada terrena, deveria haver
também um feriado para outra homenagem a um dogma
cristão-católico, no caso, de Corpus Christi (em
latim, antiga língua do império Romano, corpo de
Cristo).
Assim, um dos argumentos dos iluminados legisladores
municipais foi de que o “feriado da ascensão do
Senhor” criou-se por conta dos
cristãos-evangélicos e que Estância
Velha era um dos poucos municípios da região que
não tinha um feriado em relação a data
católica. Nos demais o feriado é unicamente o
católico, de Corpus Christi e, deve haver (aqui perdoem meu
desconhecimento), municípios que tenham os dois.
Então, como não seria de bom alvitre simplesmente
acabar com o “feriado da ascensão”,
oficialmente instituído, o que poderia parecer uma desfeita
para os evangélicos, achou-se uma saída
salomônica, fazer mais um feriado, o dos
católicos. Sagaz e inteligente decisão dos nossos
“fazedores de leis”. Foram aplaudidos por todos,
principalmente, os crentes de que não é o
trabalho que dignifica o homem, mas o descanso.
Se
concordarmos com o trabalho como algo efetivamente humano e
necessário, também concordamos que o trabalho
consome energia e vigor humanos, por isso, faz-se juz o descanso. Tal
é a razão da legislação
que, neste ponto, buscou apoio nas escrituras da religião
judaico-cristã, que historia a criação
do mundo mediante um trabalho do Deus, que – embora eterno e
atemporal – levou de seis dias humanos para fazer o mundo. No
sétimo, Ele, “sabath”, em hebraico,
descansou. Vem daí, que o trabalho é uma
constante eterna, o descanso, um merecimento desta
convicção e dedicação
laboral.
Como nação, como sociedade,
como Estado, somos uma democracia. Ou seja, um Estado cujo poder
é concedido aos governantes pelo povo (do grego demos = povo
+ cratos = poder). Assim, Lula, Yeda e mesmo o prefeito Dilkin, com
todas as suas virtudes e defeitos, são governantes por
imposição popular e não divina. Igreja
e Estado coexistem, mas um não interfere no outro. Este
é o principio republicano. Criou-se, o Estado laico,
não religioso. Ora, o Brasil é uma
república, democrática, laica, por que
então, tantos feriados religiosos? Se a
intenção usar datas, personagens ou
acontecimentos para possibilitar descanso e reflexão, por
que não criar feriados em homenagem a eventos, figuras,
personagens de elevada contribuição a
história seja local, estadual, nacional ou mundial? Um
feriado, por exemplo, em homenagem a Albert Sabin, o inventor da vacina
anti-pólio, cuja descoberta serviu a toda a humanidade,
independente da crença religiosa. Mas, eu sinceramente,
aprovaria um feriado para homenagear o dia em que nossos legisladores
forem iluminados pelo bom senso. Afinal, trabalho não
é coisa do demônio e nem o descanso é
coisa de Deus. Ambos, são invenções e
necessidades humanas.