Neste texto, tento uma discussão em torno da questão das práticas leitura em Moçambique. O meu interesse surge e inscreve-se no contexto dos debates e discursos públicos sobre a problemática da falta de gosto e hábitos de leitura nos jovens. Escritores, jornalistas e até professores têm denunciado publicamente essas faltas e as suas consequências. Os discursos que se fazem nesses debates parecem ter basicamente dois sentidos, por um lado, justificar a necessidade e a importância da leitura, e, por outro, condenar o descaso dos jovens com a leitura. Procuro aqui sugerir duas ideias, nomeadamente (i) que a reflexão sobre a falta de leitura na sociedade moçambicana não deixe de lado a análise das práticas e condições de produção de leitura na escola, (ii) que a denúncia da falta de leitura, antes (ou para além) de acusar quem não lê, sirva para desmascarar as desgualidades sociais das quais a falta de leitura é reflexo.

A primeira ideia tem como pressuposto que a escola é a principal agência de literacia (Kleiman, 1995). Em Moçambique, onde os níveis de analfabetismo continuam dramaticamente altos (na ordem de 48%), em muitas famílias falta um adulto que seja leitor, que sirva de referência e agente primário de iniciação (Petit, 2008) das crianças na leitura. Decorre disso, e também se alia, a ausência de objectos de leitura (livros, etc), cuja presença conferiria à leitura significado e valor maiores e estimularia a sua prática. Neste contexto, a escola é o primeiro lugar do encontro com o livro, com a leitura e o professor é o agente primário de iniciação. O gosto e a proficiência, dos quais pode resultar o hábito de leitura, dependem fundamentalmente do trabalho que a escola e o professor realizam e das imagens que promovem dos livros e do acto de ler.

Sendo assim, devemos, então, analisar as práticas de leitura que ocorrem na escola; questionar se e como a escola e o professor têm cumprido o seu papel de agentes de iniciação à leitura. Parece-me ser um exercício necessário e talvez inevitável, quando nos propomos discutir a questão dos gostos e hábitos de leitura. Uma breve (sem pretensão de exaustividade) descrição e análise das práticas escolares de e com a leitura parece poder fornecer subsídios para pensar a situação em que estamos em termos de leitura em Moçambique. O que chama logo à atenção nas nossas escolas é a inexistência de bibliotecas, espaços de contacto físico, de apreciação e encantamento com o livro. Quando existem, para além da severidade do espaço, que inibe e desconforta o potencial leitor, mais se parecem com arquivos de alfarrábios do que com espaços de leitura; o acervo é precário, o acesso ao livro é policiado por um funcionário, que mais se presta a vigilante que um bibliotecário, muito por falta de preparação para dinamizar e mediar a leitura. A biblioteca é um recurso básico do processo educativo (Veiga et al., 2000), a sua ausência ou a forma como está presente na escola afecta sobremaneira a relação do aluno com o livro.