PROCESSO TRADUTÓRIO E ESCOLHAS LEXICAIS

Tradução de textos técnicos de língua portuguesa escrita para língua de sinais.

 

Maria Daniela Mendes[1]
Francieli Giza[2]

INTRODUÇÃO

O atual contexto da política de Educação Bilíngue, vem sendo cada vez mais significativo, recentemente a Lei Nº 14.191, de 3 de agosto de 2021 altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), para dispor sobre a modalidade de Educação Bilíngue de Surdos. O Decreto Federal nº 5626/2005, que regulamenta a Lei Federal nº 10.436/2002 (Lei de Libras) posiciona entre suas diretrizes o direito à Educação Bilíngue para Surdos, possibilitando acesso a todos os conteúdos curriculares em Libras como língua principal, esta lei foi reconhecida como meio legal de comunicação e expressão.  Lei esta que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais - Libras e dá outras providências, em seu Art. 1º É reconhecida como meio legal de comunicação e expressão a Língua Brasileira de Sinais - Libras e outros recursos de expressão a ela associados. Parágrafo único. Entende-se como Língua Brasileira de Sinais - Libras a forma de comunicação e expressão, em que o sistema linguístico de natureza visual-motora, com estrutura gramatical própria, constituem um sistema linguístico de transmissão de ideias e fatos, oriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasil. Os surdos brasileiros disponham da Língua Portuguesa na modalidade escrita como segunda língua. Sendo que a referida orientação asseguraria, em partes, o direito linguístico dos surdos em ter a Libras como língua de instrução e interação.

Neste trabalho, voltamos nossa atenção à atividade de tradução do português para Libras de diferentes surdos do país, totalizando dez, todos fizeram a mesma atividade proposta para este artigo. Com a frase organizada na estrutura gramatical da língua portuguesa escrita e transposta para língua de sinais:  “ Pense em todos os abraços e beijos que você quer dar”.  O objeto de pesquisa deste artigo provém da necessidade de tornar o sujeito surdo bilíngue na esfera educacional e social. A possibilidade de tratar o vídeo em língua de sinais como texto deriva também das Normas Surdas de Tradução apresentadas por Stone (apud SOUZA, 2013) que salienta que:

[..] é possível haver tradução de textos escritos para línguas de sinais, textos          esses que, ao serem traduzidos, são re-textualizações orais em sinais e performáticas, que, por sua vez, dispõem de normas, que revelam elementos             indenitários e culturais Surdos, próprios de procedimentos entre línguas de modalidades diferentes. (STONE, 2010 apud SOUZA, 2013, p.154)

Quadros (2002) observa que o trabalho de tradução do português escrito para a Libras contempla especificidades devido à modalidade visual-espacial que caracteriza as línguas de sinais, estando relacionadas não apenas ao processo tradutório, mas também aos recursos tecnológicos necessários ao registro e socialização dos textos.

Sendo assim, analisamos os diferentes tipos de tradução, não apenas pela identidade surda, focamos na sinalização como meio de observação sobre qual inserção esses sujeitos estiveram em seu período escolar. Se eles se apropriaram da modalidade escrita na escola ou não. De antemão ressaltamos que a maioria frequentou escola inclusiva, resultado este de um português sinalizado.

 

REVISÃO TEÓRICA

Visto que, o significado para os surdos, necessitam de estratégias para identificar a significação, o verdadeiro sentido no processo da transferência de uma palavra dentro da enunciação para que ele consiga conectar através do contexto o significado das palavras em uma determinada circunstância, bem como, usar estratégia mental para que esse processo aconteça de fato.

Conforme Santiago (2012, p. 37)

Portanto, procurando examinar algo mais específico em relação com o todo complexo e inacabado da materialidade da tradução/ interpretação tomarei como objetivo deste estudo os procedimentos, compreendendo a estratégia como algo maior que não caberia neste ensaio. Deste modo, a proposta deste ensaio é a correspondência entre duas línguas, o português e a Libras, apresentando procedimentos de tradução e a caracterização cuidadosa de alguns elementos linguísticos recorrentes ou que possam estar relacionados a cada procedimento.

Haja visto que assim como ouvintes, este processo de tradução corrobora com o tipo de aprendizagem que o sujeito teve no ambiente escolar e, sendo assim, o surdo nesse processo, envolve as duas línguas, na tradução da frase e do desenvolvimento bilíngue, o português sendo a língua de referência. O processo de transferência de significado da frase no momento em que eles sinalizam, acompanhando o português é perceptível, quase todos os surdos sinalizaram exatamente como estava no enunciado (palavra/sinal), “PENSE EM TODOS OS ABRAÇOS E BEIJOS QUE VOCÊ QUER DAR”, organizando a frase de acordo com as regras da língua portuguesa, foram poucos os sinalizantes que usaram a Libras como língua de instrução.

No entanto, cada um sinaliza conforme seu conhecimento não apenas na Língua em si, mas na tradução, que é momento em que se transfere a Língua portuguesa escrita que neste caso não é a L1 dos surdos para Libras que é a L1 deles. Assim sendo, os surdos sinalizam palavra por palavra, perdendo a gramática da língua de sinais, na qual tem uma estrutura toda organizada através de seus parâmetros, omitindo e causando prejuízo no entendimento da versão em sua própria língua no momento da tradução, apresentando vários sentidos, mas sem significado.

Pesquisadora Barbosa (2004) apresenta sobre os procedimentos de tradução entre línguas orais, e a outra pesquisadora Santiago (2012) aproxima duas línguas de modalidade distintas, a Língua Brasileira de Sinais – Libras (Modalidade viso-espacial) e a Língua Portuguesa (Modalidade oral-auditiva) para a tradução vice-versa.

Conforme com os autores Bakhtin (2009, p. 134) “O tema é um sistema de signos dinâmico e complexo, que procura adaptar-se adequadamente às condições de um dado momento da evolução. O tema é uma reação da consciência em devir ao ser em devir”. Entenda que a tema poderia fazer um objetivo sobre a tradução Libras/Português que determina como produção de sentido sobre a palavra para sinal e sinal para palavra, exatamente, quem é o tradutor deve analisar o processo de tradução ou com quem foge ao controle de tradutor.

Desta forma, sobre a tradução, é necessariamente reconhecer essas as duas línguas, Libras e Português, como estrutura completamente diferente, além da gramática de Libras, sempre esteve presente os elementos linguísticos como expressão não-manuais (corpo e face, ou seja, como expressão fácil e expressão corporal) que não se apresenta da mesma forma a Língua Portuguesa, porque totalmente diferente da sua própria da gramática.

Nesta proposta, visa-se contribuir para que de fato, ocorra a inserção da Libras no currículo escolar, para que o surdo tenha seu direito linguístico assegurado, priorizando a Libras como primeira língua e o português como segunda língua na modalidade escrita. Assim, os sujeitos surdos terão acesso pleno aos conteúdos e informação como qualquer estudante, aprendendo também que o português é importante neste processo, para evitar a incompreensão de palavras quando se transfere da língua fonte para língua alvo, ou no caso da tradução da L2 para L1.

 

METODOLOGIA DA PESQUISA

O presente da pesquisa é uma abordagem qualitativa, do tipo exploratória, descritiva e explicativa, com abordagem teórica e prática, através de análise do conteúdo. Segundo com o autor Severino (2016, p. 125) “[...] São várias metodologias de pesquisa que podem adotar uma abordagem qualitativa, modo de dizer que faz referência mais a seus fundamentos epistemológicos do que propriamente a especificidades metodológicos”.

A pesquisa bibliográfica fora coletada dados: Português e Libras em diálogo: os procedimentos de tradução e o campo do sentido, Vânia de Aquino Albres Santiago (2012); Procedimentos Técnicos da tradução: uma nova proposta, Heloisa Gonçalves Barbosa (2004); A nossa pesquisa teve participantes surdos, na qual relataram com a tradução no português para Libras de cada um diferente de forma tradução.

Com o estudo Severino (2016, p. 127) “[...] Observação as manifestações dos sujeitos e as situações vividas, vai registrando descritivamente todos os elementos observados bem como as análises e considerações que fizer ao longo dessa participação”. Portanto, ao realizar um diagnóstico e a análise de uma determinada caso. Nosso tema mais importante sobre o processo tradução bilíngue (Língua Portuguesa/Libras), para participante surdo, como entendimento sobre a palavra com significado representam o enunciado. Conforme com o Severino (2016, p. 129)

Envolve, portanto, a análise do conteúdo das mensagens, os enunciados dos discursos, a busca do significado das mensagens. As linguagens, a expressão verbal, os enunciados, são vistos como indicadores significativos, indispensável para a compreensão dos problemas ligados às práticas humanas e a seus componentes psicossociais. As mensagens podem ser verbais (orais ou escritas), gestuais, figurativas, documentais. (SEVERINO, 2016, p. 129).

Desse modo, os participantes surdos descrevam, analisam e interpretam em Libras os enunciados de todas as formas de discurso, procurando o significado e a ver o que está por detrás das palavras.

 

ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Veremos que nesta pesquisa do processo tradutório de uma língua (escrita do português) para Libras, apresentamos o resultado através do quadro 1 abaixo com a seguinte frase:

“Pense em todos os abraços e beijos que você quer dar”, observamos como foram as traduções da língua fonte para língua alvo;

QUADROS 1 – Coleta de dados dos surdos em Libras

Surdo 1       G.P

“Pensar todos beijos abraços o que você aceitar dar”

Surdo 2       P.S

“Espaço pessoa você imaginar você quer abraçar e beijar cada”

Surdo 3       K.L

“Sonho imaginar pessoas desejo abraçar e beijar”

Surdo 4       L.C

“Penso pessoas beijar abraçar”

Surdo 5       E.V

“Penso imaginar você desejar encontrar pessoas, encontrar, abraçar, beijar, abraçar”

Surdo 6       A.K

“Você pensar, quer abraçar beijar cada”

Surdo 7       C.M

“Pensar abraço beijo você quer, eu dou para você”.

Surdo 8       A.P

“Pensar todos abraços, beijos, você quer dar”

Surdo 9       M.P

“Pensar todos abraços, beijos o que vocês quer dar”

Surdo 10     I.A

“Pensar todas pessoas gostar quer dar abraços, beijos”

 

Veja, a frase “Pense em todos os abraços e beijos que você quer dar”, em língua portuguesa, optamos por essa frase e percebemos que de acordo com a regra gramatical o quão ela pode apresentar o não uso da estrutura organizada gramaticalmente. Por conseguinte, da gramática da língua portuguesa, a palavra “pense” é o verbo indicativo presente, “em” é a preposição , “todos” é o pronome indefinido plural, “abraços e beijos” são substantivos plural e composto, “que” é o pronome relativo, “você” é o pronome pessoal com segunda pessoa, “quer” é o verbo indicativo presente, “dar” é o verbo infinitivo.

Pensamos, para Libras, como é a tradução versão em Libras, assim, expressa em Libras da frase seria “VOCÊ PENSAR+++ QUANTOS ABRAÇOS QUANTOS BEIJOS DAR+++ PESSOA”, por isso, precisamos encontrar e sinalizar na estrutura organizada para não perder o sentido, bem como, o uso do corpo no processo anafórico e o uso do plural da língua.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

O texto proposto teve por objetivo ampliar a possibilidade de letramento, ou seja, corroborar de maneira efetiva para o desenvolvimento do processo tradutório dos surdos, na modalidade escrita do português como segunda língua, ampliando vocabulário e desmistificando a ideia de incapacidade dos surdos. Educação Bilíngue é um direito.

O reconhecimento e conhecimento da Língua Brasileira de Sinais efetivam a educação de estudantes surdos, uma vez que a língua materna é respeitada, esses sujeitos poderão expressar-se livremente, independente da língua portuguesa, evitando assim, esse dito “português sinalizado”. Os surdos foram proibidos de usar a própria língua durante 100 anos, e inferiorizados por não saberem se comunicar com a comunidade ouvinte, além de serem obrigados a falar. Porém, através da Lei 10.436 de 24 de abril do ano de 2002 a Libras foi finalmente reconhecida como meio legal de comunicação e expressão, regulamentada apenas em 2005, através do decreto 5626. Neste decreto, os surdos ficaram assegurados de seus direitos como cidadãos, tendo principalmente o direito de ter uma educação bilíngue, em que se priorize sua Língua materna. A língua de sinais torna-se imprescindível para o processo de aprendizagem, bem como a língua portuguesa na modalidade escrita para o processo de tradução e compreensão da língua majoritária utilizada pelos ouvintes.

Consideramos aqui, que os surdos tiveram prejuízo em sua aprendizagem, por consequência em não ter aprendido a palavra sem significado, já é acostumado, não consegue identificar ou não aprendido o significado das palavras, desta forma, ficou claro que eles (as) estudaram em escolas “inclusivas”. Seu aprendizado/desenvolvimento se deu com chamado “português sinalizado”, então a tradução permaneceu sem significado da palavra perdendo a semântica.

De qualquer maneira, é necessário incentivar a leitura, com a precaução em ter bons profissionais que atuem na área da educação de surdos, que dominem tanto a Libras quanto a língua portuguesa, renovando, inovando e buscando sempre que necessários novos métodos de ensino, ficando atentos em seus alunos surdos fomentando a escrita e a interpretação de texto relacionado a semântica.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALBRAS, Neiva de Aquino; SANTIAGO, Vânia de Aquino Albres. Libras em estudo: tradução/interpretação. São Paulo: FENEIS, 2012.

ALBRAS, Neiva de Aquino; Libras e sua tradução em pesquisa: interfaces, reflexões e metodologias. Florianópolis – UFSC, 2017.244p : 21cm

BAKHTIN, M. (Volochinov). Marxismo e Filosofia da Linguagem. (Trad.) 13ª ed. São Paulo: Es. Hucitec, 2009. (texto original de 1929).

BARBOSA, H. G. Procedimentos Técnicos da tradução: uma nova proposta. 2a ed. Campinas: Pontes, 2004.

CAMPELLO, Ana Regina. Pedagogia Visual; Sinal na Educação dos Surdos. IN: QUADROS, CAMPELLO, Ana Regina. Aspectos da visualidade na Educação de Surdos, Florianópolis, junho de 2008. file:///C:/Users/Usu%C3%A1rio/Downloads/258871.pdf Ronice M. &

LACERDA, C.B.F.; Santos, L. F. Tenho um aluno surdo, e agora? Introdução à Libras e educação de surdos. São Carlos: EdUFSCar, 2018. Nader, J. M. V. Aquisição tardia de uma língua e seus efeitos sobre o desenvolvimento cognitivo dos surdos. Campinas, SP : [s.n.], 2011.

PERLIN, Gladis (Org.). Estudos Surdos II. Petropolis: Editora Arara Azul. 2007.

QUADROS, Ronice M. Educação de Surdos: a aquisição da linguagem. Porto Alegre: Artmed, 1997.

QUADROS, Ronice M. Estudos de surdos III. Rio de Janeiro: Arara Azul, 2008.

SEVERINO, Antônio Joaquim. Metodologia do trabalho científico. São Paulo: Cortez, 2016.

 

[1] Especialista em Língua Brasileira de Sinais e Educação Especial/Inclusiva – Coordenadora do CAS - Centro de Atendimento ao Surdo e aos Profissionais da Educação de Surdos do Paraná, Professora da Uniasselvi – e-mail: [email protected]

[2] Mestranda em Sociedade, Cultura e Fronteira na Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE/Foz do Iguaçu – Paraná. Professora de Libras pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE/Francisco Beltrão – Paraná, e-mail: [email protected].