Reinvenção em tempos de pandemia: Uma reflexão sobre o papel das TIC no processo de Ensino-aprendizagem com a Covid-19

Merciana Alberto Uamba¹

 

Resumo

O ano 2020 trouxe à tona todas as lacunas do Sistema Nacional da Educação desde os problemas sanitários, a superlotação, bem como a desactualização no nível do uso das TIC. As novas condições de viver em comunidade em tempos da pandemia provocaram novas realidades educativas e necessidade de reinvenção do processo de ensino-aprendizagem. Com a pandemia da Covid-19 e as restrições por ela provocadas, as escolas foram obrigadas a encerrar as actividades presenciais e a Reinvenção do Sistema de Ensino. Assim, tal como em muitos ramos, na Educação ficou ainda mais nítida a necessidade da apropriação das [1]TIC no processo de ensino-aprendizagem. O presente artigo visa reflectir sobre a importância que as TIC têm na educaçãocom enfoque na restruturação da escola em tempos da pandemia.

Uma lição que sobressai deste exercício reflexivo é a urgência com a qual, em tempos próximos, a escola deve ensinar o uso correcto das ferramentas tecnológicas para que tanto os alunos como os professores tenham domínio do seu uso, favorecendo a aprendizagem da autonomia para que situações anómalas como a Covid não afectem a evolução escolar dos alunos.

Palavras-chave: Covid 19, reinvenção, TIC

 

 

 

 

 

 

  1. Introdução

O contágio pelo COVID-19 foi promotor de uma crise mundial nos diversos campos, ocasionando mortes, desemprego e instabilidade social. Além disso, ficou evidente que a proclamada educação como direito para todos, ainda está longe de ser um direito efectivo, existindo, nos diferentes países, de forma mais ou menos acentuada, um abismo entre o direito anunciado e o direito efectivamente desfrutado.

É evidente que esta situação da pandemia provocou também reflexões profundas em todas as instâncias sociais e, logo, também, em relação ao modelo educacional vigente no nosso país. (Nascimento e Sainz, 2017)

A situação iniciada a partir do contágio mundial em massa pela COVID-19, ainda que se trate de uma questão de saúde pública, afectou o cenário mundial em seus mais diversos campos, trazendo consequências económicas, políticas, sociais obviamente, ao campo educacional também. Diante do isolamento social, determinado com maior ou menor rigor nos mais diferentes países, noticiou-se, logo nos primeiros 30 dias de contágio mundial e massivo do vírus, o alcance do número de 300 milhões de crianças e adolescentes fora da escola. Diante do aumento dos casos, ao final de Março a situação já havia afectado metade dos estudantes do mundo, ou seja, mais de 850 milhões de crianças, em 102 países. Esta paralisação compulsória trouxe, inevitavelmente, ao centro do debate educacional, o uso das tecnologias  de informação para a realização de actividades escolares não presenciais. (Sousa et all,2020)

A escola deparou-se com a necessidade de concentrar esforços na preparação dos professores para o desenvolvimento de situações de aprendizagem remota que, em geral, estão sendo mediadas pelo uso das tecnologias. Diante disso, foi necessária, por parte dos docentes, a capacidade de experimentar, inovar, sistematizar esse conhecimento e avaliar o processo de aprendizagem dos seus alunos, fazendo o melhor uso possível dessas ferramentas, cujo uso, para muitos, era até então desconhecido. (Vieira e Ricci, 2020)

Este novo modo de viver o ensino-aprendizagem, em Portugal, por exemplo, a solução encontrada foi o acompanhamento à distância, o qual foi iniciado por cada escola antes da organização nacional. Optou-se também pela transmissão de aulas pela

televisão. Pelas vias de um projecto que ganhou o nome de #EstudoemCasa na TV aberta.

 

  1. Experiências Educativas em tempos de Pandemia

A vida nunca foi mais flexível e exigiu tanto dinamismo como agora, na Educação não foi diferente. A reinvenção foi inevitável e a restruturação também, as TIC como outrora provocaram discussão sobre a sua necessidade ou urgência da sua apropriação na escola.

Segundo Vieira & Ricci (2020), no construtivismo considera-se que o conhecimento é construído progressivamente através da interacção entre o sujeito e o meio. O conhecimento não se adquire por uma interiorização de um determinado significado exterior dado, mas sim pela construção a partir de dentro de representações e interpretações adequadas, pelo que é importante encontrar sentido nos factos. No contexto educacional, nestes tempos da pandemia, os conhecimentos que outrora foram a integrados em contextos formais (escola) tiveram de redescobrir novas abordagens.

Em Moçambique, com o encerramento das escolas, surgiu a necessidade de se reinventar o processo de ensino-aprendizagem. Restruturações na educação foram inevitáveis para que não houvesse rompimento definitivo entre a escola, os alunos e os professores. Uma das primeiras medidas foi a integração de fichas, onde a interacção conjunta entre a escola e a família foi imprescindível para a continuação do processo.

Ainda no âmbito da inovação e reinvenção da escola em tempos de pandemia, replicou-se o estudo em casa. Com a ajuda e a parceria do sinal público nacional de televisão (TVM), o projecto “EstudoEmCasa” que consiste na transmissão de aulas pela televisão.(Chiposse,2020; PEE, 2020)

a) A emergência das TIC em contextos da Covid

Segundo Nóvoa (2020), a pandemia tornou muito visível o declínio do ‘modelo escolar, algo que os historiadores vinham assinalando há vários anos, e a necessidade de abrir um novo tempo na vida da escola. A pandemia acelerou a história e colocou-nos perante decisões que, agora, são inevitáveis.

Nesta senda, a era digital revolucionou a maneira de ser e estar em sociedade. O crescente acesso às plataformas digitais tem mostrado o quão presente estão as TIC na vida da sociedade, no geral, e dos alunos, em particular. Com a pandemia não restaram alternativas à escola senão a migração ao digital, usando-se desde ferramentas mais tradicionais como a TV até às mais actuais como a internet e plataformas como o Whatsapp e o Zoom.

Os meios tecnológicos são recursos importantes, mas, para que contribuam para uma aprendizagem significativa, exigem ser adequadamente utilizados. E em contextos pobres como em Moçambique, é inevitável que a escola permita esta integração de alunos ao digital para que junto se trilhe rumo ao desenvolvimento.

Esta realidade incontornável assume-se à medida que a escola, no período do novo normal deverá repensar sobre as suas prioridades, onde o foco precisa estar virado ao aluno, na educação da autonomia. Favorecendo que as próximas condições anormais apareçam com uma base sólida construída para que o aluno aprenda, independentemente da existência da escola como uma estrutura física. (Chipossa, 2020)

Segundo Illich (1999), embora numa abordagem filosófica e futurista, a sociedade terá de abrir espaço para uma convivência social e educativa livre da escola. Queira seja uma verdade queira não, o período da pandemia abriu espaço para que esta visão não ficasse totalmente afastada, afinal, foram cerca de 5 meses fora do contexto escolar. O século XXI trouxe a era da tecnologia, assim as crianças já crescem aprendendo a utilizar as tecnologias, deste modo, tornou-se comum observar que há afinidade entre as tecnologias e as crianças.

Com a grande importância que as TIC tem vindo a adquirir na vida dos alunos, o professor pode utilizar essas plataformas como uma ferramenta diferenciada de ensino-aprendizagem.

b) A reinvenção e perspectivas para “o novo normal”

Se a invenção é a faculdade de produzir ou criar coisas novas, isto na perspectiva do Dicionário de Língua Portuguesa, reinvenção seria o processo de inventar de novo, ou neste contexto, reaprender a ensinar e aprender em tempos de pandemia.

A abordagem da educação voltada às TIC foi sempre renegada na escola pública moçambicana, com a Covid-19, não restaram muitas alternativas a não ser recuar e aproveitar essas ferramentas para que o processo não parasse.

Sabe-se que na maioria das nossas escolas os dispositivos móveis dos alunos, em particular, os smartphones, eram proibidos, não se planeando a sua integração no plano de estudos. Isto levava a que se perdesse a oportunidade de ensinar os alunos a utilizá-los de forma responsável e produtiva. Em vez de proibir, o melhor é aceitar os desafios e aumentar a sensibilização dos alunos para utilizarem os seus dispositivos móveis em segurança.

Deste modo, evitam-se possíveis perigos inerentes ao acesso livre às redes de comunicação e informação, bem como o uso abusivo da internet. A Covid-19 colocou à tona todas as lacunas e as fragilidades do Sistema Nacional de Educação, assim como as desigualdades sociais vieram à ribalta.

As escolas públicas nacionais sempre desencorajaram o uso das TIC na sala de aula, mas estes tempos mostram o quão desperdiçou-se a oportunidade de apropriação dessas ferramentas pela escola. A sala de aula foi alterada pelo uso de dispositivos digitais, das Tvs, da internet e dos smartphones e sem a alfabetização digital das crianças não se sabe até que ponto estas ferramentas estão a ser úteis para a assimilação de saberes.

Para transformar as ameaças em oportunidades, é preciso que as instituições educativas encontrem formas de desenvolver competências de literacia digital nas actividades escolares, tornando o tempo passado na sala de aula mais produtivo. A dimensão ética da utilização tecnológica deve continuar presente na educação das gerações mais novas, pela urgência que há em estabelecer metas para a educação digital e educar para um uso consciente e responsável das tecnologias digitais. (Moura, 2017)

Como se vê, não se pode falar das reinvenções provocadas pela pandemia sem se olhar para o papel da média digital no processo de ensino-aprendizagem.

c) Reflexões trazidas pela pandemia

As necessidades educativas actuais apontam para a necessidade do reforço do papel do professor investigador, reflexivo e crítico, os planos de formação devem caracterizar-se pela flexibilidade e devem ser adaptados aos projectos e às necessidades das sociedades tecnológicas emergentes. Esta reflexão é muito actual à medida que reflecte o papel preponderante de um quadro professoral resiliente e verdadeiramente necessário para contornar qualquer desafio pedagógico imposto pelo mundo, e neste período atípico em particular.

A meta principal da escola de hoje em diante não é ensinar conteúdos, mas desenvolver competências que permitam ao sujeito alcançar sucesso pessoal e profissional. Visa permitir a cada um aprender a utilizar os seus saberes para actuar com eficiência. A escola deve fomentar o carácter adaptativo e converter os conteúdos em meios que possibilitam aos alunos desenvolver competências - a pedagogia do aprender a aprender para que a autonomia da aprendizagem seja a marca mais saliente da nossa escola.

Tal como dizia anteriormente, diante do desafio de alcance e manutenção do engajamento dos estudantes durante o regime da pandemia, bem como de promoção do uso correcto das plataformas digitais, para o alcance da aprendizagem significativa, quebrou-se o mito de que os estudantes desta geração são nativos que dominam com destreza qualquer tipo de tecnologia. Evidenciou-se que não se tem angariado êxito na tarefa de preparar alunos para que sejam aprendizes e estabeleçam uma relação activa e investigativa com o conhecimento, tampouco para que usem as tecnologias para esta finalidade. (Nascimento et Sainz,2017;

Moura, 2017)

  1. Considerações finais

A Covid-19 revela-se como um pretexto para nos lembrar dos velhos problemas que já deviam ter sido sanados, independentemente de existir ou não a pandemia. A Covid-19 tem evidenciado as desigualdades que demarcam a nossa sociedade, pois, enquanto algumas crianças têm acesso às tecnologias de ponta, possuem acesso ilimitado à internet e recebem em casa o apoio dos pais/responsáveis, tantas outras ficam à margem deste processo, seja pela falta de equipamento tecnológico adequado em casa, ou pelo facto de os responsáveis dedicarem-se às outras preocupações, ou mesmo por estes não terem a formação escolar adequada para os orientarem relação à realização das actividades ou, ainda, por situações de extrema pobreza e vulnerabilidade social.

Não restam dúvidas sobre a importância estratégica que as TIC mostraram nesta situação da Covid-19, o papel relevante que tiveram no novo estilo de vida e a inegável urgência de serem totalmente usados na dinamização do processo educativo. É também importante que a escola inove e reinvente-se para que não seja uma pandemia nem outra coisa qualquer que desestabilize o seu grande papel de formar para a cidadania e autonomia.

 

 

 

 

 

 

  1. Referências Bibliográficas
  • Chiposse, E. (2020). Educação em Moçambiquenos tempos daCovid-19: Uma Reflexão centrada nas escolas rurais. Jornal Txopela, pag1.
  • Dicionário de Língua Portuguesa. Porto editora.
  • Illich, I. (1985). Sociedade sem escola. Petrópolis: Vozes.
  • Moura, A. (2017). Promoção da literacia digital através de dispositivos móveis: experiências pedagógicas no ensino profissional. In S. Pereira & M. Pinto (Eds.), Literacia, Media e Cidadania – Livro de Atas do 4.º Congresso (pp. 324-336). Braga: CECS.
  • Nóvoa, A. (2020). Suspensão, declínio do  modelo escolar,.Lisboa:Acta Scientiarum.
  • Nascimento, C & Sainz, R. (2017). Aprendizagem em Ambientes Virtuais: tecendo reflexões sobre espaço relacional-emocional. Rio Grande do Sul: Thema.
  • Programa de Educação em Emergência.2020-2021.
  • Ricci, L. V. (2020). A Educação em tempos de pandemia: Soluções emergenciais pelo Mundo. Santa Catarina: OEMESC.
  • Sousa,G.,Borges,E & Colpas,R. (2020). Em Defesa das Tecnologias de Informação e Comunicação na Educação Básica: diálogos em tempos de pandemia. Salvador: plurais.

 

Nota: Siglas usadas no texto

PEE- Programa de Educação em Emergência 2020-2021

TIC- Tecnologias de Informação e Comunicação