PSICOSE E PREOCUPAÇÃO MATERNA PRIMÁRIA
Por Estefany Gonçalves Ficagna | 07/03/2016 | PsicologiaPsicose e preocupação materna primária na obra /filme Precisamos falar sobre Kevin De Lionel Shriver.
BERTOLDI, Maria Eugênia
FICAGNA,Estefany Gonçalves²
SELL,Lana Kaoany³
RESUMO
Fruto de um trabalho da disciplina de educação especial das Faculdades Santa Cruz, este trabalho tem como objetivo analisar a psicose e conceito winnicottiano de preocupação materna primaria na obra /filme: Precisamos falar sobre Kevin de Lionel Shriver. Na concepção de Winnicott, o desenvolvimento afetivo-emocional da criança constitui-se da subjetividade do sujeito a partir de uma relação saudável entre mãe e bebê. A ocorrência de distorções no relacionamento mãe-bebê seriam a origem dos quadros de psicose.
Palavras Chaves: Psicose. Winnicott. Preocupação Materna Primária. Precisamos Falar Sobre o Kevin. Cinema.
abstract
As a Project result of the discipline of Special Education at Santa Cruz College, this paper aims to analyze the psychosis and Winnicott's concept of primary maternal preoccupation in the artwork / film: We Need to Talk About Kevin by Lionel Shriver. In Winnicott’s idea, the child`s affective-emotional development is given by the subjectivity of the subject from a healthy relationship between mother and baby. The occurrence of distortions in the mother-infant relationship would be the origin of psychosis.
Key Words: Psychosis. Winnicott. Primary maternal preoccupation. We Need to Talk About Kevin. Cinema.
INTRODUÇÃO
O roteiro de Lynne Ramsay e Rory Kinnear é baseado na obra literária homônima de Lionel Shriver que se inspirou após varias pesquisas nos crimes cometidos por adolescentes em escolas dos Estados Unidos, chamados de meninos colleges.
O filme é contado sob o ponto de vista de Eva Khatchadourian, temporalmente fragmentado, simbólico, uma sucessão de flashbacks de sua vida antes de engravidar, ao engravidar, o nascimento de Kevin, o desenvolvimento, o nascimento da sua segunda filha, e o caos que sua vida se tornou após a chacina provocada por ele no colégio. Cabe ressaltar aqui que serão feitos alguns recortes de cenas do filme para trabalhar a preocupação materna primário e a psicose que são os objetivos deste trabalho.
Eva estava no auge de sua vida pessoal: bem casada com um marido que ela amava, quanto profissional: uma bem sucedida autora de guias de viagem para adolescentes, quando descobre que esta grávida, vê tudo que construiu até ali desmoronar.
Numa das cenas do filme, onde muitas mulheres grávidas aparecem conversando, Eva sozinha, num isolamento, parece não se reconhecer naquele estado e naquele lugar. "A maternidade (...). Isso sim é que é país estrangeiro” (SHRIVER, 2003). Na maternidade após o nascimento, Eva não demonstra nenhuma reação, parece estar em estado de choque. A sensação sentida é que Kevin nasceu somente para causar o sofrimento da mãe.
Segundo Winnicott o ambiente maternante – relação mãe/bebê é essencial no desenvolvimento e amadurecimento saudável do ser humano. Falhas deste meio ambiente poderão ter como conseqüência, diferentes quadros psicopatológicos, entre eles a psicose.
Ao falar de ambiente, estamos incluindo tanto o ambiente físico quanto os aspectos emocionais necessários ao desenvolvimento do bebê, representados por uma mãe “suficientemente boa”. De acordo com Winnicott:
A’mãe’ suficientemente boa (não necessariamente a própria mãe do bebê) aquela que efetua uma adaptação ativa às necessidades do bebê, uma adaptação que diminui gradativamente, segundo a crescente capacidade deste em aquilatar o fracasso da adaptação e em tolerar os resultados da frustração. Naturalmente a própria mãe do bebê tem mais probabilidade de ser suficientemente boa do que alguma outra pessoa, já que essa adaptação ativa exige uma preocupação fácil e sem ressentimentos com determinado bebê; na verdade, o êxito no cuidado infantil depende da devoção, e não de “jeito” ou esclarecimento intelectual. (WINNICOTT, 1975, p. 25).
Esse ambiente, que a mulher esta inserido deverá acolher e dar apoio para que ela possa se identificada com seu bebê, se adaptando as suas necessidades. O pai ou quando este não esta presente, o meio ambiente familiar e a sociedade geralmente proporcionam este apoio.
Winnicott nos chama a atenção para o fato de que, não necessariamente essa mãe precisa ser uma mulher especial, com dons especiais. A futura mamãe é uma “mulher comum”, que naturalmente entrará num estado, que Winnicott chamou de “preocupação materna primária” (2000), semanas antes e após o parto, dando-lhe condições psicológicas para poder traduzir as necessidades de seu bebê:
Esta condição gradualmente se desenvolve e se torna um estado de sensibilidade aumentada durante, e especialmente, no final da gravidez; Continua por algumas semanas depois do nascimento da criança; Não é facilmente recordada, uma vez tendo a mãe se recuperado dela; Eu iria mais além e diria que a recordação que a mãe tem deste estado tende a ser reprimida. (WINNICOTT, 1958/2000a, p. 401)
Na “preocupação materna primária”, o estado de “adaptação ativa”, parte integrante desse processo (2000a) é de extrema importância para que o bebê possa vir a vivenciar a área de ilusão, sofrendo naturalmente uma diminuição, de acordo com o desenvolvimento do bebê. Ainda segundo Winnicott, a mãe se encontra “[...] naquele estado especial que dá as mães condições de estarem presentes mais ou menos no momento e no lugar certo. Isto se chama adaptação às necessidades, que permite ao bebê descobrir o mundo de forma criativa.” (WINNICOTT, 2002, p. 56)
A preocupação materna primária permite à mãe suficientemente boa identificar-se com o bebê e, desta forma, cria condições para que o desenvolvimento emocional saudável do bebê. De acordo com a teoria Winnicottiana a origem de algumas patologias mentais, entre elas a psicose, pode estar relacionada com essa fase inicial do desenvolvimento do indivíduo.
Psicose
De acordo com a teoria Winnicottiana para que possamos compreender a psicose, precisamos nos remeter aos processos de maturação nos estágios iniciais do desenvolvimento emocional.
No texto Psicose e cuidados maternos (1952) Winicott afirma que nos primórdios da vida do bebê, a importância do meio ambiente é tão vital que se chega à conclusão de que a esquizofrenia é uma espécie de doença de deficiência ambiental, que não permite ao ego, que ainda é frágil, estruturar-se de forma sadia. (WINNICOTT 1952/ 2000b)
Sabe-se que no inicio do desenvolvimento, o bebê e a mãe são uma só unidade. Contudo “quando a mãe não é suficientemente boa a criança não é capaz de começar a maturação do ego, ou, então ao fazê-lo o desenvolvimento do ego ocorre necessariamente distorcido” (WINNICOTT, 1983, p.56)
Os cuidados que essa mãe dispensa ao bebê devem ser suficientemente bons antes de o bebê poder distinguir o “eu” do “ não eu” ,ou seja, no período em que ocorre o desenvolvimento emocional primitivo, segundo Winnicott (1965/1983), podem ocorrer distorções da organização do ego que constituem as bases das características esquizóides.
Assim pode haver uma dificuldade no cuidado de si mesmo e no desenvolvimento do self.
Para Winnicott, o ego é a organização de funções do Id, ou seja, da parte instintiva presente em todo ser humano e que existe desde o inicio da vida da criança. O self , só pode ser mencionado depois que a criança começa a usar o intelecto para examinar o que os outros vêem, sentem ou ouvem e o que ela mesma pensa quando se encontra com esse corpo infantil. O self é o núcleo da personalidade. (WINNICOTT apud ARRUDA, ANDRIETO, 2009)
Os bebês que experimentam falhas ambientais tem o desenvolvimento da criança como pessoa distorcido para sempre e, em consequência, a personalidade é deturpada, ou o caráter é deformado.
De acordo com Winnicott (1965/1983), este é um tema complexo por causa dos graus e variantes que a ineficiência materna pode apresentar. As consequências defeituosa do apoio ao ego do bebê, por parte da mãe, podem ser muito desastrosas e incluem: esquizofrenia infantil, autismo, esquizofrenia latente, falsa autodefesa e personalidade esquizóide. (ARRUDA, ANDRIETO, 2009)
Considerações finais
o presente trabalho procurou demonstrar através de algumas cenas do filme: precisamos falar sobre Kevin como a preocupação materna primária é importante para auxiliar a mãe suficiente boa na constituição do ego do bebê, evitando assim rupturas e falhas ambientais, causando muitas vezes a psicose como é o caso do personagem do filme.
Referencias bibliográficas
ABRAM, J. A linguagem de Winnicott: dicionário das palavras e expressões utilizadas por Donald W. Winnicott. Rio de Janeiro: Revinter, 2000.
ARRUDA, S.L. S; ANDRIETO, E. Mães psicóticas e seus bebês: uma leitura winnicottiana. Arq. bras. psicol., Rio de Janeiro, v. 61, n. 3, dez. 2009 . Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S180952672009000300011&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em 07 ago. 2013.
WINICOTT, D.(1965)A integração do ego no desenvolvimento da criança. In:________. O ambiente e os processos de maturação: estudos sobre a teoria do desenvolvimento emocional. Porto Alegre: Artmed, 1983.
WINNICOTT, D. W. O brincar e a realidade. Rio de Janeiro: Imago editora LTDA, 1975.
________________(1965)Os efeitos da psicose sobre a vida familiar. In: A família e o desenvolvimento individual. 3ªed. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
____________.(1956).A Preocupação Materna Primária.In : Da pediatria à psicanálise: obras escolhidas. Rio de Janeiro: Imago, 2000a.
______________.(1952)Psicose e Cuidados Maternos. In: Da pediatria à psicanálise: obras escolhidas. Rio de Janeiro: Imago, 2000b.
_______________.Os bebês e suas mães. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
Psicanalista. Professora das Faculdades Integradas Santa Cruz.Psicanalista.Doutoranda em Ciencias de La Educacion –Universidad de La Plata. Mestra em Psicologia. Pós graduada em Psicopedagogia e em Educação Especial. HYPERLINK "mailto:mariaeugeniabertoldi@gmail.com" mariaeugeniabertoldi@gmail.com.
² Aluna do Curso de Pedagogia Das Faculdades Santa Cruz.
³ Aluna do Curso de Pedagogia Das Faculdades Santa Cruz.