Será a tecnologia determinante ou condicionante na vida do ser humano? Huntington

Fernando Domingos Fernando Gamboa


Resumo

O artigo, será a tecnologia determinante ou condicionante na vida do ser humano? Huntington tem como objectivo analisar a questão da tecnologia no seu condicionamento ou não na vida dos seres humanos. O incremento do uso e da necessidade da tecnologia na vida humana ensejaram, ao longo do tempo, desdobramentos políticos e, da mesma forma, questionamentos dessa ordem. Nas guerras e na violência usada pelo Estado ou pelos particulares, antes mesmo que aquela figura surgisse, a tecnologia mostrou-se um diferencial para a dominação de povo ou mesmo a sua aniquilação. No entanto, com a consolidação da ideia de que a democracia se revelava um sistema político mais adequado aos interesses gerais, para o qual o uso da violência somente poderia ser exercido em situações específicas e previstas com antecedência, a tecnologia foi colocada em questão, pois as evidências mostravam que ela era instrumentalizada agora para uma dominação sem violência. Samuel Huntington, Francis Fukuyama, assim como a Escola de Frankfurt constituem em um dos fortes que apresentaram uma crítica contundente da tecnologia, ao destacar a condenação humana pela busca do controle da natureza e da sua submissão aos seus interesses. Para a elaboração foi imprescindível o uso do método hermenêutico, que consistiu na leitura e interpretação das obras, assim como o uso da técnica de pesquisa bibliográfica. No entanto, surgiram dissidências, inclusive entre seus membros, que defendiam o seu potencial libertador e, ainda mais, concretizador da democracia em foque a questão da cultura que seria modelo de civilização ocidental através da globalização.

Palavras - chave: Tecnologia; Democracia; Civilização; Cultura; Globalização.

Introdução

O uso da tecnologia ao longo da história da humanidade significou o aumento da expectativa de vida, a sua diminuição ou mesmo a eliminação de povos. Na luta pelo poder, nas sociedades, a combinação da força e da tecnologia constituíam uma receita infalível, muitas vezes, para a dominação e subjugação de pessoas e nações.

A Escola de Frankfurt, Jürgen Habermas, HuntingtonFukuyama e outros pensadores, desenvolveram seus pensamentos ao longo do tempo, os mesmos são unânimes em afirmar que o uso da violência em busca do poder, cada vez menos a força física se fez necessária, pois a tecnologia suprimia de forma crescente a sua necessidade: a invenção da pólvora tornou as espadas obsoletas; o advento dos veleiros resultou no enriquecimento da Inglaterra, em 

detrimento do ouro espanhol, obtido nos lentos e pesados galeões pelos mares europeus e Atlântico; as bombas de napalm, fósforo e de material radioactivo, dentre outras, encerraram milhões de vidas covardemente, no exercício do terror pelo poder.

Jürgen Habermas, filósofo da denominada segunda geração da Escola de Frankfurt, dedicou-se, em 1968, na obra Ciência e Técnica como Ideologia, a analisar o papel da  tecnologia como ideologia, que seria, nas palavras de Siebeneichler, vítrea, imperceptível, no processo de instrumentalização humana, com poucas possibilidades de contribuir para a efetivação da democracia. Posteriormente, em 2006, o autor retomou o tema, quando destacou algumas possibilidades através das quais a tecnologia, especialmente através da mídia, pode implementar a democracia.

O artigo procura analisar a compreensão do uso das tecnologias como factor determinante para a vida dos seres humanos, no debate contemporâneo sobre o tema, identificar os caminhos pelos quais a tecnologia deixa de fazer as vezes de ideologia e contribuir para a alienação das sociedades, para servir ao diálogo, ao acesso à informação e ao conhecimento, além de contribuir para o debate crítico sobre os temas sociais relevantes, em interacção com a esfera pública 

1. Por uma Teoria da Dialéctica do Esclarecimento

Adorno e Horkheimer , em sua obra “Dialéctica do Esclarecimento”, defendem que, na sociedade contemporânea, a humanidade não segue um caminho de humanização, mas no sentido da barbárie. O esclarecimento, na sequência do progresso do pensamento, procurou realizar a libertação dos homens do medo e de empossá-los na posição de senhores. No entanto, o esclarecimento que se verificou não permitiu evitar a calamidade que se efectiva de forma crescente. A sua proposta era a promoção do desencantamento do mundo, anulando os mitos em lugar do saber. No entanto, a actividade científica foi a responsável pelo degredo da cultura teórica. Sua tradição, perante a crise da civilização burguesa, constituiu um factor cujo aspecto problemático não se encontrava em sua actividade, mas em seu fim.

A ciência serviria, assim, para Adorno e Horkheimer, como um instrumento sem memória, manipulada pelo processo global de produção, condicionada pelo pensamento dominante. As massas seriam “educadas tecnologicamente a deixar dominar-se pelo fascínio de um despotismo 

qualquer, sua afinidade autodestrutiva com a “paranóia racista” (Adorno; Horkheimer, 2006, p. 13), assim como toda forma de manifestação que expressaria essa incompreensão do absurdo reinante – o que, por sua vez, representaria a tibieza da capacidade de entendimento do pensamento teórico corrente.

A mídia, na prática, consideram Adorno e Horkheimer, opera a regressão do esclarecimento à ideologia. O esclarecimento teria sido reduzido ao cálculo do processo eficiente e da técnica na produção e distribuição. A ideologia se expressa através da idolatria do existente e do poder mediante o qual a técnica é gerenciada. Nesse contexto, a cultura revela-se serva de sua natureza comercial em função de ser uma “verdade atenuada”, esquivando-se de suas responsabilidades das falsidades alardeadas.

Na mesma linha de Adorno e Horkheimer, Herbert Marcuse observa que o domínio crescente da natureza pelo homem beneficia cada vez mais pessoas. Nessas condições, os meios de comunicação de massa encontram um espaço no qual facilmente defendem interesses particulares como se fossem comuns e razoáveis. Da mesma forma, as necessidades dos grupos políticos e da sociedade tornam-se as demandas do indivíduo, assim como o seu contentamento, o que resulta em negócios de sucesso e em bem-estar. Toda essa dinâmica, então, é delineada como uma expressão da razão.

Não obstante, entende Marcuse (2011, p. 8), essa mesma sociedade afigura-se irracional em seu conjunto, uma vez que o resultado da sua produção impõe a destruição do “livre desenvolvimento das necessidades e capacidades humanas, a sua paz alimenta-se de uma constante ameaça de guerra, o seu crescimento implica a repressão das reais possibilidades” do desenvolvimento de uma paz na luta pela sobrevivência individual, nacional e internacional.

Trata-se, na verdade de uma repressão, que é diversa daquela encontrada nas fases precedentes e menos avançadas da sociedade, mas que opera sem inocência técnica e natural, mediante o emprego da força, segundo o entendimento do mesmo autor. As capacidades de ordem intelectual e material da sociedade contemporânea afiguram- se maiores, mas tal importa em uma dominação da pessoa superior ao que anteriormente se viu. A sociedade contemporânea distingue-se, assim, pelo domínio das forças sociais que alcançam seus fins por meio do uso da 

tecnologia, ao invés do emprego do terror.

Na medida em que o saber funciona como um poder, defendem Adorno e Horkheimer que não há freios nem na escravização humana, nem na benemerência em relação aos poderosos do mundo. O conhecimento é instrumentalizado pela economia burguesa, nas guerras e no meio empresarial. A técnica não é mais objecto de controlo, seja pelos representantes dos Estados, seja pelo empresariado, mas se revela “ tão democrática quanto o sistema económico com o qual se desenvolve” (Adorno & Horkheimer, 2006,p. 18).

A técnica, assim, não é a “essência desse saber”. Ela é o meio pelo qual o homem domina a natureza e aos seus pares da espécie, sem limites morais. Não se procura mais a “verdade”, mas há o deleite no processo e na descoberta de propriedades ignoradas, que permitem a melhoria da qualidade de vida, que seria o “verdadeiro” objectivo da ciência (Adorno & Horkheimer, 2006). O homem, segundo Adorno e Horkheimer, promoveu sua coisificação no processo técnico, mediante a eliminação da consciência, afastada do pensamento mítico repleto de diversidades e da significação em geral, uma vez que a razão é reduzida a mero auxílio na orquestra económica global. Esta também é considerada instrumento universal, utilizada para a continuidade da produção de novos instrumentos, em uma cadeia de pensamento viciada e recorrente. O indivíduo é capturado pela sociedade e é reduzido a mero elemento.

Na sociedade industrial avançada, observa Marcuse, o aparelho técnico de produção e distribuição opera sem que possam ser dissociados seus instrumentos das consequências sociais e políticas. O sistema funciona de forma determinante em relação ao que é produzido pela estrutura produtiva. Nessa sociedade, o aparelho de produção tem uma tendência a se tornar totalitário, de modo que determina não  as tarefas, mas as competências e os actos necessários na sociedade, assim como as demandas e projectos individuais. Ofusca, assim, a oposição entre o que é privado e público na existência, entre as obrigações pessoais e sociais. A tecnologia actua de forma a estabelecer novas formas - mais operativas e mais aprazíveis de coordenação e consolidação social, defende Marcuse.

2. A Teoria Habermasiano sobre a Técnica e Ciência

Em sua obra “Técnica e Ciência como ‘Ideologia’”, publicada em alemão pela primeira vez em 1968, Habermas trata especificamente da questão da tecnologia para travar um diálogo com a contribuição marcusiana em relação ao tema e apresentar seu posicionamento. A partir do conceito weberiano de racionalidade, originariamente criado para delimitar o modo pelo qual se desenvolve a actividade económica capitalista, o ritmo social norteado pelo direito privado burguês e pela dominação burocrática, Habermas observa que esse fenómeno na sociedade é dependente da estruturação do progresso científico e técnico. Ao se infiltrarem nos espaços institucionais da sociedade, a técnica e a ciência modificam as instituições, fazendo ruírem as legitimidades já existentes.

Habermas (2009, p. 53) considera, enquanto se refere criticamente a Marcuse, que as realizações da técnica são irrenunciáveis e não pode ser colocada em seu lugar uma “ natureza que abre os olhos”. A opção à técnica vigente, ou seja, ao projecto de uma natureza como agente em vez de objecto, está relacionada a uma organização alternativa de acção, em uma relação mediada de forma simbólica, diversa da acção racional teleológica. Na verdade, ambos os projectos são reflexos do trabalho e da linguagem do homem, não podendo ser associados a um período histórico específico, classe determinada ou conjuntura superável. A concepção de uma nova técnica não é possível, nem em uma nova ciência, pois esta deve sempre se referir à ciência moderna, vinculada em regra à possibilidade de disposição técnica, visto que o progresso científico e técnico não pode ser substituído pela sua própria natureza humana.

A transição do século XIX para o século XX, destaca Habermas, importou na definição de uma face da evolução do capitalismo que é a cientificação da técnica. A demanda  pelo incremento da produção pelo trabalho exigiu a inovação das práticas, que poderiam ser fomentadas economicamente, mas ainda possuíam um carácter natural. Na medida em que a evolução táctica foi realimentada pela evolução das ciências modernas, verificou-se uma modificação nesse quadro, fundindo-se em uma  estrutura sistemática a ciência, a técnica e a revalorização do capital. No entanto, a pesquisa industrial associa-se às demandas estatais, que a requerem para a área militar. Posteriormente, tais dados seguem para a área civil, na forma de produção de bens, como esclarece o autor:

Deste modo, a ciência e a técnica transformam-se na primeira força produtiva e caem assim as condições de aplicação da teoria marxiana do valor-trabalho. Já não mais tem sentido computar os contributos ao capital para investimentos na investigação e no desenvolvimento sobre a base do valor da força de trabalho não qualificada (simples), se o progresso técnico e científico se tornou uma fonte independente de mais-valia frente à fonte de mais-valia que é a única tomada em consideração por Marx: a fora de trabalho dos produtores imediatos tem cada vez menos importância (HABERMAS, 2009, p. 58).

Enquanto as forças produtivas dependiam de modo intuitivo e evidente das decisões racionais e da acção instrumental dos homens que produziam socialmente podiam entreter-se como um potencial de progressivo poder de disposição técnica, mas não podiam confundir-se com o marco institucional em que estão integradas. No entanto, com a institucionalização do progresso técnico-científico, o potencial das forças produtivas assumiu uma forma que leva o dualismo do trabalho e interacção a ocupar um segundo plano na consciência dos homens.

Sem dúvida, os interesses sociais continuam a determinar a direcção, as funções e a velocidade do progresso técnico. Mas tais interesses definem de tal modo o sistema social como um todo, que coincidem com o interesse pela manutenção do sistema. A forma privada da revalorização do capital e a chave de distribuição das compensações sociais, que garantem a lealdade da população, permanecem como tais subtraídas à discussão. Como variável independente, aparece então um progresso quase autónomo da ciência e da técnica, do qual depende de facto a outra variável mais importante do sistema, a saber, o crescimento económico. Cria-se assim uma perspectiva na qual a evolução do sistema social parece estar determinada pela lógica do progresso técnico-científico. (Habermas, 2009, p. 72-73).

A evolução social e cultural do homem, considera Habermas, sempre foi condicionada pelo poderio técnico em relação às condições de viver, assim como por uma conformação de natureza passiva em relação ao marco institucional. O agir instrumental é uma representação da forma de adequação activa que diferencia a autoconservação da colectividade das pessoas socializadas em relação àquela conservação própria dos animais. Assim, o homem já tem conhecimento de que deve procurar se adaptar e tem o potencial de desenvolver condições para permitir sua 

sobrevivência em função das dificuldades da natureza. No que se refere ao marco institucional, no entanto, as mudanças dependem de forma directa ou indirecta das novas tecnologias ou de “estratégias aperfeiçoadas (da esfera da produção, do comércio, da defesa, etc.) ” (Habermas, 2009, p. 85) e não possuem o mesmo carácter activo, pois não decorrem de acção racional norteada a fins e gerenciada pelo sucesso, mas resultado de um desenvolvimento natural.

Portanto, o filósofo observa que se deve questionar se as escolhas quanto aos potenciais de uso da tecnologia não estariam relacionadas, na verdade, à paz e ao prazer existencial, ao invés de uma procura pela via emancipatória, mediante mudanças no marco institucional, que poderiam ser efetuadas através do aprimoramento do sistema económico- industrial justamente pela optimização do uso tecnológico. Porém, a resposta a tal questão não pode ser encontrada sem um processo comunicacional irrestrito no que se refere às finalidades da práxis vital.

2.1. A Questão da Democracia Aliada a Técnica em Habermas

O filósofo, então, oferece suas definições de técnica e democracia. A “técnica” é compreendida pelo autor como “a disposição cientificamente racionalizada sobre processos objectivados; referimo-nos assim ao sistema em que a investigação e a técnica se encontram com a economia e a administração e são por elas retroalimentadas (Habermas, 2009, p. 101). A democracia, por sua vez, compreende os modos “institucionalmente garantidos de uma comunicação geral e pública, que se ocupa das questões práticas: de como os homens querem e podem conviver sob as condições objectivas de uma capacidade de disposição imensamente ampliada”.

Entretanto, questiona, então, como estabelecer uma relação entre a técnica e a democracia, de modo a identificar como poderá ser devolvida a capacidade de dispor da técnica à decisão alcançada pelos membros da sociedade, mediante a interacção e o debate.

O autor defende, na obra de 1968, que não é aceitável uma convergência entre a técnica e a democracia, mas o contrário também não pode ser admitido. A espécie humana encontra-se perante o desafio de enfrentar as consequências socioculturais do desenvolvimento tecnológico, sem que deixe de procurar controlar o seu destino social. No entanto, tais efeitos não podem ser enfrentados exclusivamente pela própria técnica, mas após um debate político racional e 

efectivo, no qual as pessoas possam reflectir sobre o potencial do saber e poder técnicos em relação ao conhecimento e querer práticos dos indivíduos. Desse modo, os representantes políticos estariam informados quanto à vontade da sociedade, no que se refere ao direccionamento do desenvolvimento tecnológico e a sua destinação prática.

Em que pesem essas considerações, argumenta Habermas, não se encontra na tomada de decisão a necessária reflexão sobre a dialéctica existente entre poder e vontade, não se localizando a necessária fundamentação publicitada. Sem essa necessária mediação política não será possível haver um real controlo do desenvolvimento técnico e a sua mediação com a vida social. A tecnologia pode ser instrumentalizada pelo poder, mantendo as suas redes, não sendo possível, portanto, o rompimento da dominação pelo simples uso da técnica, conforme aduz Habermas (2009, p. 105):

A irracionalidade da dominação, que se converteu hoje um perigo vital e colectivo, só poderia ser dominado através da formação de uma vontade colectiva, que se ligue ao princípio de uma discussão geral e livre de domínio. A racionalização da dominação só pode esperá-la de situações que favoreçam o poder político de um pensamento ligado ao diálogo. A força libertadora da reflexão não ser substituída pela difusão de um saber tecnicamente utilizável.

O autor compreende que a vontade política ilustrada cientificamente, por outro lado, somente pode efectivamente ocorrer quando decorrer da vontade da sociedade, cujas pessoas tenham problematizado as escolha entre si e redesenhado as próprias opções. A definição das necessidades e o seu inter-relacionamento tendo por base o conhecimento tecnológico terá a oportunidade de se ratificar exclusivamente através da “consciência dos próprios actores políticos” (Habermas, 2009, p. 122). Entretanto, não deve prescindir da comunicação entre ciência e política – nesta, compreendidos os cidadãos -, sem valores e práticas de dominação.

Habermas evidenciou que a esfera pública e os meios de comunicação se encontram conectados de forma determinante, uma vez que esses causaram a despolitização da esfera pública e fomentaram o consumo de massa. Desse modo, o espaço público deixa de ser um local de debates e de constituição da opinião pública, para tornar-se um ambiente objecto de manipulação, no qual a racionalidade emancipatória não consegue se realizar. Assim, a esfera pública não pode mais oferecer parâmetros de normatização racional dos conflitos vigentes, não 

servindo como um fundamento regulatório para uma teoria da legitimidade democrática, na qual esta é o ponto central (2009, p.124).

Ademais, Habermas defende que a mídia de massa é uma fonte de poder. É fundada na tecnologia de comunicação de massa e naqueles que operam nos sectores políticos relevantes do sistema de mídia que exercem poder, na medida em que seleccionam o conteúdo - o que resulta em influência na constituição das opiniões públicas e na distribuição de interesses influentes. Não haverá, por outro ângulo, defende o autor, qualquer prejuízo à legitimidade democrática se esse poder for exercido em um sistema de mídia regulado.

A independência não absoluta dos meios de comunicação de massa em relação aos sistemas económicos e político, observa Habermas, era uma condição anterior para que fosse viabilizado o surgimento do que é hoje conhecido como “sociedade de mídia”. Trata-se de uma conquista recente do mundo ocidental, que se consolidou pouco antes do término da Segunda Guerra Mundial.

A formação da “opinião pública”, ele acredita que envolve a participação dos actores sociais de forma estratégica na esfera pública. Todavia, ainda que haja uma divisão desigual dos meios para que tais intervenções ocorram, tal não implicará em distorções no desenho de opiniões públicas consideradas. As participações estratégicas na esfera pública devem se realizar com a observância das regras do jogo, sob pena de prejuízos para a sua regular realização, afectando sua eficiência (Habermas, 2009, p. 134).

Portanto, Habermas compreende que as regras fixadas permitem que os detentores do poder possam participar em relevantes temas, factos e argumentos. No entanto, a fim de que o jogo se dê correctamente, algumas condições devem se fazer presentes: deverá haver um sistema de auto-regulação da mídia, que mantenha a sua independência no processo em que associa a comunicação política, a esfera pública, a sociedade civil e o centro político. Na sociedade civil inclusiva, confere-se poder aos cidadãos para participar e responder ao discurso público, sem que tal ato implique um processo de colonização da comunicação. Em que pese a conclusão inicial de que o sistema de mídia viola os requisitos normativos para a democracia deliberativa, o próprio uso empírico do modelo deliberativo pode servir como meio para a percepção de lacunas de 

legitimidade. Nesse quadro, a proximidade entre a mídia e os grupos de interesse não é surpreendente, mas tido como usual e normal. Contudo, aqui o uso do poder económico poder resultar na utilização do poder dos meios de comunicação como influência política e mecanismo de pressão, além de permitir a ascensão de seus representantes a fim de garantir o incremento de seu poder e evitar sua perda ou diminuição.

3. Entre a Tecnologia e a Democracia: A Visão Histórica de Fukuyama

O autor sustenta que o liberalismo económico seria o ápice da evolução económica da sociedade contemporânea. Esta viria acompanhada da democracia e da igualdade de oportunidade. Todos seriam livres e capazes de conquistar os seus objectivos.

A democracia apenas seria possível para os países desenvolvidos economicamente com um processo de industrialização  consolidado. Os demais países, pobres e “atrasados”, estariam vulneráveis aos regimes totalitários, ao socialismo, ou ainda, aos regimes democráticos dependentes dos países desenvolvidos.

O “fim da História”, último estágio de avanço económico, não significaria o fim da história social ou fim dos acontecimentos naturais como vida ou morte, mas sim, uma sociedade tecnológica que pudesse suprir todas as necessidades humanas. Atingindo este estágio, ocorreria o fim do desenvolvimento dos princípios e das instituições básicas, pois todas as questões realmente importantes estariam resolvidas. Para Fukuyama, esta previsão também foi feita pelos filósofos Hegel e Marx.

Tanto para Hegel quanto para Marx a evolução das sociedades humanas não era ilimitada. Mas terminaria quando a humanidade alcançasse uma forma de sociedade que pudesse satisfazer suas aspirações mais profundas e fundamentais. Desse modo, os dois autores previam o ‘fim da História’. Para Hegel seria o estado liberal, enquanto para Marx seria a sociedade comunista (Fukuyama, 1992, p. 12).

Segundo Fukuyama (1992, p. 12), “a democracia liberal continuaria como a única aspiração política corrente que constitui o ponto de união entre regiões e cultura diversas do mundo todo”. Não haveria precedente para os níveis de desenvolvimento proporcionados, tanto para os países 

industrializados quanto para os países pobres. Estes últimos receberiam uma série de investimentos sociais visando uma igualdade de oportunidades a todos os cidadãos do mundo.

O que difere o homem dos outros animais, para o autor, é a necessidade de reconhecimento, de mostrar que é diferente ou mais forte que os demais de sua espécie. Seria, então, esta vontade de reconhecimento o que faria o homem evoluir social e tecnologicamente. Como afirmou Hegel, o homem luta por prestígio para poder se destacar entre os demais homens.

Hegel associaria o “fim da história” com a Revolução Francesa. A luta pelo reconhecimento, neste caso, estaria satisfeita em uma sociedade caracterizada pelo reconhecimento universal e recíproco. Não haveria mais ajustes nas instituições sociais humanas capazes de satisfazer esta aspiração. Portanto, não seria mais possível nenhuma outra mudança histórica progressiva.

O autor concorda com Hegel, visto que:

à medida que se revelam os padrões de vida, à medida que as populações se tornam cosmopolitas e melhor educadas, e à medida que a sociedade como um todo conquista uma condição de maior igualdade, o povo começa a exigir não apenas mais riquezas, mas reconhecimento de seu status (Fukuyama, 1992, p. 13).

Nesta perspectiva, o comunismo estaria em desvantagem em relação à democracia liberal, pois não abriria espaço para satisfazer o desejo individual das pessoas de obter reconhecimento. As pessoas estariam limitadas em sua capacidade de serem reconhecidas pelos outros de seu meio. A limitação do crescimento económico e o poder de consumo igualitário criariam uma frustração no individuo. Este passaria a desejar outras opções de modo de vida e de governo que saciassem sua busca por um padrão de consumo diferenciado.

O desejo de reconhecimento não se manifesta apenas nos indivíduos. Mas também nas nações. Estas travam duelos para serem reconhecidamente mais poderosas. As nações desenvolvidas caminham em direcção ao imperialismo e à conquista do mundo. Durante a maior parte do século XX, estes duelos foram protagonizados pelos EUA e pela URSS. Consequentemente, também estava em jogo a democracia liberal e o socialismo.

Para o autor, um mundo composto de democracias liberais ofereceria menor ânimo para a guerra, visto que haveria o reconhecimento recíproco da legitimidade entre todas as nações. No entanto, 

as atrocidades cometidas nas guerras, onde a tecnologia bélica foi utilizada como instrumento de opressão e morte para milhares de pessoas, geraram um grande pessimismo ao longo do século XX. Para se defender dessas guerras, as democracias liberais, geralmente representadas por governos autoritários, adoptaram estratégias militares que causaram verdadeiros genocídios. Pode-se citar o bombardeio de Dresden e o de Hiroshima. A sociedade passou a viver à sombra das consequências terríveis dos avanços tecnológicos.

Fukuyama (1992, p. 20) afirma que “a capacidade da tecnologia de melhorar a vida humana depende estritamente de um processo moral paralelo ao do homem. Sem este processo, o poder da tecnologia será usado para o mal e o homem ficará pior do que antes.” As discussões em torno do progresso histórico envolvem o conhecimento das tendências da humanidade. Para a maioria dos europeus do século XIX, este progresso apontava na direcção da democracia liberal. Durante o século XX, verificou-se que este facto não se tornou uma realidade mundial. Os próprios ocidentais iniciaram uma reflexão sobre a questão da democracia ser ou não uma aspiração de toda a humanidade, visto que ainda no final do século XX tantos governos se opunham a ela.

As mentes mais moderadas e sérias deste século não vêem razão para pensar que o mundo caminha para o que nós, no Ocidente, consideramos como instituições políticas descentes e humanitárias, ou seja, a democracia liberal. (FUKUYAMA, 1992, p. 29-30).

A democracia liberal que deveria, segundo Fukuyama, ser uma vontade legítima de todos os povos é imposta a força para os governos que ousam desafiá-la.

O homem do liberalismo acredita que seu trabalho vai lhe proporcionar bem-estar, respeito junto a sua comunidade, dignidade e alto padrão de consumo. A tão proclamada liberdade do cidadão americano resume-se ao acesso aos bens de consumo. No entanto, esta liberdade não existe quando se opta por questionar a actuação do governo e das instituições oficiais. Todos os jornalistas que se posicionaram contra a política externa americana foram acusados sumariamente de serem antipatriotas. O mesmo ocorreu com a BBC londrina, que foi alvo de fortes protestos quando ousou questionar a participação da Inglaterra na invasão do Iraque.

Portanto, a globalização tem criado uma ideia de um mundo sem fronteiras e apresenta a 

democracia liberal como o melhor modelo de governo, visto que as nações que obtiveram sucesso económico adoptaram o mesmo. O maior desafio do século XXI talvez seja conviver e respeitar as diferenças dos povos. A miséria e a opressão devem ser combatidas independente das posturas políticas, crenças e etnias. A tecnologia pós-moderna deve ser utilizada em benefício de toda a humanidade e não contra ela.

4. A Teoria Civilizacional e Cultural de Huntington

Quando o artigo O choque de civilizações foi publicado, o mundo estava mudado: a União Soviética havia se desfeito e Berlim já não se encontrava dividida por um muro ideológico e concreto. Neste sentido, Huntington propõe um novo paradigma no qual não mais a ideologia ou a política ocupam centralidade, os protagonistas do jogo de poder global passam a ser, desta forma, as civilizações.

A reincorporação de assuntos como cultura, civilização e identidade às análises sobre política externa do pós-guerra fria fez parte de um movimento de alguns teóricos de relações internacionais deste período como uma forma de entender o novo contexto. Embora as teorias mais críticas, como as pós-modernistas e as feministas não tenham abandonado esses temas, Mônica Herz (1997) nos diz que, durante a década de 80 houve uma virada neo-realista na teoria das relações internacionais e essas questões foram abandonadas, para, neste período pós-guerra, congregarem-se às análises novamente. A teoria do choque de civilizações representa, assim, uma retomada desses assuntos no ramo das análises políticas globais.

No seu ensaioHuntington afirma que “o conflito entre civilizações será a última fase do processo evolutivo do conflito no mundo moderno” (1997, p.  22) e apresenta seis argumentos principais para justificar sua tese de que um choque entre civilizações é inevitável. O primeiro deles é o de que as tradições e as características religiosas, históricas, linguísticas e culturais são diferenças fundamentais e mais dificilmente superáveis do que as diferenças políticas e ideológicas. Embora ele afirme que diferenças não necessariamente geram conflitos, ele diz que foram essas diferenças que geraram os conflitos mais duradouros ao longo da história.

Em segundo lugar, as interacções entre pessoas e povos aumentaram e isso tem gerado uma 

consciência de civilização e ela, por sua vez, gera animosidades e acentua as diferenças.

O terceiro argumento é o de que o Estado Nação tem deixado de ser a fonte de identificação e, além disso, as identidades locais perderam força por conta da modernização económica: emerge, assim, o fundamentalismo, o ressurgimento da religião. O quarto motivo é o de que a consciência civilizacional acentua-se pelo facto de Ocidente estar no auge de seu poder: muitas civilizações não ocidentais passam, então, a desejar esse poder para modificar o mundo à sua maneira. Em quinto lugar, Huntington afirma que as características culturais são menos maleáveis do que as económicas e políticas. Nessa parte ele afirma que a religião acentua as diferenças entre as pessoas ainda mais do que a etnicidade.

O sexto e último grande argumento proposto pelo autor para justificar o choque é o de que o regionalismo económico está aumentando e ele só pode ser bem-sucedido quando ocorre dentro de uma mesma civilização. Dessa forma, para ele, partilhar de uma mesma cultura facilita relações económicas, uma vez que “diferenças culturais e religiosas criam diferenças sobre questões políticas, abrangendo desde direitos humanos à imigração, comércio e trocas, até o meio ambiente” (Huntington1997, p. 27). Por isso que, de acordo com ele, os governos terão que apelar às religiões e às identidades civilizacionais para  construir coalizões, já que a ideologia não será mais suficiente e a identificação cultural é apresentada de forma tal que uma cordialidade entre povos é impossível de ser atingida. Por estas razões, o choque de civilizações ocorrerá.

Considerações Finais

A análise do artigo que se dedicam a estudar a contribuição tecnológica para a humanidade permite concluir que considerável parte dos estudiosos acredita haver um potencial efectivo nesse sentido. A capacitação dos cidadãos, mediante o acesso a mais informações, especialmente as relacionadas à política, o acesso facilitado pelas interfaces auto-explicativas, o barateamento dos meios de acesso à rede e de troca de informações, a disponibilização de espaços públicos nos quais as pessoas podem, como iguais, realizar trocas intersubjectivas, deliberar, identificar interesses comuns e organizarem-se politicamente são alguns dos elementos que permitem essa resposta positiva.

Habermas observa que, se não é possível a defesa de que a tecnologia contribui para a democracia, o contrário não pode ser afirmado. Assim, deve-se evitar a preponderância dos meios de comunicação de massa e, dessa forma, o desmantelamento dos espaços públicos nos quais as informações depuradas são colhidas para se transformarem em objecto de debate na esfera pública – o que evita a completa alienação do indivíduo.

 Enquanto, para Huntington, o Ocidente deve conhecer como funcionam e como operam as outras civilizações porque, diante do mundo de conflitos por ele criado, esse conhecimento é uma ferramenta necessária para dominar o campo das relações exteriores e defender seus interesses. Por seu turno, Fukuyama conclui que a ideia da globalização tem empregado uma teoria de um mundo sem divisas e apresenta a democracia liberal como o melhor paradigma de governo, tendo em conta que as nações que obtiveram sucesso económico adoptaram o mesmo.

Referências bibliográficas

Adorno, T. W.; Horkheimer & Max.(2006). Dialética do Esclarecimento: fragmentos

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                           Filosóficos. Rio de Janeiro, Brasil: Zahar.

Fukuyama, F. (1992). O fim da História e o último homem. Rio de Janeiro, Brasil: Rocco.

Habermas, J.(2009). Técnica e Ciência como Ideologia. Lisboa, Portugal: Edições 70.

HerzM.(1997).Teoria das Relações Internacionais no Pós-Guerra Fria. Rio de Janeiro: Brasil.

Huntington, S. P.(1997).O choque de civilizações e a recomposição da ordem mundial.

                Tradução de M. H. C. Côrtes. Rio de Janeiro, Brasil: Objectiva.

MarcuseH.(2011)O Homem UnidimensionalSobre a Ideologia da Sociedade Industrial

          Avançada. Lisboa, Portugal: Livraria Letra Livre.