1 INTRODUÇÃO

A promessa de compra e venda é uma espécie de contrato bilateral onde as partes, se comprometem a no futuro, celebrarem o contrato definitivo de compra e venda. O promitente vendedor obriga-se a vender ao compromissário comprador determinado imóvel pelas condições convencionadas no contrato, através de um instrumento público ou particular. Esse instituto é disciplinado nos Arts. 1.417 e 1.418 do código civil de 2002, no título VII da Lei 6.766 de 1979, e ainda em alguns dispositivos do Dec-Lei 58 de 1937 que não foram revogados pelas leis posteriores que hoje só trata de loteamentos rurais.

Tal instituto pode ser encontrado com diversas denominações na mais respeitada doutrina, que pode ser o motivo provável para tantas divergências a cerca do tema. Pode ser encontrado como: Promessa de compra e venda (para Cristiano Chaves/Nelson Rosenvald, e Arnaldo Rizzardo), Direito do promitente comprador (para Carlos Roberto Gonçalves), Promessa irretratável de venda (para Sílvio Rodrigues), Compromisso de venda (para Orlando Gomes), Promessa Irretratável de compra e venda de imóvel (para Cézar Fiúza), promessa de compra e venda com eficácia real (para Sílvio Venosa). Todas essas nomenclaturas tratam do mesmo instituto, e todos estes respeitados doutrinadores tratam do tema de modo diverso. Porém, depois de incansável pesquisa doutrinária, legal e jurisprudencial, nos guiaremos pelas conclusões que obtivemos, e não somente pela linha de apenas um doutrinador.

 O principal objetivo da promessa de compra e venda é conferir garantia e segurança às partes quanto à efetiva celebração do negócio jurídico. É utilizado corriqueiramente nos dias de hoje, pela existência de várias situações que impossibilitam a imediata concretização do negócio jurídico. Em alguns casos a própria coisa objeto do contrato ainda vai ser construída, como na promessa de compra e venda de um apartamento que está em construção ou mesmo em situações em que o promitente comprador encontra-se impedido de obter a escritura definitiva Enfim são infindáveis os casos em que, por uma questão de oportunidade ou de conveniência, as partes, ao tempo, estão impossibilitadas de celebrarem imediatamente o contrato definitivo, e, para não perder a chance de realizarem um grande negócio, comprometem-se por um instrumento público ou particular, através da promessa de compra e venda, a celebrarem em momento posterior, o contrato definitivo de compra e venda.

Exemplo: O pai de Adolfo morre e o deixa como herdeiro de um imóvel residencial. Chicão Sabendo que Adolfo ainda não tem a escritura definitiva, mas que depois do registro formal da partilha Adolfo vai ter a propriedade do bem, que há muito tempo tinha interesse de adquirir, e que o imóvel é bastante almejado por todos, chama Adolfo para celebrar a promessa de compra e venda ainda na constância do inventário, para garantir que seja ele o comprador do imóvel. Adolfo aceita a proposta, registram a promessa e convencionam que após o registro formal da partilha e pago o preço, seja celebrado o contrato definitivo com Chicão.

Como se pode perceber através do exemplo acima, a impossibilidade da celebração imediata do contrato definitivo pode ser também do promitente vendedor. Porém, o mais comum é que seja do comprador, sendo que isso é irrelevante para a caracterização do instituto.

 

2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA

Ocorreu no Brasil e no mundo, no começo do século XX, uma grande expansão imobiliária, causada pelo aumento da população nos centros urbanos. A crise mundial de 1929 motivada pela queda da bolsa de valores de Nova York provocou em nosso país, a paralisação total das vendas do nosso único produto exportável da época, o café.

Houve então uma grande migração das populações do campo para as cidades em busca de trabalho. E essa massa de trabalhadores, por óbvio, precisava ter um lugar pra morar, o que gerou uma expansão imobiliária ainda maior.

Essa população evidentemente não tinha condições de adquirir imóveis à vista. Com isso, surgiram empresários oferecendo lotes a venda em pequenas prestações mensais, cujo pagamento era anotado em cadernetas, e dessas cadernetas foi surgindo uma nova figura jurídica: o contrato de compromisso de compra e venda.

No entanto, os empresários acabavam exercendo o arrependimento, prejudicando os promitentes compradores, aos quais só restaria a indenização por perdas e danos, valores irrisórios comparados à grande valorização dos imóveis objetos dos contratos, pela instabilidade da inflação ou por razões históricas que influíam na economia. Os promissários vendedores, depois de recebido o preço pelo qual haviam prometido vender, percebiam que os imóveis à época valiam 10 ou 20 vezes mais. E, como a lei permitia o arrependimento, no Art. 1.088 do Código Civil de 1916, desde que indenizado o promitente comprador, tal prática imoral acabou por ser corriqueira e de flagrante enriquecimento sem causa.

Percebendo a prática abusiva dos empresários, um grande jurista chamado Waldemar Ferreira, que na época era Deputado Federal, apresentou um projeto de lei na Câmara Federal. E, mesmo Getúlio Vargas tendo fechado o congresso com a ditadura do “Estado Novo”, quando percebeu a alta qualidade e viabilidade do projeto, adotou-o integralmente como Decreto-Lei 58 de 10 de Dezembro de 1937. Tal decreto foi concebido para “moralizar” a venda, vetando o direito de arrependimento e dando o direito ao promissário comprador de obter a adjudicação compulsória.

E afirmava:

Art. 15º “Os compromissários tem o direito de, antecipando ou ultimando o pagamento integral do preço, e estando quites com os impostos e taxas, exigir a outorga da escritura de compra e venda”.

Art. 16º “Recusando-se os compromitentes a outorgar a escritura definitiva no caso do Art. 15º, o compromissário poderá propor, para o cumprimento da obrigação, a ação de adjudicação compulsória, que tomará o rito sumário.

Com o passar dos anos surgiram novas leis regulamentando o tema, como o Dec. 3.079/38 que regulamentou o Dec-Lei nº 58/37, e depois veio a Lei 649/49 que deu o mesmo tratamento do Dec-Lei 58, a qualquer tipo de imóveis, loteados ou não. E finalmente a Lei 6.766/79 que dispõe sobre o parcelamento do solo urbano, e por ser lei posterior, revogou os artigos do Dec. 58 que tratavam de terrenos urbanos loteados.

 DISTINÇÕES ENTRE CONTRATO PROMESSA DE COMPRA E VENDA (Direito Obrigacional) E PROMESSA DE COMPRA E VENDA (Direito Real)

Apesar das semelhanças de tratamento e de nomenclatura, é necessário distinguir detalhadamente tais institutos, pois as diferenças são sutis, porém confundi-los é um erro grave.

Sabemos que, sob o ponto de vista jurídico o mundo é constituído de dois elementos: as pessoas e as coisas. Entre as pessoas, surgem as obrigações e o direito obrigacional, e entre a pessoa e a coisa, surge o direito real. Existem três tipos de obrigação: obrigação de dar, obrigação de fazer, e obrigação de não fazer. Já o direito real tem vários desmembramentos, elencados taxativamente no CC de 2002, sendo um deles o direito real à aquisição, que é conferido pela promessa de compra e venda irretratável.

A principal distinção está nas obrigações que tais contratos originam, pois o contrato de promessa de compra e venda dá origem à promessa recíproca de contratar, ou seja, gera obrigação de fazer. Na promessa de compra e venda, se origina a obrigação irretratável de transferir a propriedade e a obrigação de pagar o preço, portanto, obrigação de dar. As ações no caso de inadimplemento por parte do promitente vendedor, quando este se recusar a celebrar o contrato definitivo, também são diversas. No caso do contrato de compra e venda deverá o promitente comprador propor Ação de outorga de escritura. No caso da promessa de compra e venda a ação cabível será a adjudicação compulsória. A ação de obrigação de fazer não entrega o imóvel ao compromissário comprador, ou seja, não transfere o domínio, não adjudica.

O contrato de promessa de compra e venda, se dá quando o promitente comprador se compromete a uma obrigação de dar, caracterizada pelo pagamento sucessivo de valores ao promitente vendedor para quitar o preço da coisa. Enquanto o promitente vendedor assume uma obrigação de fazer que consista na outorga da escritura definitiva de compra e venda. Assim, depois de cumprida a obrigação de dar do promissário comprador, que é pagamento integral do preço, deverá o vendedor cumprir a sua obrigação de fazer, que é a emissão da declaração de vontade no sentido de formar o contrato definitivo.

Já a promessa de compra e venda que confere um direito real à aquisição é um contrato pelo qual as partes, por um instrumento público ou particular registrado no Cartório de Registro de Imóveis, se obrigam irretratavelmente a tornar eficaz a compra e venda de um bem imóvel. Onde o promitente comprador se obriga a pagar o preço, e o vendedor a transferir a propriedade da coisa, e se não o fizer voluntariamente, o promitente comprador poderá pedir a adjudicação compulsória.

Vale dizer que a promessa de compra e venda também não se confunde com negociações preliminares. A promessa de compra e venda, não obstante ser um contrato preliminar é um negócio concluído, enquanto as negociações preliminares constituem apenas o momento em que as partes estão se conhecendo e amadurecendo suas idéias, ainda projetando o negócio jurídico.

 4 DA PROMESSA DE COMPRA E VENDA COMO UM DIREITO REAL

Retornando ao conceito de promessa de compra e venda: É um contrato feito por instrumento público ou particular e levado a registro no Cartório de Registro de Imóveis, pelo qual as partes se obrigam irretratavelmente a, no futuro concretizarem a venda de um bem imóvel.

Este Instituto é mais complexo do que parece. A promessa de compra e venda irretratável é considerada um direito real à aquisição. No entanto há uma grande divergência doutrinária sobre o tema, pois cada autor contemporâneo tem um entendimento diferente quando se tenta explicar o que dá o caráter de direito real à promessa de compra e venda.

Diante da leitura do Art. 1.417, se conclui que para configurar o direito real à aquisição a promessa deve estar registrada e ser irrevogável. A inexistência da cláusula de arrependimento é condição indispensável para o nascimento do direito real. Não é necessário que conste no contrato a irretratabilidade, basta o silêncio, ou seja, a ausência do direito de arrependimento.

Por se tratar de um bem imóvel, se o regime não for o de separação absoluta de bens, é necessária e indispensável à outorga conjugal para o promitente vendedor, segundo o Art. 1.647 do CC. Se o contrato de promessa de compra e venda for celebrada sem a assinatura do cônjuge, mesmo sendo válida a promessa, não garantirá o direito real, pois o pedido de adjudicação compulsória ficará impossibilitado, restando ao promitente comprador apenas a via indenizatória.

Com o Registro da promessa no cartório de registro de imóveis, o imóvel não poderá ser penhorado por dívidas do loteador, nem vendido novamente por ele. Terá, portanto, oponibilidade erga omnes. Segundo alguns doutrinadores, só poderá se propor a adjudicação compulsória com compromisso de venda registrado, e a súmula 239 do STJ não teria mais validade, pois para caracterizar o direito real e ter direito à adjudicação compulsória é necessário o registro da promessa. Inclusive é o que ensina o Art. 1.417 do CC de 2002.

Dizia a Súmula 239 do STJ: O direito à adjudicação compulsória não se condiciona ao registro do compromisso de compra e venda no cartório de imóveis.

Cristiano Chaves e Carlos Roberto Gonçalves, dentre outros, entendem ainda hoje, dessa forma. Afirmam que mesmo sem o registro o promitente comprador poderá pleitear a adjudicação compulsória do imóvel, o ato do registro no cartório só seria necessário pra a promessa ter efeito erga omnes, não obstando constituir a promessa irretratável não registrada um direito real de aquisição. Já Orlando Gomes entendia que o que dava caráter real do compromisso de compra e venda era a irretratabilidade e não o registro, pois este só seria necessário para valer contra terceiros.

 5 DA ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA

Adjudicação é a aquisição da proprieade por ato judicial, adjudicar significa transferir por sentença o domínio da coisa. Ou se o promitente vendedor se recusar a honrar a promessa de compra e venda irretratável, poderá o promitente comprador, ajuizar a ação de adjudicação compulsória. Portanto, diante do compromisso irretratável, mesmo que a execução do contrato definitivo seja negada, não impedirá que a finalidade da promessa seja alcançada, através da adjudicação compulsória. Assim o Estado impõe o cumprimento da obrigação, mediante uma sentença constitutiva, suprindo a manifestação de vontade espontânea do inadimplente.

Segundo a jurisprudência, o promitente comprador de um contrato irretratável que fez o pagamento integral das prestações contratuais, pode também valer-se da ação reinvindicatória. Pois tem ele direitos inerentes ao exercício do domínio, e, portanto pode reinvindicá-lo.

Se o compromissário comprador atrasar o pagamento das prestações poderá o promitente vendedor, para pleitear a resolução do contrato cumulada com a reintegração de posse, constituir em mora o devedor, notificando-o judicialmente ou através do Cartório de registro de imóveis para pagar as prestações em atraso no prazo de 30 dias se for imóvel loteado e em 15 dias se for imóvel não loteado.

 6 DO ARREPENDIMENTO

O arrependimento é um direito potestativo que confere às partes a prerrogativa de rescindir o contrato, ou seja, de desistirem da realização do negócio jurídico.

O Art. 1.417 deixa claro que a promessa de compra e venda de imóvel só será considerada direito real à aquisição se não contiver cláusula de arrependimento. Se constar cláusula de arrependimento o promitente vendedor poderá unilateralmente resilir o negócio jurídico desde que notificada a outra parte e devolvendo integralmente as quantias pagas. A existência de tal cláusula também impede a abertura de ação de outorga de escritura.

 No entanto, pelo freqüente uso dos compromissos de venda que envolvem loteamentos atualmente, e pela flagrante relação de consumo que resulta desse contrato, é fácil de perceber a grande vulnerabilidade do promissário comprador nesse negócio jurídico, motivos pelos quais a lei 6.766/79 veda o direito de arrependimento, ou da existência de cláusula de retratação nos contratos que tenham por objeto lotes urbanos, seguindo o Dec 58 que também veda a retratação no que diz respeito aos loteamentos rurais. E a Lei 10.931/2004 estabeleceu ainda que nas relações que envolvam contratos de promessa de compra e venda de incorporações imobiliárias, com o registro, se tornam irretratáveis e conferem direito real e possibilidade de adjudicação compulsória.

 É bom esclarecer que loteamento é um desmembramento de terras em um imóvel rural ou urbano destinado à venda em prestações sucessivas ou periódicas. São normalmente terrenos, apartamentos casas etc. Incorporações imobiliárias são edificações ou conjunto de edificações compostas de unidades autônomas.

Portanto, são irrevogáveis e irretratáveis os contratos que envolvam loteamentos urbanos e loteamentos rurais. Sendo possível a retratação somente nos casos que envolverem imóveis não loteados, em que a cláusula de arrependimento esteja expressa no contrato, ou seja, não pode ser presumida. Tal retratação pelo promitente vendedor deve ocorrer ainda, necessáriamente antes do pagamento total do preço, sob pena de extinção do direito potestativo do arrependimento.

 7 CONCLUSÃO

 Diante de todo o exposto é possível concluir que a promessa de compra e venda é um instituto pelo qual é possível a aquisição da propriedade, tendo em vista que aufere ao seu possuidor, o direito real de aquisição a partir do registro no cartório de registro civil, quando terá efeito contra terceiros, havendo ainda quem entenda que mesmo sem o registro da promessa, existe direito real apto à aquisição do imóvel.

Assim, tal instituto torna-se muito importante na sociedade moderna uma vez que podem existir situações em que não é possível a aquisição de um determinado bem de forma imediata, quando será necessário o firmamento de um contrato de promessa de compra e venda que assegurará ao promitente comprador o direito real de aquisição da propriedade mesmo que não tenha levado o instrumento contratual a registro.