1             INTRODUÇÃO

 

               O Poder Judiciário tem sua organização determinada pela Constituição Federal - do artigo 92 ao 126 -, que disciplina a composição dos diferentes órgãos que compõem o seu sistema  estão divididos por área de atuação e cada área tem em sua estrutura dois graus de jurisdição: a primeira e a segunda instância. A primeira instância, ou instância de primeiro grau, é a área de entrada das ações do Judiciário, segundo sua necessidade e competência e é atendido por um juíz, em decisão individualizada. 

               Já na instância de segundo grau os juízes, denominados de desembargadores, tem a competência para revisar e julgar os casos já analisados pelos juízes singulares de primeira instância, de acordo com recursos apresentados sempre que os indivíduos não concordarem com a sentença do juiz de primeiro grau. Nesse caso, ou seja, nessa segunda instância, o processo é apreciado e julgado e as decisões são tomadas de forma colegiada, ou seja, em grupo,

               “Segunda instância é a interposição de recurso segundo nível de julgamento do processo na Justiça, contra a sentença proferida por juiz de primeiro grau, que busca a reforma ou a invalidação da sentença com ou sem solução de mérito”. (MATOS JÚNIOR e CARINA, 2018).

               Nesse artigo, busca-se discorrer sobre o tema “Presunção de inocência versus prisão em segunda instância”, tema este que se encontra em evidência no universo jurídico, que apresenta controvérsias e muitas discussões acerca de sua aplicabilidade.  Ao final do estudo, espera-se alcançar maior conhecimento, ao identificar os possíveis prós e contras apresentados pela doutrina nacional.

 

2             PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA

 

               A Carta Magna Brasileira, em seu título II, trata acerca dos Direitos e Garantias Fundamentais, e, no Capitulo I, artigo 5º, inciso LVII,  da CF/88 que, “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”, o que garante constitucionalmente o estado de inocência a todos os acusados. Assim, a presunção de inocência é um princípio constitucional, pois uma pena só pode ser executada após o “trânsito em julgado”, quando todos os recursos da defesa se esgotam e o caso é dado definitivamente por encerrado. E, nesses casos, para a proteção do réu, quanto a possíveis erros, pode-se utilizar as medidas cautelares e até mesmo o habeas corpus.

               Desde 2009, em decisão de segunda instância, o STF - Supremo Tribunal Federal entendeu que o réu pode iniciar a execução da pena condenatória após a confirmação da sentença em segundo grau, considerando que esse cumprimento não ofende o princípio constitucional da presunção da inocência, ou seja, esse entendimento da Corte estabeleceu que a execução da pena, após confirmada em segunda instância e o cumprimento da pena de prisão só seria permitido depois que todas as possibilidades de recurso fossem esgotados, pois o trânsito em julgado, impediria qualquer tipo recurso dos réus,

               Para fundamentar esse entendimento, Teori Zavascki, relator dessa decisão, menciona  que a Lei Complementar 135/2010 - “Lei da Ficha Limpa” e estabelece o fato que:  “A presunção da inocência não impede que, mesmo antes do trânsito em julgado, o acórdão condenatório produza efeitos contra o acusado”.

               Também constata-se que, conforme as Súmulas 716, que afirma: “Admite-se a progressão de regime de cumprimento da pena ou a aplicação imediata de regime menos severo nela determinada, antes do trânsito em julgado da sentença condenatória;” e a Súmula 717, nos seguintes termos: “Não impede a progressão de regime de execução da pena, fixada em sentença não transitada em julgado, o fato de o réu se encontrar em prisão especial.” Isto porque no curso do processo ou da investigação, a prisão somente seria permitida somente como prisão temporária ou prisão preventiva.

               São definições do STF que estabelecem o fato que a execução provisória da pena pode ter seu início antes do trânsito em julgado. Ou seja, até a confirmação da sentença em  segundo grau, deve-se presumir a inocência do réu, porém, a partir dessa confirmação, encerra-se o princípio da não culpabilidade e ele pode ser tido como culpado. Considera-se que “este princípio é considerado direito fundamental que deve ser compreendido primordialmente como uma proteção do indivíduo contra as arbitrariedades do Estado e também como uma garantia da coletividade” (TORTATO, 2018).

               No entanto, em fevereiro de 2016, a mesma Corte Suprema alterou o seu entendimento no que diz respeito ao início da execução penal a partir da segunda instância, considerando que após decisões de segundo grau que confirmem as condenações criminais, a pena de prisão pode ser imediatamente  executada, mesmo antes do trânsito em julgado.

               Hoje são muitos os debates acerca dos efeitos, quer  positivos, quer  negativos causados por esse novo entendimento, que mostraram divergências entre os próprios ministros que votaram sobre o tema, e relataram as convicções próprias que resultaram em uma votação de sete votos favoráveis e quatro contrários ao entendimento já  consolidado desde 2009, quando se definiu que ninguém seria considerado culpado antes do trânsito em jugado.

 

3             PRISÃO EM SEGUNDA INSTÂNCIA

 

               “No âmbito jurídico, a instância corresponde às etapas hierárquicas de desenvolvimento de um processo judicial, desde o seu início até a sua conclusão”,[1] onde, a primeira instância é a etapa de entrada, a segunda instância, é a área de discussão dos recursos, e o tribunal supremo é identificado como sendo última instância, a etapa onde a decisão final é proferida.

               Na doutrina, como afirma Cesare Beccaria (1997, p. 69),  “um homem não pode ser chamado de réu antes da sentença do juiz, e a sociedade só lhe pode retirar a proteção pública após ter decidido que ele violou os pactos por meio dos quais ela lhe foi outorgada”.

               A partir de 2016, os ministros da Suprema Corte que foram favoráveis à execução da pena logo depois da decisão do juízo de segundo grau, entendem que essa execução de imediato se justifica, em especial para impedir que inúmeros recursos sejam apresentados com o objetivo de atrasar cada vez mais, o imediato cumprimento de pena.

               Nesse sentido, o ministro Luís Roberto Barroso, afirma que: “ impossibilitar a execução imediata da pena, após a decisão de um juiz de segundo grau, é um estímulo á apresentação de recursos protelatórios para evitar o cumprimento da pena.”  Isto porque “nenhum país do mundo impede a execução da pena para esperar a manifestação da Suprema Corte, como ocorre no Brasil”.[2]

               Por outro lado, a OAB - Ordem dos Advogados do Brasil, se posicionou contra essa decisão, ao mencionar: " execução provisória da pena é preocupante em razão do postulado constitucional e da natureza da decisão executada, uma vez que eventualmente reformada, produzirá danos irreparáveis na vida das pessoas que forem encarceradas injustamente". [3]

 

4             CONSIDERAÇÕES

 

               Esse tema, com os posicionamentos dos integrantes da STF, da OAB, e do próprio mundo jurídico voltou à tona. Enquanto um grupo de juristas se posiciona defendendo que a prisão antes do trânsito em julgado da condenação somente pode ser decretada a título cautelar, outros entendem que não se admite a exclusão social de um indivíduo, antes de se considerar todas as circunstâncias e singularidades de cada infração penal, o que somente ocorre após transitada em julgado.

               Mesmo porque, segundo a Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão em seu Art. 9 afirma: “Todo acusado é considerado inocente até ser declarado culpado e, se julgar indispensável prendê-lo, todo o rigor desnecessário à guarda da sua pessoa deverá ser severamente reprimido pela lei.”

               Ou seja, toda a pessoa acusada de um ato delituoso, é considerada inocente até que a sua culpabilidade fique legalmente provada.

 

 

REFERÊNCIAS

 

 

BECCARIA, Cesare Bonesana, Marhesi de. Dos delitos e das penas. Tradução: Lucia Guidicini e Alessandro Berti Contessa. São Paulo: Martins Fontes, 1997.

 

 

BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ constituicao/constituicao.htm>  Acesso em 18 abr. 2018.

 

 

BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Lei Complementar nº 135, de 4 de junho de 2010. Altera a Lei Complementar no 64, de 18 de maio de 1990, que estabelece, de acordo com o § 9o do art. 14 da Constituição Federal, casos de inelegibilidade, prazos de cessação e determina outras providências, para incluir hipóteses de inelegibilidade que visam a proteger a probidade administrativa e a moralidade no exercício do mandato. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp135.htm> Acesso em 18 abr. 2018.

 

 

DECLARAÇÃO de direitos do homem e do cidadão - 1789. Disponível em: <http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Documentos-anteriores-%C3%A0-cria%C3%A7%C3%A3o-da-Sociedade-das-Na%C3%A7%C3%B5es-at%C3%A9-1919/declaracao-de-direitos-do-homem-e-do-cidadao-1789.html>  Acesso em 19 abr. 2018. 

 

 

MATOS JÚNIOR, João Marques de; CARINA, Kenia. Presunção de inocência: mudança na jurisprudência do STF. 2018. Disponível em: <https://joaomarquesdematos.jusbrasil.com.br/artigos/399207633/presuncao-de-inocencia-mudanca-na-jurisprudencia-do-stf>  Acesso em 18 abr. 2018.

 

 

TORTATO, Aline. O princípio da presunção de inocência e a exploração midiática. Março, 2018. Disponível em: <https://novojurista.com/2018/03/18/ o-principio- da-presuncao-de-inocencia-e-a-exploracao-midiatica/>  Acesso em 19 abr. 2018. 

 

[1]   https://www.significados.com.br/instancia/    

[2] http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2016-02/por-7-votos-4-stf-autoriza-prisão-

   -apos-condenacao... Acesso em 19/04/2018.

[3] http: jurinews.com.br/execucao-provisoria-da-pena-e-preocupante-diz-oab>  18 de fev de 2016. Acesso

   em 19/04/2018.