Qual a Relação da Invenção dos Óculos Com o Telescópio? Como os Gregos Pensavam a Visão Humana? Como Galileu Reuniu Condições Para Desenvolver o Telescópio? Por Que Galileu Abalou o Pilar do Universo Aristotélico?

O salto da observação celeste a olho nu para a visão através de instrumentos seria um dos grandes avanços da história do planeta, embora ninguém tenha se proposto a inventar um telescópio. Um dos preconceitos mais profundos e difundidos era a fé nos sentidos humanos, sem ajuda e sem mediação. 

Não se sabe quem inventou os óculos, como ou onde foi inventado, mas tudo indica que foi por acaso, por leigos que não entendiam nada de ótica. Talvez um vidreiro idoso, ao fazer discos de vidro para janelas chumbadas, tenha experimentado um disco e, olhando através dele, tenha descoberto que via muito melhor. Assim, é normal suspeitar de que o inventor não foi um acadêmico, pois os professores vangloriam-se de seus inventos e, antes do século XIII, não se tem registro de algum inventor desse gênero. 

A palavra italiana “lente” (inglês: “lens”, de “lentil”, a semente; lentilha – comestível) usada para descrever o invento, não tem nada de acadêmica. Não é o gênero de palavra que um professor utilizaria pra descrever a aplicação das suas teorias óticas. Desde as primeiras utilizações dos óculos (antes de 1300) até à invenção do telescópio (quase 300 anos depois), as lentes foram ignoradas pelos sábios. 

Sabia-se pouco sobre a teoria da refração da luz e os poucos físicos em vez de estudarem a refração, sentiram-se mais atraídos pelo seu amor pelas formas perfeitas pelos círculos e pelas esferas. Começaram por estudá-la numa esfera de vidro completa, o que implicou as aberrações mais complexas e não os levou a lugar algum. 

Ao procurarem os efeitos das lentes, os filósofos foram bloqueados pelas suas teorias da luz e da visão. Os Gregos pensavam na visão como o processo ativo de um olho humano vivo, e não como o registro passivo de impressões físicas no exterior. Platão e os pitagóricos descreveram o processo de ver como emanações do olho que circundavam o objeto visto. Ptolomeu compartilhava essa abordagem. Já, Galeno – o árbitro da anatomia – levantou a objeção de que imagens grandes como as das montanhas não poderiam espremer-e e penetrar através da minúscula pupila do olho.  

Durante a Idade Média, a Europa continuou dominada pelo conceito do “olho ativo” cuja experiência visual dependia da alma interior, o que significava que o próprio olho não era um instrumento ótico, nem a luz um fenômeno da física. E levantaram-se obstáculos religiosos ao estudo da ótica ou a fabricação de instrumentos para auxiliar o olho nu. 

A tradição popular e o senso comum reforçavam a teologia. Por que tinham sido dados olhos aos homens, a não ser para saberem a forma, o tamanho e a cor verdadeira dos objetos do mundo exterior? Assim sendo, não eram os espelhos, os prismas e as lentes instrumentos para fazer mentiras visuais? E os instrumentos feitos pelo homem para multiplicar, ampliar ou reduzir imagens visuais não eram meios de deturpar a verdade. 

Contudo, algumas pessoas práticas avançaram e se sentiam satisfeitas por usarem óculos no nariz, simplesmente porque isso as ajudava a ver. A primeira utilização dos óculos parece ter sido para corrigir a presbiopia – deficiência da visão que ocorre com a idade através do endurecimento do cristalino, quando os olhos não podem mais enfocar nitidamente objetos mais próximos. 

 

Em 1623, Galileu escreveu “temos a certeza de que o 1º inventor do telescópio foi um simples fabricante de óculos que, manejando ao acaso diferente formas de vidro, olhou por acaso através de dois deles, um côncavo e outro conexo, colocados a distâncias diferentes do olho; viu e observou o resultado inesperado; e assim descobriu o instrumento”. 

A história mais crível situa o episódio na oficina de um fabricante de óculos dinamarquês (Hans Lippershey) em 1600, quando duas crianças brincavam com as suas lentes e, ao juntarem duas e olharem através delas para um catavento distante da Igreja da cidade, viram-no maravilhosamente ampliado. Lippershey também olhou e depois começou a fazer telescópios. 

Os Países Baixos lutam pela sua independência contra aos exércitos da Espanha e aquele seria o momento para ele tentar vender um novo dispositivo militar. O príncipe Maurício de Nassau – comandante das forças independentes e patrono da ciência – apreciaria a utilidade no campo de batalha de “um instrumento para ver à distância”. Depois de experimentar a invenção de Lippershey, uma comissão considerou-o capaz de ser “de utilidade para o Estado”. 

O azar de Lippershey deveu-se ao fato de, no mesmo momento, outros cidadãos dos Países Baixos reivindicarem a honra do telescópio. Um deles (James Metius de Alkmar) declarou já ter feito um telescópio tão bom como o de Lippershey e, com o apoio dos Estados-Gerais, ser capaz de fabricar um muito melhor. Como as autoridades não aceitavam imediatamente a sua oferta, James Metius recusou-se a deixar quem quer que fosse ver o seu telescópio e, ao morrer, mandou destruir todos os seus utensílios para evitar que alguém reclamasse as honras. 

Quando a notícia se divulgou, tornou-se tentador reivindicá-lo para si próprio e um desses inventores foi Zacharias Jansen, também fabricante de óculos. Jansen prosperou falsificando moedas de cobre espanholas. No meio dessa confusão, os Estado-Gerais indeferiram a petição de Lippershey e não deram a nenhum dos reivindicadores crédito ou dinheiro pelo novo instrumento. Entretanto, o telescópio se tornava conhecido e em 1608 o embaixador francês em Haia conseguiu obter um para o rei Henrique IV e, logo no ano seguinte, havia-os á venda em Paris. Em 1609 foi visto um telescópio na feira de Frankfurt e também apareceram telescópios em Milão, Veneza, Pádua e Londres. 

No entanto, não foi fácil persuadir os “filósofos naturais” a olhar pelo utensílio de Galileu, pois eles tinham muitas razões para desconfiarem do que não haviam visto a os olhos nus. Cesar Cremonini – por exemplo – se recusou desperdiçar seu tempo através da engenhoca de Galileu só para ver “o que ninguém viu, além de Galileu”..... e, além disso, “olhar por esses óculos causou-me dor de cabeça”. 

O próprio Galileu via um objeto através do seu telescópio e depois se dirigia ao objeto para ter a certeza de que não fora enganado. Em maio de 1610 declarou que experimentara o seu telescópio “cem mil vezes em cem mil estrelas e outros objetos”. Galileu foi um cruzado dos paradoxos da ciência contra a tirania do senso comum. A grande mensagem do telescópio não estava no que mostrava dos objetos terrenos que Galileu podia ir verificar em pessoa e à vista desarmada, mas antes na infinidade de “outros objetos” que não podiam ser pessoalmente examinados ou sequer vistos a olho nu. 

As vistas telescópicas perturbaram as pessoas durante muito tempo antes de elas se persuadirem por completo. Em 1611, o poeta inglês John Donne observou que as ideias de Copérnico – “que podem muito bem ser verdadeiras” – estavam “a insinuar-se no cérebro de toda a gente”. John Milton também se sentiu confuso quanto ao que poderia significar e, mal fizera 30 anos, visitou o cego Galileu perto de Florença, onde o astrólogo se encontrava confinado por ordem papal. No seu livro publicado após a morte de Galileu, descreveu-o como uma vítima heroica. “Foi isto que apagou a glória da inteligência italiana[.....]nada ali fora escrito escritos nesses anos mais que lisonja e empolação. Foi lá que encontrei o famoso Galileu envelhecido, prisioneiro da Inquisição, por pensar na astronomia de outro modo que os censores franciscanos pensavam”

Uma série de coincidências juntaram Galileu Galilei e o telescópio e elas não tiveram nada a ver com o desejo de alguém em rever o cosmo ptolomaico, de fazer progredir a astronomia ou de conhecer a forma do Universo. Os motivos se encontravam nas ambições marítimas e militares da República de Veneza e no espírito experimental inspirado pelos seus empreendimentos comerciais. 

Um mês após Lippershey recorrer ao príncipe Maurício de Nassau, chegaram à Veneza notícias do seu telescópio e o homem que primeiro as ouviu foi Paolo Sarpi, um frade apaixonado pela ciência. Como teólogo do Senado de Veneza, dele se esperava que se mantivesse informado dos acontecimentos que ocorressem no estrangeiro. Era amigo do engenhoso fabricante de instrumentos – Galileu – cujo invento de um novo utensílio de cálculo defendera recentemente das reivindicações de um mal-intencionado plagiador milanês. 

Nesse tempo Galileu era professor de Matemática em Pádua, lugar concedido pelo Senado de Veneza. Visitara com frequência oficina do arsenal veneziano, e dirigia em Pádua uma pequena oficina própria. Aí fazia instrumentos de agrimensão, compassos e outros aparelhos matemáticos. O rendimento da oficina permitiu-lhe dar dotes às suas irmãs e manter os irmãos e a mãe. Entretanto, conquistara forme reputação como fabricante de instrumentos. 

Quando um estrangeiro chegou a Veneza para vender um telescópio ao Senado, o assunto foi confiado a Sarpi que, embora convencido de que um telescópio poderia ser útil a uma potência marítima, estava convencido de que o próprio Galileu poderia fazer um instrumento melhor e, por isso mesmo, aconselhou o Senado a recusar a oferta do desconhecido. 

A confiança de Sarpi não tardou a ser justificada, pois em junho de 1609 Galileu ouvira falar da existência de um instrumento com as características do telescópio e, ao mesmo tempo, da chegada à Pádua de um estrangeiro com um deles. Depois de tomar conhecimento do modo como o telescópio do estrangeiro era feito, pôs mãos a obra a fim de fazer ele próprio um. Voltou a Veneza, onde surpreendeu o Senado e alegrou Sarpi com um telescópio de “potência 9”; ou seja, três vezes mais potente do que o oferecido pelo estrangeiro. 

Dessa forma, Galileu continuou a aperfeiçoá-lo até que em fins de 1609 produziu um telescópio de “potência 30”, o qual ficou sendo conhecido como “o telescópio galileano”. Em vez de tentar vendê-lo, Galileu ofereceu-o ao Senado de Veneza que, em troca, concedeu-lhe uma renovação vitalícia do seu cargo de professor e aumentou-lhe os honorários. Esse trato suscitou ressentimentos entre seus invejosos acadêmicos, os quais alegaram que em virtude de outros terem inventado o telescópio, o máximo a que Galileu teria direito era um bom preço pelo seu utensílio. 

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