RESUMO

Este artigo visa analisar o artigo de Marcos Morel, no qual se dá ênfase ao papel  de  12 folhas manuscritas afixadas em locais públicos em 12 de agosto de 1798 em Salvador, chamadas de “papéis incendiários”, mostrando que esses papéis foram suficientes para desencadear a repressão contra a tentativa de sedição conhecida por Conjuração Baiana. Analisar também como o aparecimento destes papéis chamados incendiários no fomento do debate público.

Tendo como pano de fundo a independência do Brasil, a formação da primeira Constituição brasileira, a tentativa de formação de uma Assembleia Constituinte, as cisões internas criadas pelo processo de independência, a abdicação do trono por D. Pero I, e até mesmo a o governo de D.Pedro II, Marco Morel faz uma análise da influência da imprensa escrita neste processo histórico destacando que estes ditos “papeis incendiários”, que enxerta dentro desenvolvimento do estado brasileiro, a imprensa periódica, que tivera uma participação importante neste percurso , sendo que de uma forma paradoxal, porque analisando a sua visão destes papeis, Marco Morel destaca que ao mesmo tempo em que houve uma mudança política, a política anterior, praticada no Antigo Regime ainda existia. Em sua análise inicial Morel destaca o uso da palavra impressa como fator importante na condução da política brasileira, mesmo que este papel esteja restrito, até certo ponto em face da dificuldade de expressar as ideias em virtude da forte oposição. Morel fez um comparativo desta mudança com o mesmo que ocorreu nas pólis gregas, onde os espaços públicos, como as Ágoras, eram usados para intensas discussões políticas e proposições de ideias. Para melhor compreensão e entendimento do assunto, ele faz alusão a Conjuração Baiana1 que ocorrera duas décadas anteriores ao período do processo de independência do Brasil; suas palavras foram: “sabemos que 12 folhas manuscritas afixadas em locais públicos em 12 de agosto de 1798 em Salvador (que já deixara de ser capital) foram suficientes para desencadear a repressão contra a tentativa de sedição conhecida por Conjuração Baiana.” (Topoi, Rio de Janeiro, mar. 2002, pp. 39-58.- o grifo é nosso). Vale ressaltar que em seu entendimento, apesar dos avanços, não houve uma consolidação de uma história da imprensa em virtude daquela sociedade ser caracterizada pela comunicação oral e visual, mas de qualquer forma, as pessoas se esforçaram a absorver as palavras impressas que estavam pregadas saindo assim da passividade da leitura, para a atividade da escrita que posteriormente se tornaria uma leitura. Desta feita estas palavras, de fato se tornaram incendiárias, pois Morel menciona que estas informações impressas e expostas publicamente direcionavam-se a variados públicos e com efeitos devastadores sobre a política de caráter absolutista que outrora ainda imperava em solo brasileiro. O debate historiográfico gira em torno das mudanças políticas que estavam ocorrendo durante aquele período porque a coroa portuguesa combateu veemente as exposições dos ideais contrários ao absolutismo português que em vias de fato fora substituído pelo império brasileiro sob o comando de D. Pedro I que sob a influência de José Bonifácio e outros coimbrãs, dissolveram a Assembleia Constituinte e ao mesmo tempo perseguiram os opositores do lusitanismo aqui no Brasil, mas a postura de D. Pedro I é aparentemente paradoxal; ora ele pendia para um lado, ora pendia para outro, tanto que este imperador foi chamado de traidor pelos brasileiros. E sob a égide deste fundo histórico e de acordo com o entendimento de Morel, estes manuscritos incendiários propagavam determinado tipo de crítica que não era encontrado em nenhum órgão impresso expondo ao imperador e suas posições mais absolutistas do que liberais, desta forma sendo até mesmo ridicularizado por postagens que denegriam sua imagem através da caricatura, que por ser uma linguagem de imagem visual, e também pelo fato da maioria da população não ser letrada, causava um impacto mais profundo e piorando a sua situação no comando do Brasil. O mais interessante em tudo isso, é que estes papéis incendiários remontam ao tempo colonial sob várias vertentes e colocações, de todos os tipos e se dirigiam a todas as direções, só a partir de 1821 que se passou a fazer uso de periódicos aqui no Brasil, no entanto ambos, assim como o sistema político, continuaram a conviver paralelamente na implantação da modernidade no Brasil Império. O relato de diplomatas franceses, bem como da imprensa local carioca, enfatizava a procedência de certas vozes do povo que tinham como origem tanto de camadas urbanas e também de facções ou lideranças políticas que faziam as pessoas lembrarem que há três décadas atrás, de seu período histórico, a independência dos escravos de Santo Domingo viera influenciar em muito o alcance destes papeis incendiários, tendo em vista que numa destas postagens faz-se alusão a um movimento negro na tentativa de conduzir sua liberdade, em especial a custas das mortes de todos os brancos, no entanto Morel achou tal movimentação exagerada e cunhada de ordem pré-conceitual, mas de qualquer forma, a influência dos periódicos era reconhecida por Morel, pois segundo suas observações, havia certo temor da sociedade escravagista de um movimento deste porte porque paralelamente, a condução da política brasileira no Brasil Império, em nenhum momento menciona a escravidão pelo simples fato da mesma ser a força motriz do país e impensavelmente para aquela sociedade tal escravidão poderia ter um fim. É importante destacar que Morel considera o relato dos agentes diplomáticos franceses um tanto quanto paradoxal porque tais relatos reproduziam situações inexplicáveis para aquele período. De acordo com Morel, o relato do coronel Maler, que representava o governo francês no Rio de Janeiro em assuntos de negócios, e que presenciou no teatro um episódio que mostrava a temperatura do processo incendiário das expressões públicas daquele período histórico, em relação ao imperador, ele disse: “Le Prince et Son Epouse ont été le Soir au Théâtre avec les officiers de leur maison. À peine S.A.R. est entrée dans SA loge que, saluant les Spectateurs, elle a crié à haute voix ‘Vive le Roi notre Seigneur’, ce qui a été répété par une grande partie des assistants et ceux-ci ont crié à plusieurs reprises ‘vive le Prince Royal, vive la Maison de Bragance’.” "O príncipe e sua noiva foram a noite no teatro com os oficiais da sua casa. Apenas S.A.R entrou SA lodge que acolher os espectadores, ela gritou em voz alta 'Viva o Rei, nosso Senhor', que foi repetido por muitos dos assistentes e eles gritaram repetidamente viva o príncipe herdeiro, viva a Casa de Bragança .” 2 De início, este relato ocorrido no teatro pode ser considerado uma manifestação pública de apoio ao regente, não obstante um pouco mais tarde, este mesmo local foi palco de questionamento sobre a condução da política do imperador, tornando-o assim um local para medir a temperatura da formada Opinião Pública, que semelhante as Ágoras3 gregas, passaram a ser palco de intensas discussões públicas sobre a política praticada por D.Pedro 1 e o questionamento se esta mesma política estava sendo vantajosa para os brasileiros em geral. E este local de diálogo público se tornou um tanto híbrido, conforme relata Morel, "entre a rua e os recintos fechados, entre as noções de soberania monárquica e soberania popular, entre o oficial e o contestatório"; e que de acordo com o diplomata francês Eduard Pontois, as mulheres vestidas à moda francesa eram recebidas com vaias, gritos e insultos, logo, isto demonstrava, segundo este diplomata, que esta forma de agir mostrava até certo ponto uma forma de os brasileiros afirmarem sua soberania nacional. Tanto que depois da abdicação de D.Pedro 1, o periódico Nova Luz Brasileira, afirmou que a plateia do teatro estava dominada por “Bravos Defensores da Pátria” e que “a canalha da Cascadura verde-negra que aluga os camarotes da Gávea” (isto é, os portugueses abastados) sequer havia comparecido ao local habitualmente frequentado. Daí em diante o teatro passou a abrigar conflito e disputas políticas, de acordo com Morel, bem como expressões públicas de racismo que culminou o chamado "Motim do Teatro", que no dia 28 de setembro de 1831 as forças militares em decorrências de vários conflitos , abriu fogo contra os espectadores deixando vários feridos. Destarte, mesmo diante de vários revés aqueles que detinham poder estavam determinados a manter a ocupação do teatro, logo, isto dava a entender que eles consideravam este espaço de suma importância para a implantação e manutenção de suas políticas relacionadas à condução do Império por este e outros motivos, é entendível que este local tornara-se um canal de expressão que era levado em conta tanto pela imprensa, e até mesmo pelas autoridades vigentes da época e, além disso, o teatro transformara-se de uma certa forma, pois o que ocorria naquele lugar era tão importante nesta passagem do absolutismo monárquico português para o constitucionalismo monárquico brasileiro e que tal manifestação dispensava, em vários sentidos, as palavras impressas neste ambiente e substituindo-as por gestos e sinais que possuíam uma abrangência difícil de mensurar. [...]