RESSOCIALIZAÇÃO DE ADOLESCENTES EM CONFLITO COM A LEI POR MEIO DA EDUCAÇÃO NÃO-FORMAL

Patrícia Moraes Campos

(Autora do Artigo)

RESUMO

O trabalho objetiva refletir sobre a ressocialização de adolescentes por meio da educação não-formal. A literatura revelou que o órgão central, responsável pela assistência ao menor no Brasil, não cruzou os braços e assistiu passivamente o  processo de mudança, pelo contrário, a FUNABEM (Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor) e a PNBEM (Política do Bem-Estar do Menor – Lei n. 4513/64), foram em busca da mudança de paradigmas para atuarem na sociedade.

 

RESSOCIALIZAÇÃO POR MEIO DA EDUCAÇÃO NÃO-FORMAL

Para falar da ressocialização é preciso retroceder à socialização. A socialização é o processo educacional, básico de formação do indivíduo para o convívio saudável e produtivo dentro da coletividade. Geralmente começa na infância, no seio familiar, e continua na escola e na relação com os colegas da mesma faixa etária. Entretanto, em casos excepcionais de desestruturação familiar, a criança tem o direito de ser transferida para outra situação que lhe garanta essa socialização. 

A ressocialização é um processo corretivo que visa transformar o comportamento antissocial de um indivíduo em um comportamento social saudável. A ressocialização é um direito do indivíduo, e significa que o menor tendo cometido um ato infracional, ele terá direito a um processo de reeducação, pois isto é o que lhe possibilitará a reinserção social. 

Gomide (1990, p. 38) explica que “[...] embora socialização e ressocialização sejam conceitos distintos a literatura pertinente não apresenta rigor nas definições, o que, na prática, torna sinônimos os dois termos”. 

Uma das colocações de Goffmann (1978, p. 11) é a “[...] preocupação com a espécie de estigmatização que o menor infrator ressocializado sofre em seu retorno à sociedade. Essa estigmatização possui características específicas”. 

Segundo Evangelista (1983) o tratamento que é voltado para a ressocialização do menor em conflito com a lei pressupõe que o indivíduo infringe as normas por ter sido mal ou insuficientemente socializado. 

As palavras de Evangelista (1983) referem-se ao adulto recém-egresso da prisão momento em que ele sofre o preconceito ao tentar voltar à sociedade. Vive o mesmo processo de rejeição e estigmatização sofrido pelo adolescente quando termina de cumprir a medida socioeducativa que o privou de liberdade. 

Frequentemente há uma reincidência altíssima, devido à dificuldade da ressocialização para a liberdade de alguém privado dessa mesma liberdade ser uma contradição, pois um dos pontos destacados a respeito dessa reincidência é o fato de que após um período internado em uma instituição, o adolescente pode desenvolver mais ainda atitudes e habilidades para o ato infracional, uma vez que sua convivência o afasta do contato com adolescente não infratores sendo exposto a um código de valores internos, cuja aceitação facilita que se adapte à instituição. 

A sociedade vê os adolescentes em conflito com a lei como seres de natureza perversa, elementos nocivos à sociedade, sujeitos sem recuperação, desumanos e com uma incontrolável agressividade. Com este estigma, o adolescente interioriza esse preconceito, passando a se considerar como inferior, levando-o a perda de sua autoestima, que se não for superada de forma correta, poderá levá-lo a reincidir nas mesmas faltas que o fizeram perder a sua liberdade. 

A preocupação com os efeitos que a privação de liberdade pode causar a adolescentes, definidos tanto pelo Estatuto quanto pela Doutrina da Proteção Integral como pessoas em situação peculiar de desenvolvimento, levou à adoção de mecanismos legais que restringissem a internação em entidades correcionais, implicando novamente uma alteração significativa em relação à legislação anterior, que privilegiava esse tipo de sanção. 

A ONU estimula que seja reduzida as medidas fechada e se multiplique ao máximo as instituições semiabertas e abertas, por entender que treinar o indivíduo a ter liberdade estando ele confinado em instituições, é uma tarefa fadada ao insucesso, pois somente praticando a liberdade é que o indivíduo aprende a ser livre. 

Em instituições semiabertas existe as casas de semiliberdade, uma espécie de tratamento em que o adolescente passa o dia estudando e trabalhando, retornando para a casa de semiliberdade para dormir. Em alguns casos, os adolescentes podem ir passar o final de semana em casa. 

Para assegurar sua excepcionalidade, o Estatuto restringiu a aplicação da medida socioeducativa de internação aos casos em que o ato infracional tenha sido cometido mediante grave ameaça ou violência a pessoas ou em que haja reiteração no cometimento de outras infrações graves ou descumprimento de outra medida previamente imposta. Às infrações de menor potencial ofensivo, não envolvendo violência ou grave ameaça, e aos adolescentes que não estiverem envolvidos em outros atos dessa natureza, devem ser aplicadas outras medidas, as saber, a advertência, a obrigação de reparar o dano, a prestação de serviços à comunidade, a liberdade assistida e a semiliberdade. 

Embora o Estatuto seja um documento que protege a criança e o adolescente, há certas medidas, denominadas “de proteção”, que são aplicáveis a determinados menores, em circunstâncias previstas no art. 98. 

Art. 98. As medidas de proteção à criança e ao adolescente são aplicáveis sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados:

I – por ação ou omissão da sociedade ou do Estado;

II – por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável;

III – em razão de sua conduta (BARSIL, 2016b). 

A Lei n. 8.069/90, em seu artigo 98, estabelece a aplicabilidade de medidas de proteção, da alçada dos Conselhos Tutelares (Art. 101, incisos I a VII) e da Justiça da Infância e da Juventude, quando os direitos da criança e do adolescente forem ameaçados ou violados. 

Referindo-se ainda as medidas de proteção o art. 100 e 101, determinam que: 

Art. 100. Na aplicação das medidas levar-se-ão em conta as necessidades pedagógicas, preferindo-se aquelas que visem ao fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários. 

Art. 101. Verificada qualquer das hipóteses previstas no Art. 98, a autoridade competente poderá determinar, dentre outras, as seguintes medidas: 

I – encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade;

II – orientação, apoio e acompanhamento temporários;

III – matrícula e frequência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino fundamental;

IV – inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à família, à criança ou ao adolescente;

V – requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial;

VI – inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos;

VII – abrigo em entidade;

VIII – colocação em família substituta.

Parágrafo Único. O abrigo é medida provisória e excepcional, utilizável como forma de transição para a colocação em família substituta, não implicando privação de liberdade (BRASIL, 2016b). 

À sua disposição, para intervir na situação de crise familiar, os conselhos tutelares – apenas nos incisos I a VII - e a autoridade judicial têm ainda as seguintes medidas pertinentes aos pais ou responsável, previstas nos artigos 129 e 130 do ECRIAD. 

 Art. 129. São medidas aplicáveis aos pais ou responsável:

I – encaminhamento a programa oficial ou comunitário de proteção à família;

II – inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos;

III – encaminhamento a tratamento psicológico ou psiquiátrico;

IV – encaminhamento a cursos ou programas de orientação;

V – obrigação de matricular o filho ou pupilo a acompanhar sua frequência e aproveitamento escolar;

VI – obrigação de encaminhar a criança ou adolescente a tratamento especializado;

 VII – advertência;

 VIII – perda da guarda;

IX – destituição da tutela;

 X – suspensão ou destituição do pátrio poder.

 Parágrafo Único. Na aplicação das medidas previstas nos incisos IX e X deste artigo, observar-se-á o disposto nos arts. 23 e 24.

Art. 130. Verificada a hipótese de maus tratos, opressão ou abuso sexual impostos pelos pais ou responsável, a autoridade judiciária poderá determinar, como medida cautelar, o afastamento do agressor da moradia comum (BRASIL, 2016b). 

A ordem de apresentação das medidas elencadas nos artigos 98, 100, 101, 129 e 130 da Lei n. 8.069/90 guarda, um sentido de gradação, reservando a aplicação das medidas mais sérias e drásticas, que envolvem a separação da criança e do adolescente de sua família, à autoridade judicial. 

As medidas aplicáveis à criança e ao adolescente jamais podem ser de caráter punitivo, lembrando sempre que são sujeitos especiais de direito e independente da conduta do adolescente, deve-se sempre aplicar medidas pedagógicas. 

A proteção integral deve tanto quanto possível, ser prestada no ambiente familiar, procurando fortalecer os vínculos familiares e comunitários. A Carta Magna contempla esses vínculos em seu Art. 227. 

Caso não seja possível manter o menor com sua família, em vez de colocá-lo em abrigo, deve-se procurar colocá-lo em uma família substituta. 

O Estatuto da Criança e do Adolescente tem a relevante função, ao regulamentar o texto constitucional, de fazer com que este último não se constitua em letra morta. No entanto, a simples existência de leis que proclamem os direitos sociais, por si só ao consegue mudar as estruturas. Antes há que se conjugar aos direitos uma política social eficaz, que de fato assegure materialmente os direitos já positivados (VERONESE; COSTA, 2006, p. 132). 

Sem a pretensão de decorrer sobre cada uma das medidas de proteção e das medidas pertinentes aos pais ou responsável, destaca-se neste capítulo a importância das medidas voltadas à inclusão da família em programas de auxílio e proteção, expressas no inciso IV do artigo 101, no artigo 23, Parágrafo Único e no inciso I do artigo 129 do ECRIAD. Tais programas, se disponíveis e bem estruturados, podem lograr a superação das dificuldades vivenciadas pela família e a restauração de direitos ameaçados ou violados, sem a necessidade de afastar a criança ou o adolescente do seu núcleo familiar. 

De forma geral, quando as medidas protetivas já estão em pauta, os programas de apoio sócio-familiar devem perseguir o objetivo do fortalecimento da família, a partir da sua singularidade, estabelecendo, de maneira participativa, um plano de trabalho ou plano promocional da família que valorize sua capacidade de encontrar soluções para os problemas enfrentados, com apoio técnico-institucional. 

As medidas socioeducativas encontram-se dispostas inicialmente no Art. 112 da Lei n. 8.069/90.

 

 

[...]